segunda-feira, 24 de julho de 2017

Fantasmas, lobisomens e casas assombradas (parte 2 e final)



         Dando prosseguimento às declarações prestadas pela Sra. Figueiredo à imprensa, disse ela também:
         - que no terceiro dia, sábado, começara o apedrejamento ao escurecer, isso era, às 19h30 mais ou menos, sendo sua casa alvejada barbaramente por verdadeira chuva de pedras, até às 2 horas da madrugada;
         - que domingo, indo até o quintal de sua casa buscar uma caneca de água, viu Guilherme Hossel, sapateiro da casa Kruger, do quintal do armazém de Ely arremessar algumas pedras, fugindo logo a seguir;
         - que Guilherme, conversando com Emílio Miller, em voz alta, de maneira que ela pudesse escutar a conversa, ridicularizou o fato do apedrejamento, atribuindo, ironicamente, o acontecido à alma do pai dela, José Marques de Figueiredo;
         - que, dali, ele se dirigiu ao restaurante de João Tavares, vulgo “João Mocotó”, e lá, referindo-se ao episódio do apedrejamento, do qual ele era um dos responsáveis, disse que para a senhorita Conceição Figueiredo não reservava uma pedra e sim o facão que, naquele momento, mostrou;
         - que em sua casa, contígua ao prédio, Hossel narrou à sua mãe a brincadeira de mau gosto, em termos tais que aquela senhora, cujo nome era Alberta Hossel, foi à porta da rua para insultar as suas vizinhas;
         - que. às 23 horas, Hossel novamente insultou a família Figueiredo, ao passar em direção ao armazém, aonde iria se encontrar com o seu incomparável amigo Emílio Miller;
         - que, ao que parecia, depois da descoberta feita pela senhorita Conceição, cessara o apedrejamento da casa de sua família;
         - que a ação prejudicial de Hossel, no entanto, continuara, pois na véspera fora encontrado um bilhete de Guilherme Hossel, assinado com o pseudônimo pelo qual era conhecido, Willy, e dirigido à senhorita Conceição Figueiredo, avisando-a de que não passasse pela sapataria onde ele trabalhava, à Avenida bento Gonçalves, esquina da Rua General Osório, sob pena de ser esbofeteada;
         - que aquele bilhete fora lido por muitos vizinhos da família Figueiredo, e rasgado num acesso de raiva pelo Sr. Armando Neto, cunhado dessa senhorita.
         A senhorita Conceição Marques de Figueiredo levou à redação de um dos jornais da cidade duas enormes pedras, pesando cada uma mais ou menos dois quilos.
         Essas pedras, dizia o redator do jornal, tinham toda a aparência de pedras comuns e, pelo exame, ainda que superficial por ele feito, não pareceram serem pedras de outro mundo, pois ele quase poderia jurar que eram tijolos com restos de concreto.


         Dizia o jornalista também, não ter ele conhecimento até então de outro caso semelhante àquele, já célebre, caso ocorrido no Rio de Janeiro, cujas pedras eram comestíveis, nem tampouco outro caso sensacional, misterioso e tão complicado.
         Entendia o jornalista que tudo não passava de brincadeira de mau gosto e se o fato, bem analisado fosse, não sobraria pedra sobre pedra, caso não tivesse ele em sua mesa de trabalho as pedras, que ali ficavam à disposição do público, em cujo sapato lamentava não poder colocá-las, para intrigá-lo.
         No dia posterior ao da reportagem sobre a casa “assombrada”, o que fez aumentar, e muito, a venda avulsa do jornal, tinha o jornalista a informar aos leitores, que o prédio nº91 da Avenida Bento Gonçalves, em que residia a família Figueiredo, continuava sob o império... da bruxaria.
         Cerradas cargas de pedra haviam sido arremessadas até às duas horas da madrugada daquele dia...
         Dissemos, e aqui repetimos, que o fenômeno das casas apedrejadas, pelo menos em Pelotas, foi, e durante mais de um século fato comum e bastante expressivo. Como exemplo disso, trazemos aqui um  ocorrido no mês de fevereiro do ano de 1935, acontecimento que levou o jornalista a dizer para os seus leitores que, por vezes se verificavam coisas que embora não tivesse nada de sobrenatural, revestiam-se de tais circunstâncias, que faziam reviver em nossa imaginação velhas histórias de assombrações, tão do  agrado de certos criadores de novelas.
         Uma casa apedrejada não era um fato inédito, ao contrário, vários desses casos tinham sido verificados, todos ele, encontrando, por fim, uma explicação que nada tinha de coisa do outro mundo.
         Esses apedrejamentos eram, em geral, ocorrências noturnas.
         O caso que ele se propunha a narrar, no entanto, apresentava uma singularidade: era em plena luz do dia que as pedras “choviam”.
         Foi por isso que a reportagem do jornal, informada daquela ocorrência, dirigiu-se imediatamente ao local do mistério, procurando ouvir os habitantes e vizinhos da casa “assombrada”, o que lhes permitiu relatar que: há cerca de dois anos residia à Vila São Francisco, situada à Avenida vinte de Setembro [hoje Duque de Caxias], defronte ao cemitério, a viúva Bernardina da Silva Calaman.
         Era uma pequena casa de madeira sob nº145, onde, com a viúva moravam suas três filhas, duas já moças e uma de 4 anos, mais ou menos.
         Pouco aquém da casa de Bernardina, no nº143, morava com a família o Sr. João Rocha, empregado no cemitério.
         Tanto a família de Bernardina quanto a de João Rocha, não mantinham relações com vizinho algum.
         Uns cinco dias antes da visita dos jornalistas, até aquele momento, começara a casa da viúva a ser, dia e noite, apedrejada.
         Como era natural, o fato preocupou a vizinhança que, durante o dia acorria à casa alvejada pelas pedras, no intuito de observar de onde as pedras provinham; entretanto, nada conseguiam descobrir.
         Na presença de todos, à plena luz solar, as pedras, algumas de grande porte, continuavam a cair sobre a casa.
         No dia anterior, uma das filhas de Bernardina fora atingida por três pedras.
         O fato, porém, foi além: desde dois dias antes daquele, também a casa do Sr. João Rosa, que morava aquém da casa “assombrada”, vinha sofrendo violento apedrejamento.
         Durante a visita da reportagem, teve esta a oportunidade de ver cair na casa do Sr. João Rocha uma pedra de cerca de 10 centímetros de diâmetro.
         Em vista de ter o fato continuado e do perigo que corriam os habitantes das casas atingidas pelas pedras, especialmente as crianças, resolveram as vítimas levar o fato ao conhecimento da subprefeitura.
         Foram imediatamente tomadas providências por parte daquela repartição, que destacou alguns soldados do policiamento, para observarem o local.
         Entretanto, segundo informações levadas ao jornal pelos habitantes das casas “assombradas”, apesar da presença dos policiais, o mistério continuava...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Fantasmas, lobisomens e casas assombradas (parte 1)



Pelotas conta em sua trajetória com muitas e muitas histórias envolvendo fenômenos nem sempre explicáveis, ou, pelo menos, soluções razoáveis diante dos eventos.
         Teve por exemplo, dentre outros acontecimentos, barulhos sinistros, ranger de portas, vultos fantasmagóricos em velhos casarões ocupados pela pobreza, que os transformara em cortiços e que não cessavam nem mesmo diante da presença e vigilância das autoridades policiais.
         Grande parte desses eventos data do século XX, ainda que existam registros, pelo menos noticiados pela imprensa, em século anterior.
         Dentre os casos famosos e que despertaram a curiosidade pública, estão o do Fantasma da Luz e o Fantasma da Rua Voluntários. Na zona da Várzea, ficou célebre o do Lobisomem da Várzea, que, na verdade, eram dois e não um Lobisomem apenas.

         Tais fatos, hoje quase inexistentes, chegaram até o final da década de 50, no máximo 60. Lembro ainda, que na década de 50 ao acompanhar meu tio até os matadouros das Três Vendas, onde ele buscava produtos suínos para o seu comércio nas feiras ambulantes, durante o trajeto ele apontava algumas entradas de propriedades com grandes portões de ferro, e me dizia ser aquela, ou aquela outra, uma propriedade mal-assombrada. Mesmo assim, e sem ter visto algo que me levasse a acreditar em tais coisas, apesar de cético: Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay, lembrando Don Quijote.




         Outro fenômeno, e que sem dúvida alguma foi o que mais páginas da imprensa e maiores comentários por parte da população obteve, foi o das casas apedrejadas, sem que houvesse qualquer explicação, em sua grande maioria, para tais ocorrências.

         Nasci em uma dessas casas, cujo fenômeno durou cerca de uma semana sem que meus pais soubessem a origem da chuva de pedras, até que de repente, não mais que de repente, deixasse de chover pedras em nosso telhado.

         Um desses casos, e que causou grande repercussão na cidade, foi o ocorrido no ano de 1908, em certa casa localizada na hoje Avenida Bento Gonçalves, entre as ruas Deodoro e Osório. Os jornais da época descreveram mais ou menos assim: eis um caso, que há muito eles não registravam em suas páginas.

         Registros que por esse mundo a fora, a imprensa estava acostumada a noticiar. Desses que aos espíritos supersticiosos fazia crer em fantásticas aparições ou elucubrações satânicas, pois não era que, há algumas noites no tal prédio, onde residia Conceição Marques Figueiredo e seus irmãos José, de 10 anos, Joaquim e Jerônimo, filhos de José Marques de Figueiredo, - que fora assassinado há pouco no Prado Pelotense, em conflito com Luiz Nicolau Gronus que se encontrava preso e, na época, respondendo a processo, - vinha sendo misteriosamente apedrejado, sem que soubessem de onde partiam as pedras... mágicas.

         Houve até quem dissesse que aquilo era obra de alguma alma que andava errante pelos espaços, pagando males que havia praticado na terra.

         Outros, diziam que na casa alvejada existia um corpo enterrado, que daquela forma, agora, resolvera se comunicar.

         Outros, ainda, que o referido prédio fora, no passado, habitado por feiticeiros, que ali haviam deixado o encanto de suas mandingas e bruxarias, tornando-o, por isso, assombrado.

         Vizinhos do armazém do finado Álvaro Ely, localizado na esquina próxima a casa assombrada, por sua vez, diziam ter visto o vulto do assassinado José Marques de Figueiredo, amarrado pela cabeça, de pés para cima, jogando pedras, à meia noite, na casa em que residia.

         Acrescentavam eles que isso acontecia quando Conceição Figueiredo chamava pelo cão que possuía cujo nome era “Rompe-Ferro”.

         Quando Conceição gritava o nome do cão, como que por encanto, começava a chuva de pedras.

         Entretanto, no meio de todas aquelas conjecturas fantasmagóricas de arrepiar couro e cabelo dos supersticiosos, o fato é que os moradores vizinhos da casa apedrejada encontravam-se sobressaltados, incapazes até de pregar olho durante a noite e a fazerem o Cruz Credo para espantarem o demo, receando serem visitados pelas almas errantes que costumavam, segundo alguns ou costumam, segundo outros, se divertirem à noite, em “dar por paus e por pedras”.

         A imprensa, procurando ouvir a moradora da casa, Sra. Conceição Marques Figueiredo, vizinha do armazém do falecido Álvaro Eli, estabelecimento situado à Avenida Bento Gonçalves, esquina Marechal Deodoro.

         Disse ela ao repórter, o seguinte:

         - Que Emílio Miller, caixeiro do armazém e sócio da viúva de Álvaro, dia 19 daquele mês de março, às 15horas, espancara, em plena rua, a seu irmão José, menor de 10 anos de idade;

         - Que o motivo daquele ato de brutalidade por parte de Emílio, segundo ouvira dizer, foi o fato de José brincando, ter brigado com outro menor, irmão de Emílio;

         - Que fora ela ao armazém saber de Emílio o verdadeiro motivo de ter ele espancado José:

         - Que ali, Emílio com maus modos não somente a destratou como lhe disse que assim como batera em José, bateria nela também;

         - Que seu irmão Jerônimo Rodrigues fora também ao armazém tomar satisfações da viúva de Álvaro Ely, ao que ela respondeu que não queria conversa com bandidos ou com um simples boleeiro de carro [condutor de carroça];

         - Que se dirigiu, então, ao 3º posto, onde apresentou queixa ao tenente-coronel Cristóvão José dos Santos, delegado de polícia;

         - Que aquela autoridade mandou intimar a Emílio Miller a comparecer à sua presença, indo, porém, em seu lugar, a viúva de Álvaro Ely, que se empenhou com o delegado de polícia para que não prendesse Emílio, dizendo ser ela, viúva, ter nove filhos e que Emílio era seu sócio e o seu único amparo;

         - Que, entretanto, Emílio ia ser preso;

         - Que foi então Emílio procurar outro de seus irmãos, o Joaquim, com quem se abraçou, pedindo-lhe que o perdoasse;

         - Que Joaquim, sensibilizado, perdoou, indo pedir ao delegado de polícia que nada fizesse contra Emílio;

         - Que tudo aquilo se passara quinta-feira, 19 daquele mês e que, às 22 horas daquele mesmo dia começara o apedrejamento, sendo, porém, as pedras arremessadas à casa de uma “preta” vizinha;

         - Que no dia seguinte, sexta-feira, dia em que o diabo andava solto, o apedrejamento começara às 20 horas da noite, sendo sua casa alvejada até a meia-noite;

         - Que o bombardeio fora contínuo e horrível;

 

 

                                                                                              Continua...

        

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Osório, o profeta (parte 3 e última)




         Justamente com o material apreendido, estava em poder das autoridades uma “capciosa” lista de endereços e números de telefones, pertencentes, por certo, a clientes do “milagroso” Osório.
         Todas as pessoas relacionadas na lista estavam sujeitas a serem convidadas pela polícia a prestar declarações, que, aliás, a imprensa não tinha dúvidas, de que isso acontecesse.

Batuque?
         Dois objetos foram encontrados no “arsenal” de Osório que, perfeitamente, davam para desconfiar que ali, também, se realizavam as célebres sessões de batuque. Queriam se referir a um enorme cacete de pau descascado e a dois grandes chocalhos, inteiramente de bronze. Indagado Osório sobre os objetos suspeitos, declarou, como sempre, que faziam parte do culto.

O alívio do Osório
         Em conversa com a reportagem do Diário Popular, disse Osório que estava há muito tempo arrependido de se ter envolvido com semelhante profissão. Sentia-se “agora” muito feliz, pois não podia abandoná-la, conquanto, pelo juramento prestado, de fidelidade, ao ritmo africano, só poderia rompê-lo obrigado pela intervenção de terceiros.

O elogio à ação das autoridades
         Muito havia feito naqueles últimos tempos, em benefício da coletividade, “as nossas autoridades” policiais e, haviam dirigido pessoalmente os trabalhos, os Srs. capitães Cezar Brizolara e João Gomes Nogueira, delegado e subdelegado de polícia, respectivamente.

Osório, em liberdade
         Findas às 24 horas de detenção, prevista pela lei para o caso, foi posto em liberdade, dia 22 de abril, ao anoitecer, “o charlatão” Osório.
         Em suas declarações na delegacia de polícia, Osório disse que não mais se envolveria em semelhantes “negócios”.
         O mandingueiro seria processado, tendo já contratado para sua defesa os serviços do advogado Dr. Juliné da Costa Siqueira.

A morte de Osório
         Dia 15 de março de 1938, sob o título “De luto a macumba em Pelotas”, era dito que correra rápida a notícia, às primeiras horas da noite anterior, da morte do conhecido macumbeiro Osório Francisco Vieira.
         Fazia poucos dias que Osório enfermara e se recolhera ao hospital da Santa Casa, é o que informava o jornal.
         Desde, segundo a mesma matéria, aquela “maldita canoa policial”, do tempo do capitão Brisolara que Osório, despojado do “instrumental” de sua rendosa profissão, caíra no esquecimento e da saudade dos seus inumeráveis clientes: homens e mulheres, casados, viúvos, solteiros, desquitados, prometidos, desenganados, contrariados e tantos outros...
         Pedras de cevar, dente de javali, pé de cabra, amuletos, gonzos, colares, chifres, batuques, guizos, bengalas, pratos com legendas, frutas de cera virgem, defumadores, piras e outras esquisitices fizeram tantas cabeças dar voltas e “forrarem” o ponche do “gozado feiticeiro”.
         Encerrava-se assim, o capítulo dessa vida misteriosa e confidente de muita gente boa desta terra, sempre incauta e generosa.
         Morreu o Osório, macumbeiro!

Sobre feiticeiros e feitiçarias em Pelotas
         Dissemos no início de nossa série sobre este assunto, feitiçaria em Pelotas, que, por se tratar de assunto bastante delicado e complexo, não teceríamos comentários sobre os fatos que viemos por divulgar, até porque não nos julgamos aptos para fazê-lo. Entretanto, dada à forma como a imprensa de Pelotas o tratou, de forma parcial, manipuladora e preconceituosa, vimo-nos na obrigação de, contrariando nossa pretensão, de fazê-lo, ainda que de forma sucinta. Aqui, na medida do possível, pretendemos apontar alguns senões, por demais evidentes, que o leitor os deve ter percebido, portanto:
         Quando o jornal O Dia, em 11 de setembro de 1916, anunciava como reportagem sensacional, “Uma digressão ao mundo dos exploradores”, com a intenção de mostrar aos seus leitores como se vivia em Pelotas à custa da ingenuidade religiosa dos incautos, é evidente que não achávamos que o fosse fazer de maneira imparcial, pois, pelo menos duas palavras da afirmação do jornal serviam como sinal de alerta: exploradores e incautos.
         Considerando que a palavra exploradores antecede ao que viria a ser revelado, ela então pode ser interpretada como um pré-julgamento àqueles que professavam algum tipo de atividade religiosa, do contrário a série jornalística traria uma série de entrevistas com estes, o que não ocorreu, assim como não se preocupou a reportagem em ouvir as pessoas que procuravam aqueles locais, que a imprensa jocosamente tratou por templos ou até mesmo por antros, acrescido ainda de um total desrespeito com os objetos e imagens ali encontrados.
         Já a palavra incautos, tanto pode ser entendida como imprudentes bem como por crédulos, mas no caso em questão acreditamos que a mesma tenha sido empregada no sentido de imprudentes, descuidados e, assim sendo, servia para classificar a todos os que procuravam os templos de culto afro, como pessoas que se deixavam enganar, por ingênuas, e não religiosas ou adeptas de entidades e cultos de matriz  africana.
         A parcialidade da reportagem vai se revelando pouco a pouco até que atinge a visibilidade quando da visita ao mandingueiro Osório, “um homem branco, novo, robusto e de grande estatura”. “O Osório não era, como alguns de seus colegas, natural da África”, ora, a exceção de um dos feiticeiros visitados, nenhum outro era natural da África, o que fica subentendido que a diferença estava no Osório ser branco e, “que o Osório não era exagerado nos seus preços; mas que ele, acreditando piamente que a beberagem do Osório fosse apenas uma infusão inocente, resolvera não voltar para não perder mais tempo com o mandingueiro”. Já a beberagem dos outros visitados pelo jornalista, foi enviada para análise.
         Com o decorrer dos anos, a pressão naqueles que professavam a religião ou cultos de origem africana, não esmoreceu, tanto que em 1937, por exemplo, quando da blitz efetuada na casa da baiana Ecilda, e que resultou na apreensão de farto material, vulgarmente empregado na prática de feitiçarias, como castiçais, milho torrado, conchinhas, pedras do mar, búzios, azeite de dendê, colares de contas, baralhos da sorte e paninhos, com os quais fazia as amarrações, etc., etc., ora, castiçais, milho torrado, azeite de dendê e até mesmo baralho da sorte, em casa de uma baiana como prova de feitiçaria, somente a discriminação e o preconceito podem explicar.




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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni


segunda-feira, 3 de julho de 2017

Osório, o profeta (parte 2)

A.F. Monquelat

     
Examinaram tudo em silêncio, que foi interrompido por um dos jornalistas, quando perguntou ao Osório qual era a sua profissão, tendo como resposta, simplesmente, a seguinte frase: “A que está vendo”.
Estava, deste modo, confirmada a suspeita de que Osório praticava a feitiçaria.
Diante de tudo aquilo resolveu o Sr. delegado efetuar a prisão do “repugnante indivíduo”, ficando o templo sob as vistas da polícia.
Na delegacia, disse Osório que vivia de rendimento, pois possuía muitas propriedades e uma chácara na Guabiroba. Esta lhe produzia verduras, que eram vendidas em cestos na cidade.
Depois desta declaração do Osório, um dos jornalistas exclamou: “Valiosas verduras as que produzem a chácara do Osório! Verdadeiramente é poderoso o mandingueiro”!
Ficou sabendo a reportagem que Osório há mais de 20 anos exercia semelhante profissão, com a diferença que, em outros tempos residia em uma casa de portão, de aspecto miserável. Positivamente, muito rendosa era a profissão que escolhera para abraçar o “encantado” homem, que há tantos anos explorava a credulidade pública sem ser, entretanto, molestado por quem quer que fosse, dizia o jornalista.
Assim, na manhã do dia seguinte, o Sr. capitão subdelegado de polícia, com seus auxiliares e mais  o “poderoso” Osório, que se achava recolhido à delegacia, o fotógrafo  Robles e representantes da imprensa, rumaram para a residência do Osório, a fim de, naquele local, ultimar a diligência.
Primeiramente, foram batidas por Robles, as fotografias que o jornal estamparia, sendo, após, iniciada a retirada de todo o “material” que guarnecia do repelente recinto.
A fotografia do “templo das amarrações”, do qual já havia sido referido, não pode ser tirada por não oferecer posição ao fotógrafo.

Xangô, o milagroso ídolo
A primeira coisa que foi desalojada foi uma enorme pedra cor de chocolate, pesando, aproximadamente, 100 quilos, que Osório disse ser Xangô, o milagroso ídolo, para adoração dos fiéis. Este ídolo era “mais velho que a cidade de Pelotas, havia sido trazida do Arroio Santa Bárbara estando já em seu poder a 30 anos, quando professou a religião africana”.
Grande dificuldade encontraram os carregadores para levar o pesado ídolo para o caminhão, pois o mesmo estava untado com um ingrediente gorduroso.
Xangô estava sobre um trono.
Por todos os lados do exótico “santuário”, havia espalhado dinheiro, em moeda, em grande quantidade.
Quando estava o Sr. capitão subintendente recolhendo, em uma valise, as moedas, Osório pediu licença para tirar um dinheiro que estava sob o altar, e dali retirou um volumoso maço de notas que, contadas mais tarde, na delegacia, alcançaram a vultosa soma de 8:171$000.
As moedas eram: libras esterlinas, várias em prata do Império, outras em prata da República, 31 em prata de diversos países, várias outras, também em prata e grande quantidade de níqueis, todos os que, segundo o jornalista, tanta falta estava fazendo ao comércio.
Depois de já estar todo o material na delegacia e quando se encontravam contando o dinheiro apreendido, Osório se lembrou que ainda havia dinheiro em uma gaveta, sob o “trono”, que levado à contagem somou a quantia de 3:015$000, em moeda papel e 26$000 em moeda sonante.
Total do dinheiro apreendido: 12:137$800, valor nominal das moedas.
Juntamente com o dinheiro, foi encontrada uma caderneta do banco Nacional do Comércio com 4:901$200.

Um interessante relatório
A título de curiosidade, a imprensa divulgou uma relação dos objetos que conseguira anotar: pulseiras em forma de serpentes, santos, conchas, pedras do mar, feixes de varas de marmeleiro, cincerros guizos, 2 coroas feitas de búzio, sendo que uma delas disse Osório pertencer a São Francisco, fotografia de uma “preta mina”, em tamanho grande e corpo inteiro, vidros com perfumes, facas, facões, adagas, cachimbos, porongos, garrafas de vinho e de cerveja, castiçais, asas de boto, bengala guarnecida de búzio e guizos, maças, pêssegos, velas acesas, grande quantidade de rosários, colares e breves, pimenta da Costa, farinha amarela, vários pratos de  apetitosas guloseimas, galinha morta, penas de galinha misturadas com sangue, cuias, ovos e muitas outras coisas, que deixavam de ser relacionadas por não saberem os nomes.

Medicina criminosa
O antigo mandingueiro da Rua Conde de Porto Alegre, segundo os jornalistas, além de viver ludibriando a fé claramente boa de seus semelhantes com essas infernais bugigangas, ainda exercia a medicina ilegal, receitando remédios. Baseavam tal afirmação, embora o tivesse negado “o feiticeiro”, no fato de serem encontrados no interior do “templo”, em valise, vários vidros de drogas e, entre a correspondência, haver cartas de clientes pedindo remédios ou agradecendo a remessa destes.

Receitas para o mal
Na conversa que Osório manteve com os jornalistas, insistiu em dizer que só se ocupava com a prática do bem, trabalhando sempre para o bem estar do seu próximo. Entretanto, bem ao contrário constataram os repórteres ao examinarem os “cadernos de receitas do charlatão”. Entre as inúmeras fórmulas para a conquista de tudo imaginável, se depararam eles com uma fórmula para conseguir o mal do seu semelhante. Diante disso, Osório nada mais disse aos jornalistas.
Descoberta de outro pequeno templo
Percorrendo com mais cuidado as várias dependências da espaçosa propriedade de Osório, foi encontrado, embutido em uma das paredes do florido jardim, um pequeno “templo”, guarnecido com forte porta de ferro. 
Em seu interior, entre outras coisas, havia um porongo com dinheiro e búzios, castiçal com vela, garrafa de caninha, uma terrina com salada e outra com croquetes.
Continua...


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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni