quarta-feira, 26 de junho de 2019

A Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte II

A Primeira Guerra Mundial em Pelotas

Parte II – Imigração Alemã


A. F. Monquelat

Jonas Tenfen


Militares da Província de São Pedro, Herrmann Wendroth, 1852

           A expressão “imigração alemã”, em se tratando dos fluxos migratórios ocorridos para e no Brasil durante os séculos XIX e XX, se refere a um conjunto de acontecimentos multifacetados, mais ou menos próximos entre si, que a historiografia e estudos contemporâneos estão mostrando melhor a sua complexidade. Diversos grupos, de aproximação étnica, geográfica ou cultural, foram identificados sob o nome de “alemães”, principalmente quando destinados a colonizar as terras do Brasil. Em Pelotas, iremos encontrar dados de migrantes para além daqueles que vieram sob a égide de companhias colonizadoras, o que será mais raro em regiões de serra, por exemplo, e o que causará algumas dificuldades para organizar cronologias estáveis sobre o tema. Ainda usaremos, mesmo conscientes da limitação, o termo “alemão” para diversos grupos que para cá migraram, pois é termo gregário e se refere aos usos frequentes da mídia impressa à época estudada.
           A imigração alemã para Pelotas pode ser entendida em três períodos, reitera-se a facilidade de encontrar exceções por se tratar de uma cidade – e região – com grande fluxo de bens e serviços, bem como servida de zona portuária. O primeiro dos períodos é ao redor das charqueadas, onde comerciantes e industriais montaram estabelecimentos para ou abastecer o mercado com víveres ou para aproveitar matéria-prima até então tratada como descarte pelas estâncias produtoras de charque. Citamos, como exemplo, o empreendimento de Luiz Eggers: a Fábrica de Velas e Colas, fundada em 1841. A professora Maria A. P da Fonseca indica que Avé-Lallemant, em viagem por Pelotas em 1858, fez descrição da fábrica:

Bem perto da margem do pequeno e navegável Pelotas, foi construído um espaçoso e apropriado edifício, de acordo com um plano inteligente, dotado com uma cuidadosa escolha de aparelhos a vapor, como caldeiras para fundir, máquinas de cortar e provido de trilhos à margem do rio, de modo que os produtos do hábil fabricante podem ser exportados diretamente em embarcações próprias [...]

           Podemos facilmente entender as vantagens competitivas que Luiz Eggers possuía na época: produzia um produto de alta demanda – lembrando que não havia iluminação à energia elétrica e que alternativas à vela eram querosene é óleos, como o de baleia -, matéria-prima a baixo custo e maquinário a vapor que permitia produzir mais que fábricas artesanais de vela.
         O segundo dos períodos está relacionado diretamente com os Brummer. Eram estes mercenários contratados a soldo pelo governo brasileiro para lutar na Guerra contra Oribe e Rosas, e, em 1851, eram um contingente de cerca de 1.800 indivíduos. A alcunha brummer diz respeito ou ao hábito deles resmungarem muito sobre as condições da vida militar ou sobre o dialeto que utilizavam entre si. Muitos destes eram indivíduos com formação técnica e elevado nível de estudo para a época, decorrência da necessidade de capacitação para tratar com artilharia: costuma-se indicar que estes mercenários foram equipados com fuzis dreyse, “a primeira arma realmente moderna (usando como padrão o vindouro século XX) a ser adotada pelo Exército Brasileiro”.


       Os Brummer se dispersaram muito rapidamente. O contingente inicial contratado entrou em conflito durante a viagem de vinda ao Brasil, iniciando suas atividades neste país com deserções. Ao fim dos conflitos, poucos retornaram às origens, sendo absorvidos como mão-de-obra para diversas atividades no sul do Brasil, muitos tendo sido assentados como colonos, também. Carlos von Koseritz foi o brummer que, sem dúvida, alcançou mais renome pelas atividades que exerceu em solo brasileiro: fundou escolas, trabalhou em jornais, escritor prolífico, organizou a Exposição Brasileira-Alemã, de 1881, e entrevistou Don Pedro II, mencionando apenas alguns dos feitos em uma vida bastante movimentada. Além de Koseritz, citamos também Wilhelm Ter Brüggen, Hermann Rudolf Wendroth, Carlos Jansen, Viktor von Gilsa.
           O terceiro dos períodos está relacionado à colonização da serra dos Tapes. Como observado até então, e como irá se reafirmar nessa campanha colonizadora, os esforços da vinda de alemães a Pelotas foram em sua maioria por via de iniciativa privada. Em sociedade com José Antônio de Oliveira Guimarães, o comerciante e empreendedor Jacob Rheingantz fundou a Colônia São Lourenço. Alguns meandros burocráticos foram vencidos pelos dois sócios, afinal, mesmo privada, era necessária autorização do governo para construir uma colônia. A chegada de cerca de 90 pessoas em 18 de janeiro de 1858 marca o início deste terceiro fluxo migratório a Pelotas.
           Rheingantz administrava a colônia de dentro, pois residia ali com a família. Mesmo essa proximidade não impediu rebelião dos moradores, o que também acontecera na colônia Santo Ângelo. Esses dois levantes foram pacificados em 1867 pelo Barão von Kahlden, um brummer de relevo que não fora mencionado na lista acima. Rheingantz, reintroduzido à administração da colônia, possuía planos de expansão, o que motivou outra viagem à Europa em 1877, onde, acometido de mal súbito, faleceu. A abertura da estrada do Monte Bonito, ligando Pelotas a Serra dos Tapes, permitirá o assentamento de comerciantes alemães, frequentemente ex-colonos, moldando o bairro Três Vendas.
           Apresentados estes três períodos, observemos agora um caráter frequente dos migrantes alemães à região: o caráter gregário. Não se nega, de forma alguma, as rusgas e brigas que eram frequentes, vide os brummer e as revoltas nas colônias do parágrafo anterior. Contudo, a frequência do caráter gregário foi maior que as contendas e se mostra além das reuniões religiosas. Várias agremiações, por assim dizer, surgiram criadas e mantidas por imigrantes para imigrantes. Desde a Associação Auxiliadora de Colonização, até clubes de caça e tiro, escolas diversas, jornais; além de empreendimentos industriais e as vendas que também permitiam convívio e esboço da ideia de grupo.


           Isto explica notícia do Jornal do Commercio, em novembro de1880, sobre distribuição do primeiro número da Deutsche Presse, uma “folha consagrada à defesa dos interesses dos alemães residentes nesta cidade”. O jornal foi de propriedade de Julius Kurtius, que fora proprietário do jornal Der Bote, de São Leopoldo, e trabalhara no Jornal do Commercio, agora lançava empresa própria em Pelotas. Ideia era de publicar o Deutsche Presse às quartas e aos sábados, porém temos a confirmação da publicação do primeiro número em um domingo.
           Isto explica também o convite feito, também no Jornal do Commercio em novembro de 1880, um pequeno retângulo em língua alemã cercado pela língua portuguesa: “Associação Alemã de Canto e Ginástica / Domingo, 14 de novembro, pela manhã, às 8 horas / Assembleia Geral Extraordinária no salão de canto / Agenda: apresentação das regras de sucessão e aditamento aos estatutos.”

continua...

Imagens: Acervo Biblioteca Pública, domínio público
Referência: artigo “Presença alemã em Pelotas-RS”, de Maria A. P. da Fonseca; sobre o fuzil Dreyser, as informações estão disponíveis no blog Armas Brasil (http://www.armasbrasil.com/SecXIX/Exercito_profissional/dreyse.htm); livro “A colônia de São Lourenço de seu fundador”, de Vivaldo Coaracy; “Dicionário da história de Pelotas”, vários autores e disponível on-line. Para saber mais sobre a atuação dos Brummer nos conflitos na Guerra contra Oribe e Rosas, recomenda-se a leitura do número 85 da revista “O Tuiuti”, disponível on-line.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

A Primeira Guerra Mundial em Pelotas: Parte I - Notas iniciais

A Primeira Guerra Mundial em Pelotas
Parte I – Notas iniciais


A. F. Monquelat
Jonas Tenfen
Kaiser Guilherme II

          No palco dos impérios, antes do fim da segunda década de um século que acabara de iniciar, ocorreu a “guerra para acabar com todas as guerras”. Como os acontecimentos futuros iriam demostrar, essa alcunha daria lugar para o nome atual dos eventos, deixando uma esperança de pacifismo perene para dar lugar a uma contagem megalomaníaca e terrificante: Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918.
          Ano passado, houve uma série de eventos para rememorar os cem anos do fim dos conflitos; há clássicos tratando do assunto como filmes e livros (o romance “Nada de Novo no Fronte”, de Erich Maria Remarque, por exemplo), bem como mídias mais contemporâneas (videogames e canais no youtube); estuda-se, em bancos escolares, os eventos da Segunda como necessariamente originados na Primeira. Apesar disto, pouco carregamos na memória sobre os eventos, exceto o assassinato de Francisco Ferdinando, as guerras de trincheira e os circos voadores.
          Embora haja acesso a diversificado conteúdo, o afastamento temporal e geográfico faz com que esta seja uma temática pouco presente na nossa memória, ao ponto de esquecermos, ou mesmo desconhecermos, a participação brasileira no conflito. A saber, a participação militar do Brasil foi através de alguns pilotos de avião que integraram a Royal Air Force, seis navios (a Divisão Naval de Operações Guerra, ou DNOG), grupo de médicos e enfermeiros foi enviado para montar hospital em Paris com intuito de auxiliar no combate à gripe espanhola, e oficiais que integraram o exército francês.
          Maior destaque teve DNOG. Primeiramente, por reunir o maior grupo de indivíduos e equipamentos, depois pelos percalços que enfrentou. Enviada para patrulhar a costa da África, bombardeou um grupo de animais marinheiros com a impressão de serem submarinos alemães. O maior inimigo, porém, fora a gripe espanhola: um surto dessa doença matou quase uma centena dos tripulantes. Com algum exagero, atribui-se ao retorno da DNOG para o Brasil como a causa da epidemia de gripe espanhola que assolou o país.
          Nas palavras de João Daniel L. de Almeida: “Foi uma participação limitada, mas não irrelevante.” As maiores conquistas do envolvimento militar brasileiro foram no campo da diplomacia, pois permitiram que o Brasil integrasse a Liga das Nações como membro fundador. A comitiva brasileira da conferência de Paris (1919) foi chefiada por Epitácio Pessoa que depois seria eleito presidente do Brasil. O intuito brasileiro era de que as vitórias fossem brindadas com café, se possível a um preço mais elevado do que se praticava ao grão à época.

Venceslau Brás 

          Antes do fim, o começo. A participação brasileira só fora possível após a declaração de guerra. Durante maior parte dos conflitos, o Brasil se manteve neutro, bastante interessado em fazer comércio com maior número de países possível. Esta posição política se desgastou por pressões internas e por ataques de submarinos alemães a navios mercantes brasileiros (em especial, o vapor Paraná que estava carregado de café). No decreto n° 3.361, o presidente Venceslau Brás pôs fim a neutralidade brasileira com os seguintes termos: 
“Artigo único: Fica reconhecido e proclamado o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil e autorizado o Presidente da República a adotar as providencias constantes da mensagem de 25 de outubro corrente e tomar todas as medidas de defesa, nacional e segurança pública que julgar necessárias, abrindo os créditos precisos ou realizando as operações do crédito que forem convenientes para esse fim; revogadas as disposições em contrário.”
          Dois inimigos a serem combatidos aqui. O primeiro deles era o kaiser Guilherme II, pois, como mostra o texto do decreto, depois de iniciar guerra na Europa resolveu comprar briga com o Brasil. O segundo - mais sútil - era quem ameaçasse a segurança pública. Logo após o fim da Guerra do Contestado (1912 a 1916), Venceslau Brás enfrentou aquela que é tida como a primeira greve brasileira: a Greve Geral de 1917. Havia muito mais inimigos internos do que externos.
          O convite à guerra, já endereçado aos brasileiros em diversas campanhas jornalísticas, fora aceito. As batalhas disponíveis eram contra os alemães e descendentes que viviam no Brasil: onde antes havia animosidades pela proximidade do cotidiano e pelo afastamento da língua, passou haver passeatas, apreensões, saques. Estas ações se concentraram principalmente em dois estados, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e, neste, encontramos vários casos na cidade de Pelotas.
          É este o tema da série que se inicia: uma coleta da internalização da Primeira Guerra Mundial tendo Pelotas como palco. Usaremos como fonte primária, principalmente, os jornais publicados na cidade à época. Um passeio às claras sobre eventos que aconteciam às escondidas, mostrando como o verniz de cordialidade resiste muito pouco a mais leve intempérie.
          Buscaremos responder a uma pergunta antiga: Foi o assédio do Kaiser à Princesa real ou não?

Continua...

____________________________________________________
Imagens: Domínio Público
Referência: Manual do Candidato: História do Brasil, de João Daniel Lima de Almeida (Brasília: Funag, 2013).

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas (parte 2)

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas
(parte 2)


A.F. Monquelat
Jonas Tenfen


Antes de nos atermos a descrever a fábrica do Sr. Ritter, gostaríamos, ainda que de forma sucinta, trazer algumas informações sobre a famosa Exposição Brasileira-Alemã ocorrida em Porto Alegre entre os anos de 1881/1882, inclusive sobre o incêndio ali ocorrido.
Aos 23 de setembro de 1881, lia-se, no Diário de Pelotas, que a indústria pelotense seria dignamente representada pelos Srs. Jacob Klaes, Ruiz Dias & Irmão, Cincinato Soveral, Eduardo da Silva Carvalho, Carlos Ritter, João Guilhermet Schreiber, F. C. Lang, Gustavo Hugo Elst e vários outros que enviaram seus produtos para participarem da Exposição Brasileira-Alemã.
Os Srs. Carlos Ritter, João Guilhermet, Schreiber & Filho e Ernesto Eifler mandavam também diversas qualidades de cerveja fabricadas em seus estabelecimentos. A cidade de Pelotas, naquela época, contava com 5 fábricas de cerveja.
Além dos citados, outros industriais da cidade participariam, honrando dessa forma a indústria pelotense e tornando-a ainda mais conhecida, no entender do redator da notícia.
Informa a imprensa de Porto Alegre que constava do Catálogo da Exposição Brasileira-Alemã - catálogo este impresso pela Typographia do Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, e traduzido para o idioma alemão pelo jornal Deutsche Post ,de São Leopoldo -, mais de 11.000 objetos expostos.
Dentre outros tantos trabalhos expostos que chamaram a atenção do júri e do redator da Gazeta de Porto Alegre, destaque obteve os dois grandes quadros, representando as armas brasileiras e alemãs, feitos de borboletas e coleópteros, dos quais se via um sobre a mesa, que o jornalista acabara de examinar, e outro na posição “correspondente ao outro lado da praça d’armas”.
Esses trabalhos do Sr. Carlos Ritter, de Pelotas, prosseguia o jornalista, eram ao mesmo tempo obras de arte e subsídios à ciência, e, como tais, dignos de especial distinção.
Em tal ramo, ele jamais vira coisa melhor, e o Sr. Ritter podia orgulhar-se com razão da distinção que obtivera em comparação com outros idênticos trabalhos, também de primeira ordem.

A medalha de ouro do Sr. Carlos Ritter na Exposição

Aos 20 dias do mês de janeiro de 1882, o jornal Gazeta de Porto Alegre noticiava que, no dia anterior, o júri terminara os trabalhos de julgamento dos objetos que compunham a secção científica.
Na secção brasileira, foram premiadas, com medalha de ouro, as coleções de borboletas e coleópteros do Sr. Carlos Ritter (Pelotas), as coleções de pássaros do Sr. Schaun (São Lourenço), do qual falaremos posteriormente, as coleções do Sr. João Schroeder e a coleção etnológica que se achava exposta.

Os distúrbios e o incêndio do prédio da Exposição

Em virtude das desordens e distúrbios ocorridos no dia anterior (09.02.1882) no recinto da Exposição, por ocasião da distribuição de prêmios, com prejuízo da propriedade alheia, que ainda se encontrava no prédio, requereu a diretoria da Sociedade Filial de Geografia Comercial ao Presidente da Província a nomeação de uma comissão especial, encarregada de dar o seu parecer sobre a premiação, suspendendo a entrega dos mesmos até que tenha sido dado e publicado o parecer da respectiva comissão, segundo notícia divulgada na imprensa de Porto Alegre. 
À noite do dia posterior ao dos distúrbios e desordens, ardeu o prédio onde até então estava instalada a Exposição Brasileira-Alemã.
Desde a manhã do dia 23 de fevereiro, havia ajuntamento de pessoas.

Em vista dos distúrbios promovidos no dia anterior, por causa dos prêmios de pequeno valor, que no sorteio preencheram o lugar dos bilhetes em branco na loteria, resolvera o diretório da Sociedade Filial pedir ao Exmo. Sr. Presidente da província, a nomeação de uma comissão de sindicância, para dar parecer sobre o valor dos prêmios e a moralidade do sorteio além de suspender a entrega destes até a divulgação pública do julgamento da comissão.
O Sr. Dr. Joaquim Pedro Soares nomeou, imediatamente, uma comissão composta dos Srs. Lavra Pinto, Júlio Furtado e Joaquim Carvalho Bastos, sendo o fato comunicado aos portadores de bilhetes, através de um aviso por escrito, colado na porta do prédio, destacando o governo da província um guarda ao mesmo prédio.
Às 17 horas, começaram a juntar-se muitas pessoas e, dando-se as manifestações costumeiras em tais momentos, tentaram demolir o prédio, quebrando todas as janelas. Por volta das 20 horas, mais ou menos, rompeu o fogo. Dentro de uma hora estava o palácio da Exposição reduzido a cinzas com tudo quanto havia dentro em mercadoria estrangeiras e objetos da secção brasileira, prêmios da rifa, livros, papéis, diplomas, etc.
A perda em objetos foi de inestimável valor não somente para os seus proprietários, mas, em especial, para as ciências.

A fábrica de Carlos

No primeiro subterrâneo, estavam estabelecidos dois enormes fornos caldeiras, de cobre, que serviam para aquecer a água, cerveja, etc., cada um com capacidade para cinco mil e duzentas garrafas.
No centro, havia uma enorme tina de madeira destinada à infusão da cevada.
Ao lado, uma bomba aspirante, movida a braço, que conduzia a cerveja do tanque para o resfriadouro, que estava colocado no alto do prédio.
Por uma escada caracol, subia-se para o primeiro andar e ali via-se um bom moinho, fabricado por Kleyer & Beck de Darmstadt, Alemanha, destinado a moer a cevada, e outro da marca Penney & C., de Lincoln, estados Unidos, para a seleção deste cereal, em seguida estava o depósito de cevada, e que servia também de carpintaria para o serviço do prédio.
Voltando à escada, subia-se ao 2º andar, onde se via um enorme tanque de zinco destinado ao resfriamento da cerveja, podendo comportar de doze à treze mil garrafas.

Continua...


_______________________________________________________________________________
Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Postagem: Jonas Tenfen

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas
(parte 1)


A. F. Monquelat
Jonas Tenfen

         

         Os alemães e, por vezes, seus descendentes estiveram desde cedo bastante presentes na vida, tanto rural quanto urbana, da cidade de Pelotas. São eles os responsáveis pelo desenvolvimento da indústria do Rio Grande do Sul, em especial através das cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas.
         A província do Rio Grande do Sul deve, em grande parte, seu desenvolvimento industrial à nacionalidade alemã ou teuto-brasileira. No segundo momento da sua imigração ao território mencionado, deram início ao processo de modernização que, até então, além da primitiva e rudimentar indústria do charque vivia apenas da agricultura e pecuária.
         Na década de 80 do século XIX, Porto Alegre se encontrava entre as cidades mais industriais da América do Sul, e, salvo não muitas exceções, quase todas as indústrias existentes na província do Rio Grande do Sul se deram por iniciativa dos imigrantes alemães, ou por seus descendentes, prova da forte influência exercida por esta imigração sobre a indústria das regiões onde ela concentrou.
         A província do Rio Grande do Sul, segundo dados obtidos sobre as décadas de 70 e 80 do século XIX, produzia poucos produtos.
         A exportação para fora do país se limitava a um milhão de couros secos e salgados, duzentas mil arrobas de fumo e um pouco de erva mate, cuja fabricação se desenvolvia consideravelmente. Se a estas mercadorias agregássemos alguns carregamentos de guano artificial, chifres de boi, cola e crina, algumas centenas de barricas de pedra ágata, línguas em conserva e um pouco de seda, teríamos todos os produtos que compunham a exportação da província para o exterior.
         Em compensação, e constituindo-se a agricultura na principal riqueza da província do Rio Grande do Sul, esse setor da produção fornecia além da graxa e do charque, o feijão, a farinha e o milho para a maior parte das províncias do império. Fato possível e incrementado a partir da chegada dos 12.000 colonos alemães recebidos no Rio grande do Sul desde as primeiras décadas do século XIX.
         No sul da província, podemos destacar na cidade de Rio Grande, sem nos determos em descrevê-la ou acrescentarmos maiores detalhes, a importante fábrica dos Srs. Rheingantz & C., única do Império no seu gênero.

O Rei (e deus) Gambrinus
        
      Em Pelotas, além de várias outras, podemos citar a fábrica de guano artificial e outros produtos do gado vacum, de propriedade do Sr. Gustavo Hugo Elst, industrial alemão, situada na Costa - Arroio Pelotas -, no centro das charqueadas, ali instaladas por volta do ano de 1876.
         É ainda necessário salientar e destacar as fábricas dos Srs. Lang e a do Sr. Carlos Ritter. É deste último que trataremos neste trabalho.
         O Sr. Carlos Frederico Jacob Ritter, oriundo da cidade de São Leopoldo, provavelmente tenha se instalado, segundo o historiador Alberto Coelho da Cunha, em1870 em Pelotas, onde, neste mesmo ano fundou uma cervejaria, em modestíssimas instalações à  Rua 24 de Outubro [atual Rua Tiradentes] sobre a margem esquerda do Arroio Santa Bárbara, em um casebre situado no interior de um terreno de propriedade do Sr. Procópio Gomes de Oliveira.
         Segundo palavras do próprio Sr. Carlos Ritter, a cervejaria por ele fundada teve o início de seu funcionamento no ano de 1872 e ali permaneceu até o ano de 1879/1880, quando então se transferiu para a Rua São Jerônimo [atual Marechal Floriano], esquina Rua Marquês de Caxias [atual Santos Dumont], em um bonito prédio construído especialmente para tal fim, com a denominação de Fábrica de cerveja Ritter.
         Era seu proprietário o industrial Sr. Carlos Ritter, teuto-brasileiro, estabelecido em Pelotas há doze anos, conforme nos informa o jornal Diário de Pelotas no ano de 1883.
         Antes de conhecermos as instalações da Cervejaria Ritter daquele período, é preciso dizer que apesar da exaustiva pesquisa nos jornais sobre a possível inauguração da indústria cervejeira, não foi possível localizar notícia alguma sobre tal fato.
         O registro mais antigo encontrado foi o anúncio, que aqui vai a título de ilustração, publicado no Jornal do Commercio em 4 de julho de 1880.

         
         Ao entrar na cervejaria, deparava-se com uma pequena sala contendo cinco mesas de tampo de mármore, rodeadas de cadeiras.
Ao fundo, uma copa onde um empregado esperava as solicitações dos frequentadores da fábrica para atender aos seus pedidos.
      Ao centro da parede da direita, havia um enorme quadro representando Gambrinus, patrono não oficial da cerveja, e duas medalhas obtidas na Exposição Brasileira-Alemã de 1881, em Porto Alegre, exposição esta que premiou vários outros industriais alemães e teuto-brasileiros de Pelotas.
         Daquela sala, passava-se para um enorme salão onde, em treze mesas também podiam os frequentadores do estabelecimento saborear seus “deliciosos e bem fabricados” produtos e apreciarem três magníficos quadros de história natural resultado da paciência e apurado gosto artístico do Sr. Carlos Ritter.
         Um dos quadros representava, feito de insetos, as armas brasileiras, outro as armas alemãs; e o terceiro, para o jornalista o de maior beleza e arte, representava o prédio da fábrica de cerveja.
Sobre uma pequena mesa existia um armário onde, artisticamente colocado, se encontravam diversos animais empalhados.
         Por aqueles trabalhos sobre história natural, o Sr. Ritter obteve uma das medalhas na Exposição de Porto Alegre, a medalha de ouro. Infelizmente, os quadros que mereceram tal distinção foram consumidos pelas chamas que reduziram a cinzas o edifício onde se realizara a exposição.
        Pelas paredes daquele salão, viam-se também diversos animais perfeitamente empalhados. No centro, existiam duas ótimas mesas de bilhar.
         Dali passava-se para um pátio que comunicava com a fábrica e servia de passagem para o jardim.
Continua...


_______________________________________________________________________________
Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Postagem: Jonas Tenfen