segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A revolta dos negros Minas

parte 4 e última





         Nas cozinhas senhoriais, tanto dos palacetes quanto dos casarios, urbanos ou rurais, a preocupação das sinhazinhas era a mesma: evitar que fossem envenenadas. Tal preocupação tinha lá os seus motivos, pois, não há pouco uma família inteira fora envenenada.
         A coisa toda se passou mais ou menos assim, conforme carta enviada de Pelotas para um redator de um periódico da cidade de Rio Grande.   Segundo o remetente, dada a importância da família envolvida, a carta deveria ser divulgada nas colunas daquela folha: uma comadre do Sr. José Vieira Viana, delegado de polícia em Pelotas mandou-lhe de presente do Rio Grande um prato de camarões, que o delegado Viana mandou temperar à sua vista. Quando servido à mesa e logo após serem ingeridos, todos que deles comeram ficaram de tal maneira indispostos, que logo suporam um envenenamento.
O delegado, segundo o autor da carta, tinha a saúde demasiado débil e, em seguida lhe sobreveio uma dejecção alvina e vômitos terríveis.
A mulher do delegado Viana, que se achava em estado grave, fizera tanto esforço para vomitar que lhe saíram pela boca duas bacias de sangue. Enfim, 5 foram as pessoas da família do delegado a comerem dos “malditos camarões”, sofrendo todos de cólicas fortíssimas, acompanhadas de sintomas de envenenamento.
Dois médicos, um de nome Xavier, trataram dos doentes, que os considerou sem perigo.  
Era ainda de ser notado, segundo o missivista, o fato de que um fâmulo da família Viana ter usado a mesma vasilha para nela fazer outra comida, além do uso de outros utensílios de cozinha em que haviam servido os camarões, ficara também gravemente indisposto.
Na confusão provocada pelo incidente, ninguém teve a ideia de juntar algumas das matérias vomitadas, para que fossem submetidas a uma séria análise da natureza delas; porém, informava, isso não obstaria para que fossem empregadas as mais severas averiguações a fim de descobrir-se o autor de tão horrível atentado.
A carta encerrava informando que todos os amigos do delegado Viana, que era o mesmo que dizer toda a cidade de Pelotas, receberam com extremo pesar semelhante notícia, e davam graças a Deus por haver preservado de iminente perigo a uma família tão digna de estima de todas as pessoas honestas, e de benevolência geral.
Os viandantes ou até mesmo os tropeiros que chegavam à cidade eram vistos com desconfiança, tanto pelas autoridades quanto pela população branca, pois circulava pela cidade a informação que agentes secretos vindos do Rio da Prata estarem residindo em muitos distritos da província.
         Um tropeiro recém-chegado a Pelotas e que de lá, do Estado Oriental, viera havia dado notícia ao delegado Viana que, passando em Arroio Malo há poucos dias, ali lhe informaram que os escravos daquele município haviam se insurgido, saqueando a cidade passando para o lado dos Blancos, no sobredito Estado.
         Atendendo ao ofício enviado pelo delegado Viana no qual este pedia força policial e providências com o propósito de prender um grupo de escravos que se achavam reunidos no 2º distrito de Pelotas, mandara o tenente-coronel Serafim Ignacio dos Anjos, chefe da legião da guarda nacional, na mesma hora em que recebera o ofício, ordem para se reunirem os guardas nacionais da Costa da Serra, nos pontos de Monte Bonito e Passo do Retiro, onde amanheceram do dia 09 para 10 mais de 100 homens reunidos e bem dispostos; e que seguira, no mesmo dia, pela costa do Arroio Pelotas acima, a perguntar onde é que estava a reunião de escravos, mas que não lhe fora possível descobrir, e tampouco constava tivessem se evadido escravos das charqueadas daquela Costa, e que ali, estavam todos acautelados. Dera ele, então, as providências para que a Costa fosse patrulhada pelos moradores da mesma, ao que todos se propuseram com muita disposição.
         No distrito do Cerro da Buena, não havia movimento algum de escravos; à vista do que, fez retirar os guardas nacionais para que estes voltassem para suas casas, ficando, porém, prontos para qualquer ameaça que surgisse.
         Encerrava o ofício, dizendo estar enviando um escravo de nome João Bitencourt, apanhado no Monte Bonito Este escravo afirmava andar fugido há dois meses, e que pertencia ao grupo dos revoltosos.
         Ele, Viana, em uma de suas correspondências, dizia julgar ter sufocado o mencionado plano de insurreição, com as providências que tomara, e com os recursos da cidade: mas, a confirmarem-se aquelas suspeitas, eram esses recursos demasiado pequenos para que ficasse em segurança e tranquilidade um município em que existiam mais de 3.000 escravos, e muitos desordeiros.
         Na cadeia os açoites eram em número cada vez maiores, mas não conseguiam abafar os gritos de dor que se espalhavam pelas ruas da cidade.
         Em virtude das notícias que pela campanha se espalharam, quanto à insurreição dos escravos, o general comandante de armas Caldwel apressou sua ida de Jaguarão para Pelotas, a fim de tomar as providências que estivessem ao seu alcance, porém, quando em Pelotas e a par da situação, ficou ele convencido de que o maior barulho fora devido ao susto de que foram acometidas as autoridades policiais.
Também sobre o episódio, recebeu o redator de certo periódico rio-grandino, alguns ofícios que ele, prontamente, pôs à disposição dos leitores.
O primeiro dos ofícios divulgados pelo jornalista de Rio Grande, foi o do comandante superior interino, Sr. Thomaz José de Campos, endereçado ao sr. José Fernandes dos Santos Pereira, brigadeiro e comandante da 1ª brigada do exército e da fronteira do Chuí, no qual dizia o comandante Thomaz José de Campos, que de acordo com o ofício dirigido ao brigadeiro, pelo delegado de polícia de Pelotas, José Viana, pedindo providências  em face de haver no município de Pelotas mais de 3.000 escravos e tantos elementos de desordem pela sua posição aberta, temendo que a tentativa de insurreição referida fosse promovida por indivíduos do Estado vizinho, o Uruguai, cumpria-lhe informar que, apesar de ter estado nessa cidade e, ausente dela há 12 dias, a par agora das ocorrências e pelas ideias que já tinha a respeito, não concordava em parte com as opiniões do delegado Viana; sendo induzido a crer que as tentativas dos escravos abrangiam somente os da nação mina; e que o temor de haver aliciadores do Estado vizinho, não era bem fundado, e muito menos o da presença de elementos de desordem. Não obstante, considerava e concordava com a opinião do delegado Viana, de que o município de Pelotas reclamava uma força efetiva, segundo sua posição, a bem de policiá-lo convenientemente.
    Há quem diga que os insurgentes, se vitoriosos, e o seriam sem dúvida alguma (pois a “escravatura das xarqueadas, calejada no trabalho, endurecida na faina de matar e esfolar as boiadas, habituada a usar e destramente, a faca, o machado, os paus do serviço; vivendo em contato com os capatazes e os seus senhores, sem dúvida levaria de vencida o atrevido lance”) iriam em direção ao Rio de Janeiro e contariam com a proteção e o auxílio dos ingleses.
         Dentre outros fatos é também referido, que fora oficiado ao Dr. juiz de direito da comarca do Rio Grande, que em 14 do corrente se oficiara sobre os acontecimentos do dia 06, dos quais nenhuma informação oficial havia naquela data, e que o Presidente da província mandara por a disposição a canhoneira Caçapava.
         Deplorava o Presidente que, sendo do conhecimento das autoridades, desde princípios de janeiro, a conspiração dos negros, de tão sério acontecimento não tivessem comunicado; e, não podendo elas contar com a solução de tão grave problema, tomassem a responsabilidade dele sobre si; lamentava ainda mais que, depois de conhecido e manifestado o plano do dia 06 e, depois de superada a dificuldade, dissessem que era pouca a força simultânea de 1ª linha e de polícia, e que era necessário, além disso, armar de imediato a guarda nacional do município de Pelotas. Quanto a isso já havia ele feito de tudo o que era possível; a comarca estava armada em parte; e novas ordens expedira para continuar o armamento. E que, distando tão pouco de Pelotas à cidade do Rio Grande, podiam, em caso urgente, requisitarem mais força, inclusive à guarda nacional daquele município, que estava completamente armada.
         E assim, sem sabermos exatamente como tudo se passou, pois não conhecemos versão ampla ou contada pelo lado dos insurgentes, entendemos ser mais lógico pensarmos que a rebelião conhecida como a insurgência dos Nucas-Rapadas, não fosse a delação sofrida, vitoriosa iria em direção ao estado vizinho, a República Oriental del Uruguai, onde usufruiriam da liberdade que o império brasileiro não lhes permitia.
         E pensar que o sonho de liberdade de centenas de escravos, fossem ou não eles somente da nação Mina, deixou de se realizar por delação de três outros escravos que resolveram denunciar a conspiração por que por seus senhores sentiam grande amizade. Estes senhores sempre os trataram com cordialidade, os quais, em troca de suas insignificantes liberdades, considerado o projeto maior, não se lembraram do que aconteceria aos seus irmãos de cativeiro, que por tal infâmia foram aprisionados, açoitados e até mortos.
         Será que o negro Procópio, de nação Mina, ao qual foi dada a “liberdade de hoje para sempre”, - para que ele fosse tratar de sua vida como liberto que ficava sendo, em razão de ter seu senhor, Luiz Manoel Pinto Ribeiro, em três de março de 1848, recebido do ilustríssimo senhor José Vieira Viana, delegado de polícia desta cidade, a quantia de noventa e sete mil réis, que mandou agenciar pela alforria do dito escravo, por haver o mesmo denunciado uma insurreição que estava sendo projetada entre os negros de sua nação, aos quais denunciou e entregou àquela autoridade, que mandou prender e corrigir, pergunto novamente, será que o negro Procópio - o faria sem lembrar o que causara a seus irmãos?
         E, por verdade do expedido, e para que o dito escravo possa gozar de sua inteira liberdade, declaramos aqui hoje e para todo o sempre que:
Os cães espreitavam à entrada das charqueadas
 O barulho das correntes se ouvia fora e dentro das senzalas
As águas do Santa Bárbara corriam, lentamente, em direção ao São Gonçalo
As tias Minas, de tantos saberes, já não entoavam seus cantos
A escravidão abortara cruelmente o grito da liberdade.
                                                                                       
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

sábado, 13 de janeiro de 2018

A revolta dos negros Minas

(parte 3)







         Por mais que as autoridades tentassem esconder aquela agitação, aquele corre-corre, o prende-prende, o pega-pega daqueles que buscavam escapar em direção aos matos, ao campo, enfim, a algum lugar que lhes pusesse a salvo dos policiais, do chicote, do castigo, das torturas, da morte. Morte é, o que já acontecera a mais de uma dezena de homens envolvidos naquela afronta ao regime estabelecido: o crime de tentarem livrar-se do trabalho forçado, do açoite, dos maus tratos, da insalubridade daquilo que os senhores lhe davam como moradia, das correntes, das gargalheiras e outros tantos instrumentos que lhes causavam dores e cicatrizes quando punidos pelo crime de buscarem suas liberdades; era tarde demais, pois, já não se ouvia mais o barulho da água correndo pelo Santa Bárbara nem o canto das tias Minas, as roupas não mais iam de encontro as pedras do arroio, o medo tomara conta de tudo e de todos.
         Entre os revoltosos uma indagação: como teriam sido descobertos? Se traídos, quem os delatara? Se fora algum de seus irmãos de desgraça, em troca de quê?
         No tronco da charqueada, à beira do Arroio Pelotas, o pardo Vicente, recém-açoitado 50 vezes por ordem de seu Senhor, que suspeitara que aquele escravo soubesse de algo sobre o motim, via o seu sonho de liberdade desfeito. Sonho que começara a ser construído através das palavras do capataz, um castelhano, de voz mansa, que lhe falara de uma tal de Guerra Grande, que estava acontecendo não muito longe dali, uma guerra que envolvia vários países. E lá, um lugar entre as tropas do comandante Oribe lhe aguardava, onde, em troca de seus serviços, receberia sua liberdade. Quantas vezes se imaginou como soldado.Soldado das tropas da República Oriental do Uruguai, um país onde todos os homens eram livres.
         A morte em combate não lhe assustava.
         A morte, para Vicente, era algo que não temia. Muitas vezes pensara nela como uma forma de liberdade. Fazê-lo de maneira rápida, como se estivesse sangrando uma rês, uma facada rápida e segura, e pronto. Quem sabe agora, assim que se livrasse daquele tronco, daquele castigo, quem sabe...
         Enquanto isso, na vizinha cidade de Rio Grande, o delegado da cidade lia um ofício encaminhado pelo delegado de Pelotas, onde era dito que: 
 Ilmo. Sr. – Como o termo [subdivisão de um território ; comarca] em que V. S.ª exerce o emprego de delegado de polícia divide com em que eu exerço o mesmo emprego, julgo conveniente comunicar-lhe que, desde princípios do mês de janeiro último tive suspeitas e denúncias de que havia um plano entre os negros minas desta cidade, das charqueadas e olarias e de suas imediações, para uma insurreição, a qual, pela última e mais bem fundada das ditas denúncias, deveria acontecer no último domingo, 06 do corrente mês; em consequência, tomei desde o início as medidas de prevenção que julguei necessárias: no sábado, véspera da insurreição, dei as mais terminantes providências para evitar a projetada, que seria de terríveis resultados, se não a houvesse sufocado a tempo.
Têm sido presos perto de 50 escravos, todos de nação mina, que estão sendo castigados, entre os quais há somente um forro, que está igualmente preso, mas sem processo, por não ter denunciado o que depois confessou saber.
Das indagações que tenho feito pessoalmente, e de outras que tenho mandado apurar, está exuberantemente provado o plano de insurreição, que era nada menos do que matar brancos, ficarem forros e fugirem para o estado vizinho [território uruguaio].
Por ora, não há certeza em confissão de ter participado no referido plano pessoa nacional ou estrangeira, nem tampouco notícia de que ele se estendesse para além deste município; contudo, V. S.ª com a perspicácia e zelo que lhe são próprios, e que tantas vezes tem empregado a bem da tranqüilidade pública, tomará as medidas necessárias para que o contágio não se espalhe.
Nos apuros em que me vi, valeu-me a presença do sr. major Pecegueiro, com a tropa de seu comando, e a atividade do sr. comandante de  polícia que, com os seus soldados fizeram todas as prisões e desempenharam as minhas ordens; só tenho a lamentar a escassez destes recursos, para impor respeito em um município de mais de 3.000 escravos e onde, diariamente, entra grande quantidade de peões e gente de todos os pontos da campanha. Deus guarde a V. S.ª/ Pelotas, 09 de fevereiro de 1848.
Próximo à cancha, uma matilha aguardava esperançosa que lhes jogassem as vísceras ou até mesmo alguns ossos das reses, que seguiam sendo abatidas na charqueada do Sr. Chaves.
    Ao centro da cancha, pelo trilho de ferro, uma zorra conduzia os ossos e gorduras à graxeira, empurrada pelo negro Malaquias, de nação mina, 40 anos de idade, estatura baixa, e que conhecia muito bem o país vizinho, levado que fora pelos Chaves e que, com a prisão de seus companheiros naquela insurreição, via frustradas suas aspirações de voltar a ver o Cerro, em Montevidéu.
    Se, de um lado, os negros envolvidos ou não na conspiração dos negros minas de nucas rapadas debandaram aterrorizados, principalmente em direção à Serra dos Tapes, o pânico dos brancos, por outro lado, parece não ter sido menor, pois: na noite de 08 para 09 de fevereiro, na charqueada de Joaquim Faria Corrêa, subdelegado de polícia de Pelotas, o respectivo capataz, que havia proibido jogos no estabelecimento, às duas horas da madrugada, decidiu, de maneira inesperada, fazer uma ronda, que acabou surpreendendo em certo canto da propriedade alguns escravos jogando. Quando estes escravos pressentiram a inesperada chegada do capataz, imediatamente puseram-se em fuga, ficando apenas dois dos que ali estavam, os quais investiram, armados de faca, contra o capataz. Este, em defesa, disparou-lhes dois tiros. Um dos escravos morreu na hora, e o outro ficou estendido, mortalmente ferido.
Circulava também na cidade as notícias que, devido aos açoites aplicados nos envolvidos, dez deles já haviam morrido e que alguns charqueadores estavam se recusando a entregar seus escravos às autoridades, que os havia requisitado.
A polícia destacada pelo delegado Viana para retirar os negros, diziam ainda, como forma de cumprir as ordens, diante da recusa dos senhores cercou uma das charqueadas, da qual retirou cerca de 14 escravos.


                                                                               Continua...
  
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Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

sábado, 6 de janeiro de 2018

A revolta dos negros Minas

(parte 2)


  A.F.Monquelat 




                     
Na manhã de sábado, véspera da projetada insurreição, algumas lavadeiras, no arroio Santa Bárbara, alheias às ações do delegado Viana, trabalhando e cantando, diziam entre si:
-Hoje lavamos para os brancos, e não tarda que os brancos lavem pra nós.
Já haviam sido presos, logo após as ações do Sr. Delegado de polícia, uns 60 ou 80 escravos. Dentre esses, dois sabiam mais a fundo sobre o plano do levante, e conheciam certo lugar onde se achava depositado – ou escondido – algum armamento de que se haviam premunido.
 Porém, não tinham eles, até então, feito confissão alguma satisfatória, apesar da violência sofrida, e estavam incomunicáveis na cadeia.
Escondidos em um celeiro, próximo a Pelotas, ainda não tinham sido descobertos 200 mosquetes, semelhante número de carabinas, espadas e pistolas, com uma grande quantidade de munição, que seriam utilizados para o levante que, mais ou menos 1.500 escravos, já iniciados e preparados, estavam de sobreaviso desde o mês de janeiro daquele ano, e prontos para agirem no primeiro aviso.
Seria, segundo fontes diplomáticas inglesas, uma reencenação de São Domingos, ou pelo menos o maior levante de escravos que a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, teria notícia.
Somado a isso, ganhava corpo o boato de que todo o plano fora arquitetado e manipulado por alguns partidários de Manuel Oribe, que se achavam disseminados por Pelotas.
Dizia-se também, que o Sr. delegado Viana já mantinha prisioneiro na cadeia de Pelotas um tenente-coronel de Juan Manuel de Rosas, segundo outros, esse mesmo tenente-coronel no exército de Oribe,quando a conjura foi descoberta, fugira  para a cidade fronteiriça de Bagé, estando já a polícia ativamente engajada em sua captura; por outro lado, outros dois espanhóis do Rio da Prata, estavam presos na cadeia da cidade, além do coronel residente em Pelotas e um nativo de Buenos Aires, que eram  destacadamente suspeitos de envolvimento com aquela conjura.
Pela Rua São Domingos era avistado duas ou mais carruagens cujos cocheiros, sob o estalar do chicote, apuravam seus cavalos, pois, não muito longe dali, no cais, já estava atracada a barca a vapor, no aguardo dos passageiros.
No meio de todo aquele alarido, pois a notícia de um possível levante de escravos já corria de boca em boca pela cidade, não deixaria de zarpar do porto a barca Brasileira, cujo destino era a cidade vizinha, Rio Grande.
As pessoas que se diziam bem informadas, e que estavam a bordo da barca, fizeram daquela notícia o motivo de suas conversas durante todo o percurso. E, ao desembarcarem em Rio Grande, asseguraram que tal imputação ou desconfiança não tinha fundamento algum de exatidão, acrescentando ainda que todos os negros de nuca rapada que fossem vistos pela cidade de Pelotas eram imediatamente capturados pela polícia.
Os negros de nuca raspada que não foram apreendidos pela polícia, estavam sendo chicoteados e torturados pelos senhores, até a confissão dos nomes de seus companheiros envolvidos na conspiração.
    Alguns dos chefes mais envolvidos naquela insurgência eram negros livres ou da Nação Mina e, ainda segundo fontes da diplomacia inglesa na província, a mão mestra que vinha guiando e encorajando aquele levante, há algum tempo, empregando os capatazes, na sua maioria espanhóis, das diferentes charqueadas, para aliciar os escravos, prometendo-lhes que seriam levados para a Banda Oriental, onde a liberdade os esperava nas fileiras do exército do general Oribe.
Dois dias depois do desembarque, a vizinha cidade de Rio Grande permanecia sem novidades outras se não aquelas levadas pelos passageiros da Brasileira.  Quando então um respeitável cidadão rio-grandino deu a conhecer um trecho da carta recebida de Pelotas, enviada por um amigo, onde a certa altura lia-se o seguinte: “Temos por aqui estado incomodados com a insurreição dos negros, dos quais já estão presos mais de 100. Ao que parece, eles se propunham a evadir-se de seus senhores e, segundo dizem, irem em direção ao estado vizinho Uruguai. Ontem oito de fevereiro de mil oitocentos e quarenta e oito,começaram a castigá-los com a intenção de descobrirem o plano de insurreição e evasão, mas nada se tem conseguido saber.
Parece que todos os implicados na insurreição tinham, por sinal, rapada uma parte da cabeça à maneira dos frades.
Veja vosmecê em que condições não deveria de estar todo este povo se fosse a noite que acontecesse a rebelião, e que consequências não se seguiriam!
Felizmente tudo foi descoberto por denúncia de um negro, que nos livrou desse garrote.
    Naquele mesmo dia, em Pelotas, correu a notícia, por denúncia, de que havia na Serra dos Tapes em torno de 200 negros, os quais supunham terem para lá fugido, em consequência de saberem do fracasso do plano de insurreição, ou aterrorizados pelos castigos que estavam aplicando aos insurretos, que já estavam presos.
O delegado Viana, na impossibilidade de dispor de qualquer força de cavalaria, oficiou imediatamente à autoridade competente e logo rumou à Serra dos Tapes.
Ainda no mesmo dia, às três horas da tarde, o tenente-coronel da guarda nacional de cavalaria, Serafim Ignacio dos Anjos, com uns 40 ou 60 cidadãos a cavalo, se reuniram para fazerem o que consideraram ser  um importante serviço, visto que ainda não estava nem organizada ou fardada a guarda nacional naquele período.
Até a saída da barca do dia dez, com destino a Rio Grande, e que poderia levar novidades sobre a expedição à Serra dos Tapes, não sabiam do resultado da incursão que partira de Pelotas no encalço dos fugitivos.

                                                                                         Continua...


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Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni