sábado, 9 de abril de 2016

Terena, a princesa cigana (parte1/2)


A “maldição da princesa cigana”, que já demonstramos se tratar de mais um dos tantos mitos existentes na história popular da cidade de Pelotas, pois praga ou maldição alguma foi lançada sobre a cidade quando da morte desta, aqui ocorrida em 2 de março de 1883 que, em maiores detalhes poderá ser vista em nosso artigo A maldição da “princesa cigana”, disponível, dentre outros meios de divulgação, em nosso blog pelotasdeontem.blogspot.com.br, conforme postagem de 20 de outubro de 2015.
Porém, quando por falta de maiores informações demos por concluído o nosso artigo, ficaram várias interrogações sobre a, desde muito, mais famosa ou popular morta, cujo jazigo é o mais frequentado de nosso cemitério.
A principal interrogação e que continua nos visitando é: a partir de quando e por que começou a romaria ao túmulo dessa personagem, cujo motivo é o fato de a ela se socorrerem aqueles que precisam de algo ou alguma coisa?
Tal resposta ainda não temos, no entanto, trazemos aqui novos fatos sobre a princesa Terena Caldaras relativos a sua “tribo” e descendência.
Por volta dos primeiros dias de março de 1956, um grande bando de ciganos acampou nas redondezas da cidade, dirigidos por João Estevão Caldaras que, juntamente com sua mulher Vitória Cristo, sua filha Sultana Estevão Caldaras e com Zafra V. Borba, viriam a prestar significativa homenagem à sua ancestral: Terena Caldaras.

Caldaras e sua família encontravam-se com sua tenda armada nas proximidades da caixa d’água da Andrade Neves, na época tido como “Bairro da Luz”.
Era um grupo de ciganos que, conservando as tradições de seu povo, viviam em barraca.
As mulheres trajavam vistosas indumentárias multicores.
O Sr. Ruy Queiroz, que os visitou quando ali estiveram acampados, diz-nos que ao chegar ao acampamento foi recebido por todos os elementos que compunham o grupo chefiado por Caldaras.  A recepção foi festiva, demonstrando a maior afetividade possível “para estes de outra raça” que tanto tinham feito para menosprezá-los, injuriá-los e caluniá-los.
Segundo o Sr. Queiroz, os ciganos pertencem a uma raça como todas as outras existentes nesse desentendido mundo, bons e ruins; generalizá-los, portanto, era um erro.
Quando o Sr. Ruy chegou ao acampamento, encontravam-se na hora do almoço. Sobre uma mesa que não teria mais de 30 centímetros de altura, vários pratos de apetitosos aspectos, eram saboreados pela família zingara.
A família Caldaras insistiu para que o visitante compartilhasse de seu repasto.
A conversa girou sobre diversos assuntos. Em primeiro plano, o furto de que haviam sido vítimas na noite anterior, de todo os utensílios de cozinha. Seguiu-se a conversa com a história dos ciganos de acordo com o conhecimento que possuíam, os seus costumes, suas vidas, em fim, uma admirável palestra cercada de toda a sinceridade e simplicidade.
Sob a barraca o conforto era relativo. Não cozinhavam no solo como seus antepassados. Um fogão esmaltado, panelas brilhantes de limpeza, um gerador que fornecia luz elétrica e energia para o potente rádio-receptor, convencia a qualquer incrédulo que suas vidas em nada diferiam das nossas e, em muitos casos, eram muito acima do conforto que muitos de nós, não ciganos, desfrutávamos.
Fora da barraca um potente automóvel marca Chevrolet substituía os antiquados carros de tração animal, numa demonstração que acompanhavam o “progresso” em todos os setores.
Na hora do chá, um aparelho, que o Sr. Queiroz desconhecia, foi colocado sobre a mesa: era o aparelho para a confecção de sua tradicional bebida. Reuniram-se em torno da mesa todas as mulheres pertencentes ao bando, e, em copos, foi saboreada a bebida.
Mais tarde, chegada a hora da ceia, Vitória, a esposa do chefe, chegou-se ao fogão para o preparo do jantar, auxiliada por sua filha Sultana.

Homenagem a uma ancestral
A conversa continuou, e o grupo soube por intermédio do Sr. Queiroz de que, no cemitério local, estava sepultada uma nobre de sua raça.
Diz o Sr. Queiroz, que tal informação fez com que suas fisionomias modificassem-se. Da alegria, uma tristeza invadiu “suas almas”. Fizeram questão de prestar uma homenagem à sua irmã de raça e, a convite do visitante comparecerem ao cemitério, onde praticariam uma cerimônia que ficaria para sempre gravada na mente do Sr. Ruy Queiroz.
Munidos do material necessário ao ritual de sua religião, duas velas e duas garrafas de vinho, penetraram no cemitério.
É importante salientar de que em todo o trajeto que percorreram, desde a barraca até a necrópole, todos os sorrisos desapareceram numa concentração evidente da homenagem que iriam prestar.
Quando chegaram perante o túmulo, neste, numa lápide já demonstrando os efeitos do tempo, lia-se: “JASIGO DOS RESTOS MORTAES DE TERENA, ESPOSA DE JOÃO CALDARAS. NATURAL DA HUNGRIA, FALECIDA A 2 DE MARÇO DE 1883. COM 55 ANOS DE IDADE. TRIBUTO DE SEUS FILHOS TODORES, LANGHOS, IXOAN, IANOS, IOSCA, POXELIA, ZURCA, MUTTO, PEPE”.
Na presença do túmulo, Caldaras e sua família concentraram-se em prece e prestaram homenagem espiritual a sua ilustre morta.
Acenderam as velas; o vinho foi aberto e derramado em cruz sobre a lápide. O vinho significava o espírito da vida em sua futura vida eterna. As velas, como no ritual apostólico romano, conclamam a aproximação dos santos em proteção ao espírito que se encontra nas alturas. Nada do que levaram foi retirado de volta. Tudo ali ficou como um símbolo de amizade, respeito e votos para que a extinta encontrasse a paz de Deus e o descanso que merecia.
Terminada a cerimônia, antes de afastarem-se do túmulo, fizeram o sinal da cruz de acordo com o ritual da Igreja Católica Ortodoxa.
Magnífico espetáculo de fé e dedicação a seus antepassados foi o que João Caldaras e sua família proporcionaram ao Sr. Ruy Queiroz.


Continua...

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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense
Revisão do texto: Jonas Tenfen

Fotos: acervo A. F. Monquelat

3 comentários:

  1. maravilhoso... parabén. temos nosso próprio mito e tao pouco material. parabéns ao autor

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  2. Linda estória tem muito a ver com minha vida em Pelotas isso eu não sou gaúcha

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  3. É uma cigana muito poderosa tenho uma grande fé nela. Ja tive muitos pedidos atendidos por ela.

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