quarta-feira, 28 de março de 2018

Praça dos Enforcados ou Praça dos Suicidas?

Praça dos Enforcados ou Praça dos Suicidas?


A.F. Monquelat

       
Detalhe do chafariz da Praça Cipriano Barcelos
       
       É cada vez mais recorrente a afirmação de que a popularmente chamada de “Praça dos enforcados” deve tal nome ao fato de ali ter sido o local onde foram enforcados escravos, e por mais de uma vez.
       Em princípio, poderíamos creditar tal afirmação ao sem número de outras lendas da cidade que carecem de fundamentação histórica. Em Pelotas, o que não se sabe e tampouco se pesquisa, se inventa. E assim, de invenção em invenção, veio a Princesa do Sul a formar o seu manancial de mitos e lendas; ou seja: uma história mitômana. História esta que não poucas vezes ocupa na fala e até mesmo na escrita, o lugar de uma história mais verossímil e mais próxima da realidade. Uma história baseada em fatos acontecidos e não em fatos inventados.
       Antes de vermos o porquê de nosso título, vejamos como nasceu a Praça Cipriano Barcelos, nome oficial da conhecida Praça dos Enforcados.

Possível origem da Praça Cipriano Barcelos

       O Jornal do Commercio em sua edição de 31 de março de 1876, publicando parte do Relatório enviado pela Câmara Municipal à Assembleia Provincial, reproduz no item PRAÇAS o seguinte: 
 
      “Sendo esta cidade muito escassa de praças públicas, como tendes ciência, seria muito conveniente que lhe concedêsseis para uma praça o terreno aquém do arroio Santa Bárbara, cuja planta já se enviou, e do qual tratamos no relatório anterior.
Assim legislando prestareis um real serviço a esta cidade e atendereis a um melhoramento palpitante [...]”.

       Cremos não haver dúvida alguma ter sido esta manifestação da Câmara de Pelotas o embrião para o surgimento da praça que, não muito depois, veio a ser a Praça Henrique d’Ávila, hoje Cipriano Barcelos. 

Nascimento da atual Praça Cipriano Barcelos

       Em sessão extraordinária ocorrida em 2 de setembro de 1880, presentes na Câmara Municipal o Sr. presidente Dr. Leopoldo e demais vereadores, foi lida a Circular do Sr. presidente da província, Henrique d’Ávila, na qual se encontrava uma cópia do ato de 25 de agosto de 1880, pelo qual fazia cessão à Câmara do terreno situado na margem esquerda do arroio Santa Bárbara, para que nele fosse instalada uma praça pública. A Câmara, tomando ciência, resolveu denominá-la de Praça Henrique d’Ávila.

O presidente Henrique d’ Ávila e a nova praça

       Sob a presidência do Dr. Leopoldo Antunes Maciel, presentes os demais vereadores, foi realizada uma sessão extraordinária em 7 de outubro de 1880, na qual foi lida a portaria da presidência da província onde esta se congratulava com a Câmara de Pelotas pelos melhoramentos do município, bem como agradecia pela prova de adesão que manifestara, denominando a nova praça pública com o seu nome.
       Ora, considerando o ano de 1876 como o pontapé inicial para o surgimento da praça, esse acontecimento por si só, caso os “inventores” pelotenses dele soubessem, bastaria para desacreditar a lenda de que ali tivesse havido enforcamento de escravos, pois desde muito antes dessa data já não havia enforcamentos em Pelotas, e, muito menos haveria em uma praça que sequer existia. Considere-se, ainda, que o último enforcamento no Brasil imperial foi o do escravo Francisco, ocorrido na cidade de Pilar, Estado de Alagoas, aos 28 dias de abril do ano de 1876.

A Henrique d’Ávila troca de nome

       Depois de submetida à ideia ao Sr. Dr. vice-intendente de trocar o nome da Praça Henrique d’Ávila para o de Praça Floriano Peixoto, aquele, após pronunciar algumas palavras “cheias de patriotismo”, declarou concordar, jubiloso, à vontade do povo.
       Da reunião de pessoas que solicitaram tal mudança, diz o Correio Mercantil de 12 de março de 1893, terem partido entusiásticos vivas à República, ao governo do estado, ao Marechal Floriano, ao Dr. Piratinino de Almeida, ao partido republicano e à cidade de Pelotas.

O início dos suicídios

       É possível, sem que tenhamos certeza, que o primeiro dos suicídios ali ocorrido tenha acontecido dia 11 de março do ano de 1920, dando assim início a uma série de outros fatos dessa natureza que acabaram determinando o apelido de Praça dos Enforcados.

Praça Cipriano de Barcelos

O suicida

       Na manhã daquele dia 11, foi encontrado pendente de uma corda em volta do pescoço, em uma árvore da “praça Marechal Floriano”, um moço de “tez morena” e bem trajado.
       A autoridade judiciária compareceu assim que alertada. Depois  de cortada a corda que o sustinha, procurou-se algum indício sobre a identidade do enforcado. Fora encontrada apenas,  em um dos bolsos, uma carta que dizia: “Pelotas, 10-03-1920. Quarta-feira, 11h30m.
       O motivo de eu dar, hoje, fim na minha existência é ter em meu corpo várias moléstias, sendo uma delas incurável, já fui desenganado por um médico, e para não viver sofrendo achei melhor terminar com a minha vida, assim peço não culpar a ninguém”.
       Em vista de não ser ele conhecido, procurou a polícia descobrir o nome do suicida, conseguindo então saber tratar-se do jovem Pedro Gonçalves da Silva, branco, solteiro, empregado no comércio e natural da República Oriental do Uruguai.
       Era ele o amparo de duas irmãs, as quais se encarregaram do sepultamento, que aconteceu às 17 horas, saindo do necrotério da Santa Casa.
       Não muito depois daquele ocorrido, Ercínio Padilha, solteiro de 33 anos, enforcou-se usando um fio de arame naquela praça.
       Para finalizarmos este artigo, sem com isto esgotar tal assunto, trazemos a matéria do jornal A Opinião Pública de 6 de novembro de 1936, confirmando nossa afirmação quanto ao número de suicídios por enforcamento na praça Cipriano Barcelos, quando nos diz que, a Praça Cipriano Barcelos, mais conhecida por “Praça do Pavão”, e que já há algum tempo fora chamada “Praça dos Enforcados”, nome que lhe veio, pelos vários suicídios nela verificados, por meio de enforcamento, foi teatro de mais um triste drama, de impressionante característica:

       Foi encontrado ali, na madrugada do dia 6 de novembro de 1936, suspenso por uma corda, o corpo de um homem, o qual, num gesto de incontido desespero, deu cabo da existência, enforcando-se.
       Verdadeira multidão rodeava o corpo do suicida, que às 7 horas, ainda continuava na mesma trágica posição em que fora encontrado.
       Soube-se, ali, que, desde as 4 horas, as autoridades haviam sido notificadas do ocorrido.
       Somente às 8h30, compareceu, ao local, o Sr. capitão César Brisolara, delegado de polícia. Com a sua presença, o corpo foi retirado da posição em que se encontrava, sendo removida para o necrotério.
       4 horas e meia durou o triste espetáculo, até que a polícia desse às caras.
       A árvore escolhida por José Severo Gonçalves, era esse o nome do suicida, para o seu trágico fim, foi uma das que ficavam situadas à margem do arroio Santa Bárbara.
       A corda utilizada por Gonçalves era feita de inúmeros fios de barbante.
       Amarrando-a num dos galhos da árvore, ele deixou cair o corpo, sofrendo o estrangulamento. A árvore era pouco alta, tanto assim que os pés do suicida tocavam na relva do canteiro.
       José Severo Gonçalves contava 32 anos, era solteiro e natural de Portugal, sendo proprietário, juntamente com o Sr. José Aires, do Restaurante Buenos Aires, localizado no Mercado Central.
       O suicida não deixou declaração alguma sobre os motivos que o levaram àquele gesto.
Trabalhara no seu restaurante, até às 3 horas da madrugada.
       Vestia com decência, no momento em que foi encontrado, segundo informava o jornalista.
O corpo foi removido para a residência de sua família, à Rua General Osório, nº 69, de onde saiu o enterro, naquele mesmo dia, às 18 horas, a cargo da Casa Lima.

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Fontes de pesquisa: CDOV-Bibliotheca Pública de Pelotas / “As praças de Pelotas e suas histórias”, Livraria Mundial, A.F. Monquelat.
Revisão do texto e postagem: Jonas Tenfen
Imagens: arquivo digital de A.F. Monquelat