“Os
homens são superiores uns aos outros não pelas raças, mas pela instrução e
pela cultura”.
Rodolfo
Xavier
Em 26 de março de 1933, o jornal Alvorada em artigo denominado Centros
de Cultura, assinado por Rodolfo Xavier, apelava aos intelectuais negros,
“pois que aqui os há e competentíssimos”, para a fundação de um Centro de
Cultura igual “aos da Frente Negra de São Paulo, abstraindo discussões de raças
e de preconceitos”, tendo em vista exclusivamente o levantamento moral e
intelectual da “raça” por meio de reuniões e preleções, de aulas noturnas e
tudo quanto pudesse cultivar a inteligência da mocidade negra.
A ideia prosperou, e, nos primeiros dias do mês de setembro
daquele ano, a imprensa de Pelotas divulgava o seguinte comunicado da nova
entidade criada na cidade: “Temos a honra e a mais grata satisfação de levar ao
conhecimento de V.S. que fundamos nesta cidade uma congregação educacional a
qual se destina a espalhar pelo povo etiópico pelotense, a luz da instrução,
cooperando assim para debelar o flagelo do analfabetismo e implantando entre o
nosso povo a crença de que a nossa Pátria só será poderosa pela cultura de seus
filhos.
Dado o nosso amplo programa, a nossa entidade, restritamente
educacional, denomina-se Frente Negra Pelotense, e terá como dever: incentivar
com vigor a campanha pró-alfabetização, instrução e educação, especialmente dos
filhos da raça.
Pela Frente Negra Pelotense: o secretário geral Humberto de
Freitas”.
É importante destacar que, na época, o analfabetismo entre
os brasileiros era de 70 por cento, e o Brasil apresentava o maior coeficiente
de analfabetos na América do Sul.
Dia 27 de dezembro de 1933, o Diário Liberal noticiava que se realizara com todo o brilho, no dia
25 daquele mês, na sede provisória situada à Rua General Argolo nº 415, a
Assembleia Geral da associação Frente Negra Pelotense.
Os trabalhos foram assistidos por grande número de
associados e pessoas interessadas, transcorrendo durante todo o tempo que durou
a assembleia, no maior entusiasmo.
Além de serem discutidos os Estatutos, “que provocaram
acalorados debates” foram, também, ventilados vários assuntos de interesse da
entidade.
A Frente Negra Pelotense recebeu dos organizadores do 1º
Congresso Afro-Brasileiro o seguinte telegrama: “Afro-Brasileiro agradece
apoio, solidários espera representante”.
E assim, aos 4 dias do mês de novembro de 1934, o pintor
pelotense Miguel Barros, “[...] jovem artista, que por mais de uma vez já revelara a Pelotas as suas excelentes
aptidões através de magníficos trabalhos, vai a Recife expor uma bela coleção
de telas, aproveitando a instalação do congresso Afro-Brasileiro a ser ali
realizado”.
Prosseguindo, diz ainda a notícia que certamente Miguel
Barros obteria, na capital pernambucana, o êxito a que fazia jus por seus
reconhecidos méritos.
Miguel Barros em
Pernambuco
O texto de Miguel Barros, o Mulato, que ora divulgamos, na íntegra, foi publicado no Diário de Pernambuco de 20 de junho de
1935:
“É verdadeiramente contristador que assistamos hoje aos
ataques depreciativos, que de várias partes têm surgido, contra as organizações
negras.
A campanha anti-frentenegrina é dirigida por Gustavo
Barroso.
Conforme proclamações feitas pela Frente Negra, não possui o
caráter de combatividade racial que querem nos emprestar.
Nossa campanha de educação e unificação visa, conforme se
deduz, elevar o nível do negro até agora num plano de inferioridade.
O preconceito do qual se dizem tantos prós e contras é uma
questão única, que só pode ser falada por aqueles que realmente o sentem com
todas suas restrições humilhantes.
As acusações de que as organizações negras surgiram após
ordens de Moscou, é uma prova de desconhecimento completo de muitos
acontecimentos de após abolição que se realizaram no intuito de restringir o
mais possível o pensamento de inferioridade que sobre o negro fazia:
consideração que a abolição positivamente não acabou.
Que escritores de mentalidades evoluídas afirmassem
elogiosamente o serviço prestado pelo preto, é bem certo, mas não impediu isto
que se tirasse da mente brasileira as teorias de Gobineau.
Se não existem associações com o nome de Frentes é uma
questão somente de rótulo, pois existem os clubes italianos, sírios,
portugueses, alemães, etc., onde se fazem as apologias a raça que pertencem,
procurando conservar tradições, propagar sistemas de governo e tudo lhes dizer
respeito, e nem por isso a unidade nacional foi abalada.
Porque, e então, que quando os negros, que atualmente são os
mais nítidos brasileiros, procuram congregar e elevarem-se intelectualmente
contribuindo pelo progresso brasileiro, surgem comentários ridículos, cheios de
inverdades, procurando caracterizar o movimento diferentemente do que ele
realmente é.
Ao comparecer eu ao Congresso Afro-brasileiro, e informado
disso Gustavo Barroso, mas, creio, sem saber o motivo porque lá estive, deu-me
credenciais de agente comunista.
Não sabia certamente que representava a Frente Negra
Pelotense.
Que ela, apesar de ter sido fundada em 1933, foi composta
também com os remanescentes de duas anteriores associações negras que lá já
existiam, e não por ordens de Moscou, mas pela necessidade sentida pelo
elemento de cor, diminuído em sua condição de brasileiro.
A primeira campanha foi a do ‘Centro Monteiro Lopes’ que
nasceu quando na Câmara pretendiam esbulhar o mandato daquele deputado
pernambucano, eleito.
A organização reergueu-se com a denominação de ‘São José do
Patrocínio’ em 1920, quando por inauguração do primeiro teatro local, não se
permitiram a entrada de negros na plateia.
Desde lá, vinham os pretos tratando da organização para a
sua defesa intelectual e moral que permitiria diminuir com o enlevamento, o
preconceito que sobre nós é atirado.
Com o ressurgimento destas duas iniciativas, por gente moça
e mentalidades maduras, já treinadas nas campanhas anteriores, levantou-se a
Frente Negra Pelotense.
Sentindo sempre as investidas impatrióticas dos
preconceituosos foi que a F.N. Pelotense se organizou e tivemos a par de tantos
outros casos, no mesmo teatro 13 anos após a sua fundação, a negação do
proprietário, quanto a apresentação em seu palco de um conjunto teatral
composto de elementos de cor de Pelotas.
O contrato estava quase feito, quando o proprietário soube
que os artistas eram negros, o qual com o orgulho ofendido disse apontando para
as galerias: ‘Negros só lá para cima’.
Outro proprietário de uma empresa exclusiva de filmes,
interrogado por que não permitia negros em seu cinema de luxo, disse que a
plateia preferia ter a seu lado uma meretriz
branca a um negro ou negra, e se os permitissem ficaria com o cinema vazio.
Foi também no início da F. N. P. que tivemos notícias
particulares e pela imprensa, do que
ocorreu em São Leopoldo, centro colonial alemão, onde o integralismo tem um dos
seus baluartes nos Pampas. Por ocasião da inauguração da praça central, o
prefeito proibiu ‘negros e meretrizes sentarem nos bancos da referida praça’.
Em São Paulo, no começo de 1930, a proibição a entrada de
negros em uma casa de diversões, permitiu que se levantassem mais uma vez os
pretos, o que culminou nos 20 mil frentenegrinos da F. N. Brasileira.
Lá, também, sobressaindo da quantidade dos fatos
preconceituosos, foi que em uma cidade do interior, uma devota lembrando-se do
cortejo de certa procissão, uma criança negra vestida de anjo, juntamente com
outras meninas brancas, assim trajadas, o fez; mas, o pároco, indignado disse:
‘onde você viu anjo preto?’ os de cor, revoltados, espancaram o padre e a
procissão não chegou a realizar-se.
Em todo o Brasil são notórios os casos como o de Pernambuco,
em Garanhuns, onde o colégio das freiras não aceitou uma criança de cor, para
seus bancos escolares. Isto não ocorre somente hoje, sempre o foi, e para
remontar a alguns anos, veja-se na Lanzeta
de Agostinho Bezerra, em dois de seus números, fevereiro e março de 1913, o
protesto lançado por aquela revista contra idêntica proibição, feita naquela
época, pelo colégio das freiras, São José, que ontem como hoje se desculpou
com: ‘buscam poupar humilhações a crianças de cor, aos atritos que podem
ocasionar entre as meninas de espírito ainda em formação, que convivem sob o
mesmo teto.
Em Pernambuco nota-se certa amenidade relativamente com o
Sul, mas não quer isto dizer, que o preconceito não exista e que, além das
proibições escolares, da não aceitação de empregados de cor para caixeiros de
lojas, dos anúncios, como no resto do país, nas seções populares de ‘precisa-se
de uma empregada branca, ou oferece-se ao comércio, um rapaz branco, etc.’.
Os fatos antigos não deixaram de ser repetidos, e os
letreiros, garrafais, de uma barbearia de Recife antigo: ‘brancos todos, pardos
alguns e negros nenhum’, parece que ainda é a sintetização da consciência
brasileira.
E houve um filósofo negro, desconhecido, que deixou um
provérbio, perfeitamente real: ‘quando o branco come com o preto, a comida é do
preto’, é o que ele sempre repetia quando via algum de seus patrícios na
intimidade de um branco interesseiro.
Não impede a amenidade relativa do preconceito em
Pernambuco, que aqui também existam sociedades bailantes de negros e mulatos,
onde o ‘branco’, da mesma condição social, não vai porque não quer.
O preto viveu, e vive isolado, e a única representação que
possuía eram as sociedades carnavalescas, única forma de associação que,
sozinho, pôde compreender após o cativeiro, e que as F. N. querem o equilíbrio,
com a criação de suas entidades de educação, de elevantamento moral, físico,
intelectual e para a cordialidade nivelada racial.
Há poucos dias, um diário carioca noticiava que, no Senado,
havia um movimento para supressão dos homens de cor, que lá trabalhassem.
O senador Cunha Neto, indignado, disse que o movimento não
lhe constava existir, mas, caso houvesse, estaria pronto a defender os
interesses dos ofendidos, mesmo porque no Brasil não existiam brancos.
Isto é mais uma prova a todos os que protestam contra as
F.N., desmentindo suas palavras; pois mesmo que o fato relatado não existisse,
como poderia ter sido tornado público, se ‘realmente’ não houvesse falado a
respeito?
Porque seriam mais uma vez diminuídos em seus direitos de
cidadãos, apesar de comentarem a insistência do preconceito entre nós?
Nada disse de sua forma interior, da maneira última com que
o negro é visto e sentido, e o deixo a sinceridade de cada um.
E, apesar de todos estes comentários, todos os homens de
cor, que se prezam e não renegam sua epiderme, por outros desprezadas, unem-se
nas F. N. e trabalham por suas grandezas, moral e intelectual, como contribuição
ao progresso brasileiro”.
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto: Jonas
Tenfen
Tratamento de imagem:
Bruna Detoni
Esses documentos devem vir a luz nesse decisivo momento da História de nossa região, contribuindo para a reflexão da sociedade sobre as injusticas sócias sofridasnpelos brasileiros negros ao longo do tempo.
ResponderExcluirEsses documentos devem vir a luz nesse decisivo momento da História de nossa região, contribuindo para a reflexão da sociedade sobre as injusticas sócias sofridasnpelos brasileiros negros ao longo do tempo.
ResponderExcluirParabéns, Monquelat, por trazer à luz esses documentos que compõem a nossa história: infelizmente, expressam a verdade... Um abraço da Beatriz Mecking.
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