sexta-feira, 29 de abril de 2016

Salão Marly: a casa do maxixe e outros maxixes*

(parte 2/4)


                                                                            A.F. Monquelat



A noite das garrafadas no Salão Marly

         Dia 2 de setembro de 1916, os escândalos do Salão Marly, segundo a imprensa, tinham assumido proporções deprimentes.
         Os moços elegantes, de toda casta, depois de uma gritaria infernal em que não faltou “imundície e podridão” que lhes não saísse da boca, começaram a jogar para o alto as garrafas que, ao cair, se espatifavam com grande barulho.
         A cerveja e o vinho corriam pelo chão, como água.
            Para o repórter fora aquilo uma reprodução indigna da Noite das Garrafadas, dos tempos de D. Pedro I.
         Como se não bastasse, após essas expansões de ânimo, “os moços bonitos” arrastando cadeiras saíram para a rua, continuando fora a balbúrdia infernal. Mas, não contentes em gritar apenas, em se insultarem uns aos outros, desceram pela Rua 7 de Abril [atual D. Pedro] e foram parando pelas portas, deixando em cada uma, um presente mal cheiroso.
         Batiam nas janelas, sobressaltando os moradores, causando a sensação de que o mundo vinha abaixo.
            Era tal a impressão que aquelas desordens causaram e tão longe foram ouvidas, que no dia seguinte a cidade inteira comentava de que à Rua 7 de Abril, houvera um grande conflito, tendo inclusive sido dito que duas pessoas haviam morrido e uma perdera o braço.
            Portanto, para evitar questões mais sérias, era preciso que as autoridades tivessem energia e mandassem fechar o Salão Marly, impedindo assim que se realizassem os costumeiros bailes de sábado e domingo.
         Enquanto o desejo da imprensa não se realiza e aproveitando que o baile terminou, façamos nós uma avaliação do que até então foi dito: vimos que, segundo o noticiado, ali se misturavam todas as classes sociais, desde o sapateiro remendão do beco ao moço elegante da porta do Café Java: a figura do sapateiro me remeteu para o meu avô Michelangelo, sapateiro, filho de imigrantes italianos e maxixeiro de primo canto que, segundo minha avó, não perdia maxixe nos fins de semana. Ao que me conste, não era ele vagabundo, indecente ou imoral, tanto que, sua companheira de maxixe era uma mulata que morava próximo à casa de meus avós e, que se soubesse, entre eles não havia nada que não uma parceria de diversão, ou de maxixe, e iam maxixar com o conhecimento de minha avó.   




         Outro fato que entendemos pertinente ressaltar, era quanto a presença dos moços chiques, bonitos e elegantes da porta do Café Java, ponto de reunião da sociedade de Pelotas e que, pelo comportamento à saída do Marly, se portaram de forma inconveniente, como verdadeiros vagabundos e desordeiros, para não dizer ralé. E, ao que parece, se em seus salões não permitiam o maxixe, iam eles à procura do maxixe nos bailes populares.
         Voltando aos bailes públicos, dizia o repórter do jornal O Dia, em 30 de setembro de 1916, que, agora que a polícia do Sr. tenente-coronel Cristhovam José dos Santos  estava procurando moralizar os costumes, já perseguindo o jogo do bicho, já mandando fechar as tavolagens, o que o jornal registrava com aplausos, não seria demais que voltasse as suas vistas para os bailes públicos, anunciados com atoarda na imprensa local.
Hoje, 30 de setembro, se realizaria um, à Rua 7 de Abril, numa zona habitadíssima por famílias, que viviam sobressaltadas com os tais charivaris, verdadeiros pomos de discórdia, pela sociedade suspeita que ali se reunia, para entregar-se a todas as licenciosidades, beberagens e desordens.
Quando terminavam os referidos bailes, durante a madrugada, os convivas que dali saíam, desciam a Rua 7 de Abril a proferir as maiores obscenidades e a dar murros nas portas das habitações, alarmando as famílias.
         Não podemos compreender, dizia o repórter, que a polícia, numa atitude apreciável, mandasse fechar os cabarets e permitisse o funcionamento de tais antros, promovendo assim as reuniões da ralé e do baixo meretrício, sempre atentatórios à ordem pública.
         Nas cidades medianamente policiadas, a autoridade transigia com o funcionamento de bailes dessa ordem no Carnaval. Aqui, na nossa terra, em que tais diversões não tinham cabimento, pois ofendiam, por todos os motivos, o bom nome social que gozávamos, as referidas reuniões eram permitidas pela polícia!

Charivaris na Rua Sete de Abril

Não fazia muito, 30 de setembro de 1916, O Dia, tendo em vista a moral pública e a tranquilidade da família, chamara a atenção de quem de direito para uns charivaris que se realizavam aos sábados à Rua 7 de Abril.
Juntava-se, então, em tal antro de vício e perdição, o que o meretrício e a corja tinham de mais distinto, do que resultava que os denominados bailes eram pomos de graves desordens e de quanta patifaria o vizindário tinha que aguentar dos ilustres convivas, avinhados e cheios de deboche.
Sobre o fato, fizera-se o mais revoltante silêncio, e os tais bailes continuavam a se realizar, procedendo que as autoridades pouco se importasse que as famílias que ali viviam, em sobressalto, verdadeiramente escandalizadas, se recolhessem a mais fechada das convicções, que só às próprias autoridades deviam a intranquilidade em que viviam.
Pelotas estava transformada em verdadeiro paraíso do vício e da contravenção.
Acordassem os senhores da polícia e da administração: era a família pelotense, insultada nos seus brios, que vos pedia um pouco da vossa boa vontade em prol da moral e dos bons costumes.
A propósito, recebera o jornal a seguinte carta, em 11 de outubro de 1916: “O Dia prestará um serviço às famílias domiciliadas à Rua 7 de Abril, proximidades do Salão Marly, continuando a ocupar-se dos bailes realizados nesse antro da perdição.
Nas noites de sábado e domingo, em que funciona o tal salão, reina ali a mais completa desordem, que põem em sobressalto os moradores da quadra e lugares próximos.
As providências até agora pedidas às autoridades, inclusive ao próprio Sr. Intendente, não têm sido adotadas, infelizmente.
Urge cortar o mal pela raiz, mandando fechar aquela pocilga, centro de reunião do que a cidade tem de mais baixo e perigoso. Ass: UM PREJUDICADO”.
                                                                                           

   Continua...


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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Fotografia de Édouard Stebbing de c. 1910 intitulada "O maxixe"

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