sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O pecado (parte 3)*



À autoridade


Já por mais de uma vez declarava o Jornal do Commercio, de 15 de novembro de 1879, ter chamado a atenção da autoridade para os constantes distúrbios, que na Rua Barroso, quadra entre as ruas 24 de Outubro [Tiradentes] e São José [General Teles], promoviam algumas “pretas” ali residentes.
O jornal ignorava que providências haviam sido tomadas, o que sabia, porém, é que era raro o dia em que as tais megeras, de parceria com praças do destacamento de linha, vagabundos e “pretos” de charqueadas, não exibissem espetáculos pouco edificantes, insultando a vizinhança e os transeuntes.
Ainda, no dia anterior repetira-se uma daquelas cenas, que tanto depunham “contra a nossa moralidade”.
Pedia o jornalista a repressão de tais abusos, esperando que as dignas autoridades policiais fizessem sentir, de uma maneira enérgica, a sua reprovação para tais desacatos.

Pancadas de amor


Dia 28 de janeiro de 1880, ao cair da tarde, em uma das extremidades da Rua General Neto, uma rameira, conhecida por Maria das Papas, mimoseou a um tal D. Thomaz Bica, com algumas biqueiras, em testemunho da profundeza do amor que por ele sentia.
Como sempre acontecia quando se davam esses arrufos, houve intervenção, pacífica, de potências neutras que restabeleceram a paz entre os beligerantes, tendo como princípio que... pancadas de amor não doem.

Tropeiros agitam à Rua General Osório


Dia 26 de abril de 1880, à noite, deu-se à Rua General Osório uma grande desordem entre vários tropeiros.
Constava ao Jornal do Commercio ter saído ferido um dos desordeiros.
Sendo tão repetidas as desordens naquela rua, pedia o jornalista toda a vigilância das autoridades para certas bodegas daquele local, onde se entregavam ao jogo e à devassidão indivíduos de reputação duvidosa e, na sua maioria, já conhecidos da polícia.
Constava também ao redator do jornal, que alguns praças do destacamento de linha e da seção policial frequentavam aqueles antros de libertinagem, contra os quais pedia enérgicas providências.

A sociedade dos Terríveis


Segundo o jornal Correio Mercantil de 9 de janeiro de 1881, há muito tempo que existia nesta cidade, a ponto de anunciarem pelos jornais, uma sociedade denominada Os Terríveis, cujos fins e lugar dos trabalhos eram apenas conhecidos pelos confrades.
A polícia nunca se importou com a vida dos tais Terríveis e, entendeu, até então, que o negócio não passava de alguma inocente brincadeira de rapazes.
O tempo, porém, tudo esclarece, dizia o jornalista.
Dia 8, chegou ao conhecimento das autoridades policiais que a sociedade dos Terríveis era mesmo e unicamente composta de terríveis vagabundos e desordeiros, dos tais que dormiam de dia e rondavam de noite.
E a atividade foi descoberta, porque três dos associados, pelas quatro horas da madrugada, cometeram um grande desacato em casa da meretriz Maria Luiza, Rua Andrade Neves, quebrando as vidraças das janelas e derramando pelas portas uma porção de extrato [fezes] do Asseio Pelotense [empresa responsável pelo recolhimento dos cubos, que eram utilizados como vasos sanitários].
Os autores desse atentado foram os indivíduos, já muito conhecidos da polícia, e por mais de uma vez repreendidos, José Aprichieto de Campos, vulgo José Quebrado, João Maisonave e João Menino, contra os quais se tomaram providências no sentido de chamá-los à ordem, e evitar os escândalos que diariamente praticavam com ofensa à moral pública e aos direitos individuais.
Os estatutos dos Terríveis, segundo informações que o jornalista obtivera, consignavam princípios de perigosas consequências para a sociedade.
A ameaça para conseguir gozos e prazeres, a violência, o desacato, quando suas libidinosas pretensões eram repelidas, como aconteceu com a Maria Luiza e tinha acontecido com outras meretrizes, em iguais condições, eram as suas armas favoritas.
Funcionavam regularmente em um hotel-bilhar, à Rua Andrade Neves esquina 3 de Fevereiro [Major Cícero], e acreditava o jornalista que partisse dos Terríveis umas cartas anônimas, que há tempos recebera o Sr. Joaquim José de Assumpção, pedindo-lhe para depositar 5:000$ [cinco mil réis], em certo lugar, sob ameaça de morte caso não fosse feito.
As autoridades policiais tratavam de descobrir a verdade e garantir o público, contra ações de semelhantes indivíduos.
Era provável que os Terríveis desaparecessem da cena, desta vez, dos escândalos e atentados.



Ferimento em casa de uma mulher da vida airada


Segundo o jornal Onze de Junho, dia 8 de setembro de 1881, à noite, Joaquim Andrade, munido de um facão, procurava arrombar a porta da casa “de uma dessas mulheres da vida airada”, à Rua Santo Antônio [Miguel Barcelos].
Nisto, um sujeito que lá estava, abre a porta e sem que Andrade esperasse, atirou sobre ele algumas pedras, fazendo-lhe no crânio diversos ferimentos leves.
A autoridade não teve conhecimento do fato.

Escândalo


Dia 31 de dezembro de 1881, segundo o jornalista do Onze de Junho, à Rua 24 de Outubro [Tiradentes] próximo ao Arroio Santa Bárbara, duas heroínas da vida airada, descompuseram-se mutuamente a ponto de obrigarem as famílias a retirarem-se das janelas.
Estes fatos, dizia o redator da notícia, davam-se ali constantemente e, segundo informações que recebera, eram levadas ao conhecimento das autoridades, sem que estas, até então, tivessem dado a menor providência no sentido de evitar semelhantes escândalos.
Concluía desejando não ter de voltar mais àquele assunto.

Esfaquearam a Geraldina


O jornal A Discussão noticiava que, dia 28 de janeiro de 1882, acontecera um crime com uma “pobre mulher que vive do comércio iníquo de seu corpo”, de nome Geraldina.
Em sua própria casa, naquele dia, às 3 horas da madrugada, por um indivíduo que Geraldina não quis revelar o nome, foi ela ferida com uma faca.
O Sr. subdelegado do 2º distrito, averiguando o fato, obtivera informações seguras a respeito de quem cometeu o delito, e tratava de proceder na forma da lei.
Pela referida autoridade e pelo Sr. Dr. Victor de Brito foi feito o auto de corpo de delito.

Continua...


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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado

Revisão do texto: Jonas Tenfen




sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O pecado (parte 2)*





Baile de máscaras na Rua Paysandu


Até janeiro deste ano não encontramos, na imprensa de Pelotas, indícios ou registros de casas de prostituição no sentido mais amplo e que designasse uma casa de meretrizes. O que encontramos, são notícias curtas relacionadas a fato ou fatos ocorridos em casa de uma ou outra prostituta, geralmente provocados por homens, como foi o caso do alferes Antero P. de Moraes, que foi recolhido ao estado maior do quartel da polícia, no dia 18 de janeiro de 1877, por ter provocado distúrbios em casa de uma “meretriz moradora à Rua Paysandu [atual Barão de Santa Tecla]”.
Naquele mesmo dia, o redator do jornal Paiz pede à polícia, que “ao menos por esta vez” o atendesse; pois, até então existia uma completa indiferença para, segundo ele, as perniciosas reuniões cognominadas por bailes masques [bailes de máscaras]; pois, em tais reuniões se encontravam “mulheres enfermas do corpo e da alma”, além de indivíduos sem profissão nem moralidade, cujo único desejo era a saciação de vícios torpes e tendo por norte a devassidão e a orgia.
Ali, segundo o jornalista, contemplava-se a bacanal infrene, que tudo desrespeitava e tudo apodrecia e era onde a prostituição oferecia o braço à ociosidade, e bailavam em “can-can [dança francesa, que por largo tempo foi considerada imoral e indecente, sendo por isto proibida pela polícia] repugnante e licencioso”.
Entendia ainda o jornalista que aquelas reuniões eram o chamariz de incautas vítimas, que ali iam pagar o seu tributo, e a perdição de jovens inexperientes; portanto, que acabassem, pois, com semelhante escola, que serviria apenas para “dar uma triste cópia dos nossos costumes”, e que por isso lhes fossem negadas terminantemente as respectivas licenças.
Dias depois, voltaria o jornalista a denunciar os “celebremente afamados bailes masques”, que continuavam a divertir os amantes das boas reuniões, dizendo ter acontecido no domingo à noite em certa casa da Rua do Imperador [atual Felix da Cunha] um destes, e que a algazarra, a desordem e a confusão eram tamanhas, que “a grande distância se ouvia o eco infernal”; também comunicava que a vizinhança vivia atordoada, privada do sono e queixando-se amargamente de semelhante escândalo e que, tendo em vista que a autoridade policial não apenas ignorava as suas reclamações, como era digno de menção o fato de terem tomado parte na folia, “praças da força policial”. O pior de tudo e indignação maior do jornalista: “A polícia bailando de vis-à-vis com negros cativos!...”.
Encerrando sua indignação chamava a atenção para aquele reprovável procedimento – já que o delegado de polícia “tudo permite” do capitão Delfino, no qual reconhecia um oficial “brioso e fiel cumpridor dos seus deveres”.



Suicídio da meretriz Generosa


A meretriz Generosa dos Santos Corrêa, de 40 e tantos anos de idade, residente à Rua General Vitorino [Anchieta], pôs termo a seus dias precipitando-se ao Arroio Santa Bárbara. Esta por mais uma vez, impelida pelos desgostos, quem sabe as dificuldades ou “levada pelo arrependimento da desgraçada vida a que se entregara”, tentou dar fim a existência; mas, em vão. Finalmente, alcançara seu intento.
O seu cadáver foi encontrado próximo à ponte de madeira, e dali conduzido ao Necrotério, onde procederam ao auto de corpo de delito, devendo, dia 16 de maio de 1877, ser dado à sepultura.
O subdelegado de polícia em exercício, Sr. José Manoel Afonso, acompanhado do escrivão Sr. Francisco de Paula Nunes, deu as providências que o caso exigia.
À notícia do suicídio de Generosa acrescentou o jornalista que, em outro tempo, quando no vigor da mocidade e dotada de atrativos, era Generosa festejada e os seus admiradores a supriam de todas as necessidades, ela se julgava feliz e que essa felicidade não acabaria.
Mas, à medida que os anos se passavam, diminuía o número de adoradores, as faltas começaram a acontecer, até que a miséria, com todos os seus horrores, invadiu-lhe o já não tão frequentado domicílio, outrora tão disputado.

Um cáften na mira da polícia

Foi dia 10 de outubro de 1878, à repartição da polícia, “uma dessas infelizes filhas do vício”, chamada Rosa de Tal, mais conhecida por Henriqueta, a espanholita, queixar-se de que era constantemente espancada pelo indivíduo Luiz Gonzalez Garcia, com quem a longo tempo vivia amasiada.
Sendo Garcia chamado àquela repartição, foi pela autoridade advertido e comprometeu-se a satisfazer a vontade da ofendida, que desejava ver-se livre dele, que, além dos maus tratos que lhe dava, vivia à sua custa.
A autoridade não procedeu com mais energia, por falta de provas, porém, deixou o acusado sob vigilância porque, além de tudo, suspeitava ser ele um cáften.


Taverna ou lupanar?


Na Rua Sete de Abril [atual D. Pedro II], embaixo de um sobrado azul, existia uma taverna que não se sujeitava à postura municipal – que ordenava hora certa e determinada para o fechamento das casas de negócios à noite.
Dizia o jornalista que ali se davam cenas de lupanares, às horas mortas, bailes chinfrinanos [bailes com desordem, algazarra] e barulho.
Além de chamar a atenção dos fiscais para o que acontecia na tal taverna, pedia que tomassem providências também para um cão morto, próximo ao mesmo sobrado azul, que estava em estado de putrefação e ameaçava a saúde do povo.

Foi ou não a meretriz Geraldina quem se feriu?

O Sr. subdelegado do 2º distrito, ao tomar conhecimento de que a meretriz Geraldina tinha recebido um ferimento sobre o ventre, se fez acompanhar do Dr. Vitor de Brito que lhe aplicou os primeiros curativos, fazendo a seguir o auto de corpo de delito, na intenção se fora ou não um crime, visto a meretriz ter dito que ela mesma se ferira.
A autoridade procederia na investigação; pois, do exame médico, resultaria a certeza de ter se dado um crime, “que a infeliz intenta desculpar”.

Conflito e ferimentos na casa da Constança


Dois sargentos e dois soldados de linha, dia 8 de abril de 1879, à noite, quebraram as vidraças e tentaram arrombar a casa da Rua 3 de Fevereiro [Major Cícero], em que residia a meretriz de nome Constança.
Aos gritos de socorro dados por esta, acudiram vários praças do destacamento policial, comandados pelo sargento José Maria, e intimaram os agressores a retirarem-se.
Como resposta, estes pegaram os rifles e atacaram a polícia que, em defesa, teve de fazer uso das armas, resultando ficar ferido um cadete, dois sargentos de linha e um dos policiais; os outros dois soldados, à vista da resistência que a polícia opunha, fugiram.
O jornalista comentava que tal fato atestava a falta de moralidade de seus autores.
Informava ele também que o Sr. capitão Campelo, comandante do destacamento de linha, telefonou no dia seguinte para o Rio Grande relatando o corrido ao Sr. comandante da guarnição, pedindo que os praças desordeiros fossem substituídos.


Continua...


____________________________________________________________ * Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Revisão do texto: Jonas Tenfen

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O pecado (parte 1)*



Quando a até então denominada “Pérola do Sul” se transformou em “Princesa do Sul”, por volta dos anos de 1860, agregou a essa metamorfose alguns elementos, se não desconhecidos, pelo menos não institucionalizados, dentre eles o jogo, a prostituição e a feitiçaria.
O progresso e a modernização de Pelotas, uma cidade materialista, se fez acompanhar de um aparato de repressão, que se fazia presente em toda e qualquer manifestação popular. Trabalho sim, diversão não.
Essa repressão, consequência de uma sociedade escravocrata onde poucos tinham muito, e muitos tinham apenas o trabalho forçado, no entanto, não conseguiu evitar que os excluídos da história encontrassem meios de manifestarem outras vontades, desejos e práticas, que não apenas as voltadas para o trabalho e a submissão às regras de uma sociedade, cujo único propósito era explorá-los.
E, como primeiro exemplo de nossa afirmação, trazemos o caso ocorrido na noite de 16 de março de 1875 quando a polícia invade de surpresa uma casa localizada na Rua General Osório, esquina da Rua Santo Antônio [atual Senador Mendonça], casa esta que, segundo o Jornal do Comércio, possuía “o avultado valor de 40$000 réis aproximadamente, em gêneros e armação”.
A inesperada visita da polícia, que não fora convidada, foi motivo suficiente para que o divertimento terminasse, pois a música dispersara-se e as damas assustaram-se.
Dentre os convivas, no total de 15 cavalheiros, diz a notícia, se encontravam alguns moços ali levados pela sua inexperiência, mas de conduta regular, e outros de ocupação e meio de vida duvidosos.
Todos foram recolhidos ao xadrez do quartel da polícia, onde passaram a noite, e noite bem cruel, pois as gargalhadas da “orgia, foram substituídas pela tristeza da prisão”.
Aquela invasão foi efetuada pelos “ativos” Srs. delegado e subdelegado de polícia, major Francisco Nunes de Souza e capitão Manoel Luiz da Cunha, devidamente acompanhados.
No dia seguinte, 16 de março, sendo todos os reclusos chamados, 12 foram postos em liberdade, visto terem exibido provas de sua boa conduta e acharem-se empregados, e 3, “considerados como vagabundos”, seguiram naquele mesmo dia para a cidade de Rio Grande, “como recrutas para o exército ou para a armada”.
Segundo o redator da notícia, a investida das “dignas” autoridades obtivera um feliz resultado; pois , aqueles três homens ainda poderiam vir a ser úteis “a si e a pátria”.
Continuasse, portanto a polícia a fazer suas visitas por aquelas espeluncas situadas em diversos pontos da cidade, onde se juntavam os “vagabundos”, que, por certo, o número de “ratoneiros [gatunos, larápios]” diminuiria consideravelmente, e o “nosso exército e armada” disporiam de mais soldados.

Por causa de uma meretriz

Em consequência de duas punhaladas que no dia anterior lhe desferira seu compatriota José Ferreira Lourenço, falecia, dia 5 de setembro de 1875, na Santa Casa de Misericórdia, o súdito português Joaquim Mendes Ribeiro.
A meretriz Madalena fora a causa principal de tal acontecimento: em casa desta encontravam-se os dois que, depois das agressões verbais, chegaram às vias de fato.

Revira e orgia na casa do Nogueira

Estava lá, ora, pois, o português José de Pinho Nogueira, casado, a dar um maxixe familiar ou uma revira em sua casa, na Rua Conde d’Eu [atual Avenida Bento Gonçalves], tendo como convidados alguns negros e negras cativos, e três negras e um pardo livres, quando os policiais da polícia fixa e da particular, sob o comando do Sr. Souto, entraram e acabaram com a festa.



Para o jornalista do Diário de Pelotas, a família do Nogueira não podia ser considerada decente, pois, do contrário não consentiria em casa uma “revira [dança de negros] composta de escravos”. Além do que, no próprio quarto do “Sr. Nogueira, junto com a esposa dele, foram encontradas 3 negras e um pardo livres!”.
Tendo o Correio Mercantil contestado certas declarações do Diário de Pelotas, quanto a alguns detalhes do ocorrido, revidou este dizendo que, além do Nogueira, três escravos do Manoel J. de Oliveira e um do Antônio Leite terem sido levados presos, a polícia “só se apoderou de duas gaitas e um violão”, que se achavam à disposição no quartel para serem entregues aos seus donos; agora, quanto a bebidas, doces, café e etc., a polícia nada daquilo vira, no tal revira ou maxixe familiar.
Encerrando a polêmica, o Diário de Pelotas dava por finda “esta questão. Não pode classificar como chefe de família quem consente, em sua casa, com sua esposa, uma bacanal de negros cativos”.
Embora não tenhamos elementos necessários para avaliar o que realmente aconteceu na casa do Nogueira, além dos ditos pela imprensa, a única cena que pode nos levar a pensar que o tal maxixe familiar virara uma bacanal, é a passagem em que a esposa deste fora encontrada no quarto do casal com “3 negras e um pardo livres”, portanto não era, caso fosse, uma “bacanal de negros cativos”. Fica-nos parecendo, isto sim, é que a censura por parte do Diário foi quanto ao Nogueira ter dado um maxixe familiar com a presença de negros e negras, livres e cativos.

Sapateiro esfaqueia a Periquita

Às 19 horas do dia 3 de julho de 1876, foi ferida, com duas ou três facadas, uma “dessas infelizes vítimas da prostituição”, de nome Maria Faustina dos Santos, vulgo Periquita.
Foi autor deste crime o português José Maria de Siqueira, homem de 28 anos, sapateiro de profissão, dado, segundo diziam, a maus costumes e ao vício da embriaguês.
Maria Faustina, a Periquita, morava em um quarto do botequim do Sr. Porfírio José da Costa Brasil, localizado à Rua General Osório.
José Maria, com quem Maria Faustina tinha relações, ali entrou e, por motivos fúteis, começaram a discutir. Das palavras passaram às ofensas físicas, resultando destas um primeiro ferimento na Periquita. Esta saiu para fora do quarto, dizendo que ia queixar-se à autoridade e, quando já estava na rua, passados poucos momentos, foi novamente agredida por José Maria que lhe desferiu mais algumas facadas, das quais uma próxima ao pulmão direito.
Encontrando-se na ocasião um policial da seção fixa, e tendo-se aglomerado muita gente, José Maria foi preso em fla grante delito e conduzido ao xadrez da polícia, onde pernoitou, passando no dia seguinte para a cadeia civil.
A agredida ainda teve forças para ir queixar-se ao subdelegado de polícia, que a mandou ao Dr. Maia, de quem recebeu os cuidados e curativos necessários.
Dia 4 de julho, na subdelegacia, fizeram o inquérito do réu e testemunhas.
José Maria negou o fato e alegou que estava embriagado; porém, ao mesmo tempo em que declarou de nada se lembrar, confessou que trazia uma faca “de tal e qual qualidade” que deixara no quarto da agredida.
As testemunhas foram unânimes em atribuir-lhe o delito.
Não era a primeira vez que José Maria maltratava a infeliz Maria Faustina. Há não muito fora preso por idêntico fato, mas de menor gravidade.
O médico que examinou a vítima não havia respondido aos quesitos que lhe foram apresentados, segundo entendimento do jornalista, deveria qualificar os ferimentos como leves.

                                                                                              Continua...



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*Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A bodega da italiana Catarina (*)


                                                                                
 A.F.Monquelat




         A partir da intimação feita pelo Sr. tenente-coronel delegado de polícia aos bodegueiros da Rua General Osório, bem como aos donos de bodega no porto da cidade, em fevereiro de 1891, locais onde havia maior concentração dessas casas de negócio, para que dispensassem as dulcineias, frequentadoras e moradoras de seus estabelecimentos, com o pretexto de serem estas as grandes responsáveis pelas desordens ocorridas, houve, de forma gradativa, uma diáspora e, consequentemente, migração de prostitutas para outros pontos da cidade.
         Acreditamos que tal ato migratório tenha acontecido da seguinte maneira: as meretrizes frequentadoras e moradoras das bodegas da Rua General Osório, que, por longo tempo foi o primeiro e principal point de suas atividades, até porque seus clientes eram, na grande maioria, tropeiros, colonos e outros, assíduos frequentadores das bodegas ali existentes, quase sempre localizadas no período que abrangia da Rua Voluntários até a hoje Avenida Bento Gonçalves, situação essa que durou, pelo menos, até a desobstrução da foz do canal São Gonçalo.
         Com a desobstrução do Canal, tornou-se o porto da cidade um local bastante promissor para os bodegueiros e meretrizes que, embora inicialmente em menor proporção, ali vieram a exercer suas atividades.
         Quando da intimação, tanto uns, umas e outros, tiveram de readequarem-se as novas regras determinadas pelas autoridades, em nome do sossego, bem estar e da moral dos cidadãos da pérola, que se transformara em princesa. Porém, como nem só de trabalho vivem os vassalos, novos locais foram alvo daqueles que queriam gozar de outras formas de vida, até porque não tinham sido aquinhoados ou tampouco encontraram condições de se aquinhoarem nessa minicorte, que era Pelotas.
         Pelotas, nesse período, guardada as proporções, tornara-se uma cidade cosmopolita e, entre a diversidade de seus habitantes, em sua maioria ex-escravos e pobres, somavam-se os inúmeros imigrantes não colonos, que eram os artesãos e aventureiros, atraídos pelo luxo e esplendor que as guaicas dos “pataqueiros da aristocracia do sebo” construíram.
         Voltando aos nossos bodegueiros e dulcineias do passado, que já não eram mais vassalos do Império, e sim, servos da República, espraiaram-se estes então pela zona da Várzea, e outros em direção ao Mercado Público, sem esquecermos-nos das prostitutas que já estavam, ou vieram a se localizarem nas ruas Voluntários, 16 de julho [Dr. Cassiano] e 3 de Fevereiro [Major Cícero].
E é nesta transição e cenário que vemos surgir bem próximo ao quadrilátero do poder político e econômico as primeiras bodegas da Rua Tiradentes, uma delas de propriedade da italiana de nome Catharina Cuniga; bodega que, em curto espaço de tempo, se tornaria célebre e contribuiria para que esta rua se tornasse, por longas décadas, o assunto preferido das páginas de ocorrências policiais.
Assim é que Vitú, jornalista da Opinião Pública, em sua coluna do dia 3 de fevereiro de 1898, comentando sobre a ordem que reinava, à noite, em Pelotas, dizia estarem os moradores da Rua Tiradentes iniciando um abaixo-assinado contra os escândalos que aconteciam na bodega de uma italiana.
Além das musicatas [músicas de baixa qualidade artística] e imoralidades, as bebedeiras ali eram frequentes, com grave escândalo da moral pública.
Quem cuidaria daquilo? Perguntava o colunista.


Cachorro de Catharina leva Papagaio à cadeia

         Dia 31 de janeiro de 1900, a bodegueira Catharina Cuniga que tivera um palpite para o jogo do bicho, palpitara que daria cachorro, bichinho este de sua predileção, pela sua tradicional lealdade e de amigo certo, e lá foi ter com o bicheiro Manoel Gomes dos Santos, vulgo Papagaio.
         Catharina estava certa, deu cachorro.
         Acontece que Papagaio recusou-se a pagar o premio do jogo que com ele havia feito Catharina.
         Não deu outra, lá foi a bodegueira para a delegacia queixar-se ao Sr. delegado de polícia, da cachorrada do Papagaio.
         A polícia, porém, que não estava aí para apurar esses incidentes da afeição, deu com o Papagaio e a devota do cachorro no xadrez, o primeiro por vendedor falso de cachorros e a segunda por acreditar demais na sorte destes.

Por causa de um troco

Ferimento grave: ontem, 23 de junho de 1901, às 23 horas, entraram na bodega de Catharina Cuniga, à Rua Tiradentes, entre 15 de Novembro e General Vitorino [atual Anchieta], dois orientais que pediram um copo de caninha.
Pouco depois, esses orientais, por causa de um troco, promoveram desordem na referida bodega, alarmando a vizinhança.
O Sr. Álvaro Alberto, português, morador no prédio 81, fronteiro a casa onde se dava a rixa e ali estabelecido com sapataria, saindo para ver o que ocorria, foi inesperadamente agredido por um dos orientais, que, armado de faca, lhe desferiu profundo golpe, abaixo da mamica esquerda.
O criminoso foi logo preso e remetido para a cadeia civil, bem como o seu companheiro de falcatruas.
Ambos se negaram a dar os nomes.
Álvaro Alberto foi levado à Farmácia Providência, onde foi medicado pelo Dr. Alves Requião.
O seu estado era grave, achando-se ele em sua residência, no referido prédio.
O ferido era um homem trabalhador e gozava de bom conceito entre seus vizinhos.
Aberto o inquérito pelo Sr. delegado de polícia sobre o ferimento grave,  recebido pelo Sr. Álvaro Alberto, o ofensor, que se encontrava preso, disse chamar-se Mariano Mancia e que fora, por muito tempo, ordenança do finado major da brigada militar Utaliz Lupi.
O Sr. Álvaro, dois dias depois da agressão, apresentava sinais de melhoras.

O golpe do Vigário

          Aos 28 de agosto de 1911, era comunicada a prisão de vários gatunos, os quais haviam sido fotografados por Rafael Grecco, no 3º posto, onde estavam recolhidos aguardando a ação da justiça.
         Dentre os gatunos presos, estava o menor João Pires Toledo que, segundo o jornal Opinião Pública, era o autor do conto do vigário de que fora vítima Catharina Cuniga.

Desordem na bodega

         Dia 13 de outubro de 1911, às 20h30, na conhecida bodega de Catharina Cuniga, foco de contínuas desordens, dois soldados do Exército promoveram grossa baderna, provocando grande ajuntamento de povo.
         Ao trilar de apitos, compareceram vários guardas da Polícia Administrativa, que a muito custo conseguiram levar os perturbadores da ordem ao lº posto.
         O fato foi comunicado, pelo telefone, ao tenente Manoel de Faria Corrêa, comandante do destacamento do Exército, o qual deu as devidas providências.

Encontrado morto

         Dia 14 de junho de 1913, às 13 horas, uma empregada da bodega de Catharina Cuniga encontrou morto, à Rua Tiradentes nº 564, um homem de cor branca, de 70 anos presumíveis.
         Em seu quarto, foram encontrados uma mala de mão e um baú contendo roupa.
         Comunicado o fato ao Sr. capitão Pedro Dias, delegado de polícia, este compareceu em companhia do Dr. Arnaldo Menezes, médico municipal e que atestou o óbito.
         Aquela autoridade providenciou no sentido de ser o cadáver removido para o necrotério da Santa Casa.

Agressão na espelunca da Catarina

         Dia 3 de janeiro de 1914, à noite, na espelunca de Catarina Cuniga, Sílvio Veleda, depois de rasgar as vestes de sua amásia a espancou brutalmente.
         O agressor foi preso e recolhido ao 1º posto.

Prostitutas promovem desordem na bodega


            À celebérrima quadra da Rua Tiradentes, entre 15 de Novembro e General Vitorino, na famosa bodega de Catharina Cuniga, a mulher Colota, vulgo Ruiva, promoveu dia 16 de janeiro de 1915, grande desordem com suas companheiras de prostituto.
         Comparecendo um guarda do 1º posto, a desalmada fugou, barafustando pelo Hotel Portugal.
         O guarda, cujo número de identificação desaparecera muito de propósito, invadiu o estabelecimento e, sem pedir licença a quem quer que fosse, arrancou dali a mulher, a socos e pontapés, e do mesmo modo conduzindo-a até o 1º posto.
         Como se vê, a nossa polícia prima sempre pela cortesia e urbanidade, conhecendo a fundo as leis e as regras de educação!...

Baderna na espelunca da Catarina

         Augusto José Farias, 30 anos de idade, “cor preta”, natural de Canguçu, residente nas Três Vendas, meteu-se em uma baderna, dia 22 de março de 1915, na Rua Tiradentes em casa da celebérrima Catarina Cuniga, tendo recebido um ferimento inciso da região frontal esquerda, produzido por copo que lhe foi arremessado.
         A polícia não tomou conhecimento do fato.

Nova desordem na bodega da Catharina

         Aos 17 dias de abril de 1916, à noite, vários indivíduos promoveram grande baderna na bodega de Catharina Cuniga, na Encrencópolis, havendo garrafas e móveis quebrados.
         Ao se aproximar a polícia, os badernistas fugiram.    


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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado