segunda-feira, 25 de abril de 2016


Salão Marly: a casa do maxixe e outros maxixes*(parte 1/4)
                      
                                                                                     A.F. Monquelat
      
         A palavra maxixe, em Pelotas, parece ter servido inicialmente para designar toda e qualquer atividade que envolvesse bailes populares, e não o gênero musical maxixe que, como tal, teve sua origem na segunda metade do século XIX, sendo, segundo alguns estudiosos, uma pioneira dança urbana surgida no Brasil.
         Parece não haver dúvidas que a dança é oriunda da Cidade Nova, bairro do Rio de Janeiro, “cuja principal característica era a forte presença de afrodescendentes”.
         Quanto às origens estilísticas: tango, polca, lundu e habanera.
            Na história social, ou história popular de Pelotas, não temos registros precisos que possam nos indicar quando e onde o termo maxixe deixou de ser sinônimo de baile para determinar o tipo de dança ou o gênero musical maxixe, de qualquer forma, a palavra foi empregada pela imprensa pelotense desde a década de 70 do século XIX.
          Pelotas é uma cidade onde a presença do negro africano e afrodescendente foi expressivamente marcante, tendo sofrido a influência do Rio de Janeiro em seus hábitos e costumes. Não é de estranhar, contudo, que o maxixe fosse tocado lá e imediatamente dançado aqui, onde os bailes populares ou mesmo de caráter privado eram frequentados por escravos, negros libertos, negros livres, além de pobres e imigrantes de baixa condição social.
         De qualquer forma, podemos afirmar que Pelotas maxixou, e maxixou bastante, se não desde o século XIX, no século XX, principalmente nas suas três primeiras décadas.
          O maxixe, uma dança de caráter muito sensual, foi logo rotulado de indecente e teve proibida a sua entrada nos salões e recintos não populares.
         Discriminado por uma elitizada minoria, foi desde o nascimento acolhido pelas camadas populares, que pouco se lhes dava que fosse indecente ou imoral, desde que elas pudessem dele se aproveitar.
         Que o dissesse a mulata Clara Garcia, de 23 anos de idade, residente à Rua Dr. Cassiano nº310, toda do samba e maxixeira.
         A mulata, aos sábados, infalivelmente, logo que escurecia, começava a se preparar para brilhar em um rega-bofe qualquer, exibindo com volteios constantes, as suas habilidades de maxixeira consumada.
         Porém, em certo sábado de abril de 1935, estava ela pesada e, por volta das 5 da madrugada, em uma casa de diversão que existia à Rua Marques de Caxias [Santos Dumont], entre General Neto e Voluntários, quando já com a cabeça entontecida pelos vapores alcoólicos, mais exagerando nos requebros, Clara perdeu o equilíbrio e esparramou-se no assoalho, na queda fraturando o cotovelo direito.
         Socorrida por muitos dos presentes, foi Clara transportada para a Santa Casa, que, por sorte, ficava poucos metros daquele centro de diversões.
         Embora bastante popularizado em Pelotas, e praticado em vários locais e pontos da cidade, nenhum desses ambientes de maxixeiros foi tão conhecido e frequentou tanto as páginas das ocorrências policiais, quanto o famoso Salão Marly, localizado à Rua Sete de Abril [atual D. Pedro II], razão pela qual lhe reservamos um cantinho especial neste trabalho.
         Não sabemos quando inaugurado foi o Salão Marly, e tampouco por quem, talvez até o nome Marly fosse o nome da proprietária do salão que, como já o dissemos, estava localizado à Rua 7 de Abril, atual D. Pedro II, próximo à ponte sobre o Arroio Santa Bárbara.
         Os bailes ali eram realizados, em sua maioria, aos sábados e domingos para a indignação da imprensa pelotense e do vizindário, que não entendia porque a polícia permitia escândalos daquela natureza.
         Também era inconcebível que a própria polícia lhe desse o seu apoio e, até chegasse a frequentá-los, assistindo com olhares voluptuosos e de braços cruzados as suas peripécias e incidentes, que se sucediam vergonhosamente, ofendendo a moral, perturbando a ordem, confirmando a própria inépcia, e a comprovada e reprovada falta de energia.
         Essa polícia que se mostrava por vezes tímida e de embotada paciência nos bordéis e, outras vezes feroz e irascível nas esquinas.
         Por diversas vezes tinha a imprensa se referido à constante ameaça de perturbação da ordem que ofereciam aquelas reuniões do Salão Marly, onde se misturavam todas as classes sociais, desde o sapateiro remendão do beco ao moço elegante da porta do Café Java; já mesmo noticiara conflitos e desordens que ali se desenrolaram; já chamara a atenção das autoridades; já pedira providências.
         As autoridades, porém, permaneciam complacentes, e os policiais que para ali eram enviados, por um trago de cachaça, cruzavam os braços e ficavam de olho caído. Vejamos nós que:
 
Maxixe na Praça
         Tendo em vista a discriminação nacional que sofria o maxixe, não nos causa surpresa alguma que a imprensa pelotense tivesse, para com esse, a mesma postura e, como tal, servisse qualquer ocorrência para os jornalistas praticarem seus preconceitos, daí, sob o título de “Furto no maxixe da Praça”, um dos jornais locais, informava aos seus leitores que, aos 8 dias do mês de dezembro de 1912, no maxixe desbragado que funcionava à Praça Piratinino de Almeida, esquina da Rua Sete de Setembro, o chofer do auto nº 42 da Garagem Fabres, Lourival Ávila, foi despojado do seu relógio pela mundana Maria Assis, que o convidara para dançar.
         A meliante deixou o seu par a ver navios e deu sebo nos calcanhares, não sendo encontrada pelo chofer, no local onde residia [Corredor do Pimpão].
         Lourival Ávila deu queixa à polícia, que estava agindo.
         Poucos dias depois, expressava novamente a imprensa sua indignação quanto aos maxixes através do jornal A Reacção, no qual era dito que, no sábado último, dia 14 de dezembro de 1912, no escandaloso maxixe que funcionava à Praça Piratinino de Almeida, esquina da Sete de Setembro, deram-se várias desordens.
         Um indivíduo, porteiro do templo da orgia, esbofeteara um rapaz que ali entrara, maltratando-o também com palavras ofensivas.
         O jornal chamava a atenção da polícia para o referido centro de badernas.
                                                                                              Continua...
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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Tratamento de imagem: Bruna Detoni
Foto: Acervo A. Monquelat

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