quinta-feira, 14 de abril de 2016

Terena, a princesa cigana (parte2/2)



O funeral cigano

         De acordo com o chefe do grupo, João Caldaras, quando morre algum membro do bando, a dor, as lágrimas, e lamentos, generalizam-se entre todos os seus componentes.
         O funeral do povo cigano diferia em alguns aspectos de outros funerais. O corpo era velado do mesmo modo. Hinos eram entoados em louvor à alma do falecido. Após a retirada do esquife, dois a três baldes de água eram jogados ao solo da barraca onde se realizara a cerimônia do velório. As vasilhas usadas com a água eram tombadas com as respectivas bocas viradas para o lado que seguiria o cortejo fúnebre. Toda a cerimônia era realizada com o mais profundo respeito. Ao chegar à necrópole, após baixar à sepultura o caixão, todos os integrantes do grupo jogavam moedas sobre o mesmo. O significado dessas moedas, segundo Caldaras, era para pagar qualquer dívida que o morto por ventura possuísse na terra, para que assim sua alma pudesse descansar em paz.
         Três dias após o sepultamento, era realizado um almoço em homenagem ao falecido, no qual, obrigatoriamente, faziam parte todos os componentes do grupo.
         Um ano após o falecimento, novo almoço era realizado. Neste, uma pessoa é vestida com os trajes daquele que falecera, representando-o vivificado e desobrigando a família do morto ao uso do luto.
         Em resumo, essas eram as principais cerimônias realizadas durante os funerais dos ciganos.

A chegada de Terena e seu grupo a Pelotas

         Por volta de fins de dezembro do ano de 1882, um bando de ciganos originários da Hungria, chefiados por João Caldaras, acampara nos arredores da cidade, mais precisamente na extremidade da Rua Conde d’Eu [atual Avenida Bento Gonçalves] próximo à Rua Manduca Rodrigues [atual Professor Araújo].

A morte e o enterramento da cigana Terena Caldaras

         Com seus vistosos trajes, sua alegria característica, o bando passava os dias em seus afazeres até que, dia 2 de março de 1883, a dor e o luto se abateram sobre o grupo, após o falecimento de Terena, a esposa do chefe do acampamento.
         Durante os dias 2 e 3, o corpo conservou-se em câmara ardente, velado por todos que constituíam a comunidade.   


         No sábado, dia 3 de março, uma banda de música, das duas contratadas, tocou algumas peças fúnebres ao romper do sol, junto à barraca onde o corpo estava amortalhado.
         Dia 4 de março, o corpo foi conduzido ao cemitério local.
         As pomposas homenagens de saudade que lhe tributaram indicavam, realmente, a amizade que lhe consagravam.
         Antes da retirada do caixão da barraca, onde se encontrava o corpo, recebeu as orações de encomendação de acordo com o ritual da Igreja católica.
         Atrás do esquife, iam os homens e mulheres do grupo, eles descobertos, quase todos em colete, e elas de roupas escuras e lenços amarrados na cabeça, uns como outros, portando uma vela de cera acesa, envolta em crepe.
         O caixão foi carregado em mãos até a Ponte de Pedra [que ficava na esquina da Rua Marechal Floriano] sendo ali colocado em carro fúnebre que, acompanhado pelas duas bandas de musica, o conduziu até o cemitério local.



         Uma vez colocado o caixão na cova, cada integrante do grupo colocou-lhe em cima muitas moedas de cobre, segundo o jornal Correio Mercantil da época.
         Diz-nos o jornal A Discussão, do mesmo período, que a boa ordem junto a certa imponência que exibiam quantos pertenciam àquela extensa família, que vivia em comum, ao desfilarem até o cemitério, acompanhando o féretro, atraiu considerável número de pessoas, calculadas seguramente em mil (1.000), que seguiram a pé o cortejo fúnebre.
         O ataúde que era de louro [madeira], polido e ricamente enfeitado, foi até a ponte do arroio Santa Bárbara [ponte de pedra] carregado à mão não só pelos integrantes do grupo como também por muitas outras pessoas da localidade.
         Por dois sacerdotes que seguiram em carro, foi encomendado o corpo da finada na capela do cemitério, sendo o caixão deposto em uma sepultura rasa lajeada e preparada para esse fim, colocando-se no mesmo caixão, no ato de enterrar-se, grande quantidade de moedas de ouro e joias de valor.


         As despesas que o bando de Terena Caldaras despendeu com as cerimônias fúnebres, segundo informações colhidas por aquele órgão de imprensa, foram de 3:600$000 [três contos e seiscentos mil réis].
         Diante do exposto, podemos deduzir que até a data em que o Sr. Ruy Queiroz, março de 1956, informou ao grupo de ciganos aqui acampados, liderados por João Caldaras, que no cemitério local havia um túmulo onde estavam depositados os restos mortais de uma cigana, de nobre descendência, de nome Terena Caldaras, e do qual o grupo não tinha conhecimento algum, não havia romaria ao túmulo dessa personagem, portanto, tal fenômeno é algo relativamente novo.
         Diante desse fato, a redescoberta do túmulo da pitonisa (cartomante) Terena Caldaras, que aqui faleceu em certo dia de março do distante ano de 1883, continuaremos pesquisando e coletando material para futuramente, quem sabe, voltarmos ao assunto.




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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Tratamento de imagem: Bruna Detoni
Ilustrações: Zé Povinho, março de 1883

Foto: Acervo de Bruno Martins Farias

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