sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A revolta dos negros Minas

 (parte 1)


         A.F. Monquelat




         A Província de São Pedro depois da malograda tentativa de alguns fazendeiros, comerciantes e charqueadores de tentarem impor seus interesses pessoais ao império brasileiro, através de um movimento de sedição que com o tempo passou a ser conhecido como Revolução Farroupilha, recém retomara suas atividades.
         A todos os sediciosos, exceto Neto que se retirou da Província, foram concedidos benefícios, cargos ou patentes militares.
         Aos negros sobreviventes, escravos no império escravocrata brasileiro, restava o retorno ao desumano trabalho que os Senhores da Carne lhes impunham.
         Ao sul do sul da Província, no lugar outrora conhecido como os campos das pelotas, alguns charqueadores que durante a revolta farroupilha haviam deixado o lugar e se dirigido ao país vizinho, o Estado Oriental del Uruguay, levando seus escravos e pondo-os a trabalharem em seus novos estabelecimentos ou terceirizando-os aos saladeristas montevideanos, já haviam retornado. Isso depois de uma enorme demonstração de desrespeito com as autoridades do país que os recebera, ao descumprirem o compromisso de entregarem alguns de seus escravos para se engajarem ao exército uruguaio, mesmo sendo indenizados por aquele governo e, através de tal ato, privando homens de suas liberdades, pois o Uruguai já abolira a escravidão, trazendo-os novamente para as insalubres senzalas de suas charqueadas no território pelotense, onde lhes esperava o desumano trabalho e a barbárie do chicote.
         Nas ruas desta, que o viajante passara a chamar de Pérola do Sul, a um caminhante mais atento não passaria despercebido certo ar de conspiração.
         Pela Rua Augusta, ao longe, se avistava dois negros, certamente escravos, em direção a uma das cacimbas do mato que a Câmara mandara abrir para o abastecimento de água dos habitantes da cidade.
         Quem os visse de perto, talvez notasse em suas nucas a parte recém-raspada, muito embora não viesse, a saber, o significado daquela linha reta de orelha a orelha.
         O movimento nas ruas era ainda muito pequeno, a cidade despertara a pouco, um que outro cavaleiro, uma carreta ou outra, talvez em direção ao local determinado onde os colonos poderiam vender seus produtos.
         Naquela mesma Rua Augusta, via-se, saindo de uma bodega, dois tropeiros desamarrando seus cavalos com a intenção de montá-los e partirem em direção aos seus pagos, depois de terem passado pedaço da noite anterior bebendo, jogando e se divertindo com as pensionistas da bodega, que ali tinham seus quartos para atenderem seus clientes.
         Nas proximidades das ruas da Horta e do Padeiro, algumas negras com pesadas trouxas de roupa na cabeça, cantarolando algo ininteligível, se encaminhavam em direção ao arroio. Eram elas, sem dúvida, as lavadeiras do Santa Bárbara. As negras Minas, as tias Minas, de tantos saberes e igual número de histórias.
    Caso alguém as seguisse até o arroio e ali as escutasse, ouviria, ao som da água e a batida das roupas nas pedras, cantando enigmático verso:     -Hoje lavamos para os brancos, e não tarda que os brancos lavem pra nós.
    Mas, quem as escutaria se aquele enigmático cantarolar era abafado pelo badalar do sino da Igreja Matriz ou pelo vozerio dos negros e negras, escravos de ganho, os já tradicionais quitandeiros e quitandeiras, que aos brados ofereciam seus quitutes desde a Praça da Quitanda?
Adiante, quem passasse pela Rua do Poço em direção a Rua Alegre veria, entre dois sobrados ali existentes, um monturo de imundície.
Já na Praça do Theatro, que não era nada além de um campo aberto, relegada ao descaso, à disposição dos animais da vizinhança, pastavam tranquilamente algumas vacas, outras cabras e até mesmo uma mula.
    Em outro terreno, ali próximo, adquirido há pouco para a construção de um mercado, uma pequena casa de comércio funcionava fornecendo mercadorias aos moradores das redondezas, enquanto a Câmara da cidade mobilizava-se em projetos e verbas que lhe permitisse a edificação do já projetado Mercado Central.
    Em casa do Sr. Luiz Manoel Pinto Ribeiro, um de seus escravos, um negro da Nação Mina, “inquestionavelmente reconhecidos como a mais inteligente da raça negra”, que por seu senhor sentia grande amizade, pois aquele sempre o tratara com cordialidade, insistia em dizer-lhe que havia uma conjura em andamento, coisa que seu senhor não achou que fosse de se levar a sério.
    Soubesse o Sr. Luiz Manoel Pinto Ribeiro, que a cidade, para sua guarnição e defesa contava apenas com um destacamento de 70 ou 90 homens do 8º batalhão de Caçadores e uma meia dúzia de policiais, criançolas na sua quase totalidade; além do que, em casa do Sr. Francisco Manoel dos Passos, o primeiro que ouvira da boca de um escravo de sua propriedade, tal informação já fora dita e com insistência, assim como também na casa do Sr. Antônio de Oliveira Castro, outro cativo, de Nação Mina, informava haver um projetado levante de escravos por acontecer, certamente teria dado maior atenção ao que lhe dizia aquele escravo.
O que, em resumo, disseram os escravos aos seus senhores foi: que eles haviam sido convocados para esse levante; que os principais aliciadores do levante eram os escravos do Sr. Manoel Rodrigues Valadares e, em especial os da charqueada do Sr. Manoel Batista Teixeira, e que alguns outros escravos da cidade, inclusive um, de certo cuteleiro e outro, de certo ferreiro, estavam também envolvidos, inclusive se comprometendo a abrirem, na hora aprazada, as portas da casa de seus senhores a fim de que os revoltosos se abastecessem de armas que ali houvesse em condições para o evento. E acrescentaram que todos os negros conjurados deviam ser conhecidos pela nuca rapada, que era o sinal distintivo que usavam os envolvidos na rebelião.
Todas essas informações, fornecidas pelos delatores da conspiração dos Minas aos seus senhores, foram, dias depois de ouvidas, levadas ao conhecimento do Sr. delegado Vieira Viana que, sem titubear, imediatamente expediu circulares a todos os charqueadores que de imediato se puseram de sobreaviso, tratando de encerrar à noite seus escravos, que a tal não se opuseram nem tampouco ofereceram resistência alguma.
                                                                                       
                                                                                        Continua...


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Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Cinema Apolo, Pelotas




         É provável que o Cinema Apolo tenha sido o primeiro dos cinemas construídos, em Pelotas, pela empresa Xavier & Santos.
         A iniciativa da empresa foi anunciada pela imprensa aos 25 dias do mês de fevereiro de 1925, sob o título de “Novo cinema”, onde era dito que na segunda-feira da próxima semana teria início a construção do novo cinema da empresa Xavier & Santos, o qual seria localizado à Rua Felix da Cunha, esquina Gomes Carneiro.
         A nova casa denominar-se-ia Cinema Apolo, devendo a obra terminar no mais breve prazo possível.
         Aos 4 dias de fevereiro daquele mesmo ano era dito já ter sido dado início, dia 2 daquele mês, a construção do novo cinema com  o qual a empresa Xavier & Santos dotaria a cidade, aumentando assim o seu raio de ação e oferecendo ao público mais uma confortável e elegante casa de diversões.
         A construção do novo cinema obedeceria a todos os requisitos da técnica moderna, não só quanto a arquitetura como à disposição para a comodidade do público.
         As obras seguiam com máxima atividade, tendo iniciado o assentamento dos tijolos para levantamento das paredes. O ato teve como padrinho o menino Homero Santos, filho mais moço do Sr. Francisco Santos, que colocou o primeiro tijolo. A empresa comemorou o acontecimento oferecendo grande quantidade de chope e outras bebidas a todos os operários, que eram em número de sessenta e dois.
         Em meados de maio de 1925 foi noticiado prosseguirem em ritmo acelerado as obras do novo cinema, já tendo começado a colocação das telhas e, adiantados como iam os trabalhos, era de se esperar que dentro de um mês ou pouco mais fosse inaugurado o “novo theatro”.






A inauguração
         Segundo os jornais do dia 15 de agosto de 1925, estava definitivamente assentada para o dia 4 de setembro a inauguração do “elegante Theatro Apolo”, que a empresa Xavier & Santos construíra à Rua Felix da Cunha, esquina Gomes Carneiro.
         O novo centro de diversões populares, que estava recebendo as últimas demãos, comportaria uma lotação de 1.250 cadeiras e 300 gerais.
A inauguração dar-se-ia às 20 horas do dia 4 de setembro de 1925, com um grandioso espetáculo, sendo executada a sinfonia Guarani pelas orquestras do novo theatro e do 7 de Abril, em conjunto.
Em seguida seriam exibidas magníficas fitas [filmes], sendo uma local, da Fábrica Guarany, a comédia Sunshine Radiomania e o soberbo drama em 7 partes Romance da floresta, interpretado pelo “simpático” Willians Desmond.
         No palco, seria apresentado o duo sertanejo os Rochinhas, em consagrados números de variedades.
         Para esse extraordinário espetáculo vigorariam os preços de 3$ e 1$500 gerais.
         O novo teatro correspondia a um belo melhoramento para a zona onde estava localizado, e para uma parte da população de Pelotas, que com maior facilidade poderia assistir aos espetáculos que a empresa Xavier & Santos costumava proporcionar.
         Além disso, o Apolo fora construído em condições de oferecer conforto e comodidade, quer na estação invernosa, quer no verão, ventilado como era por numerosas e amplas aberturas móveis.
         A plateia, dividida em 5 corredores, comportava 1.200 poltronas e a galeria, a entrada da sala, dava lugar à 250 pessoas.
         Dispunha ainda o Apolo de um magnífico palco e a cabine, destinada às projeções cinematográficas, era toda de cimento armado, oferecendo assim maior segurança em caso de qualquer sinistro.
         A fachada, que quando do ato de inauguração não estava concluída, era de estilo moderno; um elegante vestíbulo, gabinetes reservados para homens e mulheres, bilheterias e depósito, completavam as instalações do novo teatro.
         A iluminação era abundante e bem distribuída, tendo sido toda a instalação executada pelo Sr. Antenor de Barros Farias, hábil operador da empresa.
         A construção do Apolo foi executada pelos Srs. Xavir, Duarte & Companhia e a decoração pelo Sr. Cândido Bello, tendo sido confiado ao Sr. Alfredo Buchardi a confecção do pano de boca.
         Ao ato inaugural compareceu enorme multidão, que lotou a quadra inteira do teatro, achando-se também a vasta sala do Apolo repleta de espectadores. Deu início ao espetáculo uma grande orquestra, sob a regência do Sr. José Amor, que executou a sinfonia do Guarani, sob aplausos da vultosa assistência.          A seguir foram exibidas magníficas fitas, inclusive uma local, da Fábrica Guarany, de propriedade do Sr. Francisco Santos.    No palco apresentaram-se os artistas sertanejos Os Rochinhas, que foram bastante aplaudidos.

        

      
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV

Revisão do texto, tratamento de imagens e postagem: Bruna Detoni