Primeira Guerra Mundial em Pelotas IX - Ritter e a Cerveja Brasil
A. F. Monquelat
Jonas Tenfen
No
que tange à imigração europeia ao Brasil, principalmente de origens alemãs e
italianas – lembrando mais uma vez que estes adjetivos são espécie de
guarda-chuva onde se reúnem vários grupos e culturas – sempre há exageros.
Parece ser hábito do exercício da interpretação histórica, parece ser herança
do pensamento de Von Martius no projeto de país após sua independência de
Portugal. De todo modo, é sempre difícil escrever um texto sobre o tema sem que
pareça propaganda ou que pareça menosprezo.
No
que tange a história de Pelotas, foi este tipo de imigração que trouxe um
impulso industrial, ainda de pequeno porte. À margem das charqueadas, pequenos
investidores adquiriam o que era descartado da produção do charque, a saber,
língua, patas, os ossos; transformavam essa matéria-prima e exportavam como
língua enlatada, cola, gelatina, guano.
Com
a estabilização do centro da cidade, muitos imigrantes que estavam na
agricultura, mas que possuíam outras habilidades além do cultivo da terra,
acabaram por migrar à cidade e montaram pequenas oficinas e fábricas nos fundos
de casa. Sem contar que a pujança da cidade sempre atraiu todo tipo de
vendedor, engenheiros, arquitetos, escritores. A derrocada do charque traria
tão profunda crise porque chegou antes que esses setores da economia pudessem
se sustentar para além do capital proveniente da fonte bovina.
Destes
indivíduos que iniciaram pequenas fábricas na cidade, era espontâneo que um ou
outro ganhasse mais mercado e acabasse por se tornar indústria de porte. Na
memória de quem lê este texto aparecem nomes que servem de exemplo ao exposto,
vamos trabalhar com um em especial: a Cervejaria Ritter.
O
histórico de fundação desta cervejaria remonta ao ano de 1872. Época de
instalação da primeira cervejaria de Carlos Frederico Jacob Ritter na Rua 24 de
Outubro [atual Rua Tiradentes] às margens esquerdas do Arroio Santa Bárbara.
Cerca de 8 anos depois, a empresa ganha prédio construído exclusivamente para
este fim, mostrando os resultados financeiros do labor deste teuto oriundo de São
Leopoldo. A sede própria era nomeada Fábrica de Cerveja Ritter; os frequentes
do blog “Pelotas de Ontem” já fizeram um passeio pelo interior desta fábrica.
Carlos
Ritter dava diversos destinos aos ganhos provenientes da fábrica. No que diz
respeito a si próprio, possuía excelente casa com ampla área, várias
dependências e jardim, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina. No que
diz respeito à comunidade, patrocinava vários concursos em clubes, por exemplo,
dando prendas a concursos de tiro ao alvo. No que diz respeito à fábrica,
mantinha sempre o maquinário o mais moderno o possível, sendo esta uma das
primeiras a ter energia elétrica.
O exemplo de
cartilha do jovem pobre vindo do interior que se tornar um grande industrial na
cidade. Até a vinda da Primeira Guerra a Pelotas, quando Ritter gradativamente
passou a ser visto como inimigo, ou antes, como boche.
Há uma
suspeitava de que a casa de Ritter poderia ser alvo da turba enfurecida durante
a Noite das Fogueiras, em Pelotas. O Clube de Tiro Alemão que fora depredado
era próximo da residência do industrial e parece lógico que este fosse o próximo
alvo. Como os revoltosos acabaram por se dispersar com a vinda de forças de
segurança, deixaremos este episódio da Noite das Fogueiras à especulação.
Em edição de
20 de novembro, o jornal O Rebate traz um Reclame inconveniente, cujo subtítulo
é mais expressivo: “O Brasil por baixo da Alemanha”. Transcrevemos o reclame
abaixo:
“Distinto amigo enviou-nos dois reclames que a Companhia Cervejaria
Ritter está distribuindo pelas casas comerciais, como propaganda da marca de
cerveja ‘Brasil’.
Esse reclame ostenta um fundo com as cores da Bandeira Brasileira; mas,
o nome ‘Brasil’ traz as cores da bandeira alemã, parecendo, embora, não tenha
sido essa a intenção como é de supor, que o nosso país está por baixo do
pavilhão teutônico.
Devemos convir que esse reclame torna-se inconveniente, por isso que
pode dar margem às más interpretações e quiçá a fatos desagradáveis.
A companhia Cervejaria Ritter deveria ter se abstido de empregar, neste
momento grave, as cores da bandeira germânica, amaldiçoadas por todos os
brasileiros e por quase todo mundo, máxime tendo sido nacionalizada a mesma
companhia.
O reclame a que aludimos nem se quer traz a rubrica da litografia que o
imprimiu. Isso, se não demonstra a intenção da obra, pelo menos autoriza que se
suponha preconcebida e ofensiva ao nosso amor próprio.”
Pelo contexto,
entendemos que a palavra reclame quer dizer “propaganda”. A palavra, “máxime”,
por sua vez, é advérbio sinônimo a “principalmente”.
Não podemos
deixar de notar a ambiguidade do título, afinal, quem estava sendo mais
inconveniente: a Cervejaria Ritter ou a atmosfera denuncista do “distinto
amigo”? Toda justificativa parecia válida, pois precisava de muito menos para
dar margem a “más interpretações e fatos desagradáveis”.
Notamos também
o desproporcional quanto à necessidade do anonimato. A reclamação do último
parágrafo sobre a falta de identificação da empresa que fez a propaganda deixa
clara a busca por identificar todo e qualquer apoiador boche, seja pela
atividade que for. Em contrapartida, um patriota, um cidadão, um amigo podem
continuar mandando cartas aos jornais – embora só tenhamos encontrado estes
textos em O Rebate – sem que seja cobrada a honesta identificação de quem
acusa, ou mesmo provas mais coerentes quando se falava de levantes contra a
soberania nacional. Protegidos pelo anonimato, essas pessoas se tornavam corajosas na tentativa de insuflar no peito dos leitores o desejo
de repetir a Noite das Fogueiras. Afinal, um detalhe como estes é o suficiente
para concluir que “se se suponha preconcebida e ofensiva”.
Este reclame
foi o que chamamos hoje de “flyer” ou mesmo panfletinho: pequenas propagandas
impressas distribuídas de mão em mão, quase sempre por pessoas contratadas para
este fim, ou deixados em ponto específico para os interessados. Vemos nesta
propaganda uma tentativa de Ritter salvaguardar seus negócios, seu patrimônio
e, de conclusão fácil, a própria segurança pessoal. Como veremos, a guerra de
propaganda está só começando.
Continua...
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Fonte: CEDOV –
Bibliotheca Pública Pelotense. Os dados biográficos sobre Ritter estão mais bem
trabalhados na série “Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas”,
disponível no blog Pelotas de Ontem