quarta-feira, 10 de agosto de 2016


Se Pelotas não criou o charque, o charque e a escravidão inventaram Pelotas (parte 5 e última)



                                                                                                          A.F. Monquelat


É ainda no arroio Santa Bárbara, terras de Mariana Eufrásia da Silveira, que vamos encontrar a charqueada e olaria do tenente Balthazar Gomes Vianna, casado com Joana Margarida Pires da Silveira que, quando de seu casamento, recebeu como dote de seus sogros, o capitão-mor Francisco Pires Cazado e Mariana Eufrásia da Silveira, uma pequena porção de terreno sobre a margem do arroio Santa Bárbara, onde, ¨em 1799, se estabeleceu com Fábrica de charquear, casas de vivenda formada de tijolos e cobertas com telhas, e pátio cercado por muros¨.

Planta de Pelotas
Tal terreno, segundo o próprio Balthazar Gomes Vianna, estava localizado ¨no centro da data de que o dito Capitão-mor se achava de posse há mais de trinta anos¨.

Em nosso livro O Povoamento de Pelotas, ainda inédito, dizemos a certa altura do capítulo Pelotas, Terra de Esbulhos e Querelas que: ¨Entendendo estar ‘no legítimo domínio, pacífica posse e desfrute de uma pequena porção de terreno sobre a margem do Arroio de Santa Bárbara, no qual desde esse tempo [l799] se acha estabelecido [...], e há três anos [desde l8l2] com sua Fábrica de Olaria, em efetivo exercício’ resolveu ampliar suas instalações; e, para tal, deu início à edificação de ‘um pequeno galpão para uso e cômodo de sua Olaria, [bem como] um muro do pátio e cozinha da casa de vivenda’, quando, judicialmente, por Embargo proposto pelo Capitão Ignacio Antonio da Silveira, teve suspensas suas obras, e o que mais é, até [foi impedido de continuar] na tirada de barro, que sempre fez e estava fazendo, desde o estabelecimento da referida Olaria’ [...]”.

O Auto de Embargo:

         ¨[...], sendo aí o Juiz Vintenário do sobredito Distrito, Luiz Querino da Costa, junto comigo Escrivão da Vara do Alcaide da sobredita Vila, para efeito de darmos cumprimento ao Mandado de Embargo junto, passado a requerimento do Capitão Ignacio Antonio da Silveira e sua mulher, fomos em casa onde vive o mesmo Tenente Balthazar Gomes Vianna, para efeito de lhe  embargarmos, como com efeito embargamos, um galpão mencionado no requerimento junto dos Suplicantes; cujo galpão se acha levantado sobre pequenos  sítios e encaibrados com caibros finos, defronte de outro galpão já levantado, junto de um poço de tirar barro, tendo o sobredito galpão sessenta palmos, para mais, de comprido. E trinta, com pouca diferença, de largura nas cabeças. E assim mais embargamos ao Suplicado Tenente Balthazar Gomes Vianna, uma obra de muro, pegada com a casa do Suplicado nos pequenos fundos, do qual muro tem levantada e coberta de telha, uma metade de cozinha e forno, e outra metade estando somente encaibrada e enripada, e o sobredito muro por acabar, com cinco palmos, ou pouca diferença, de altura, e dezoito pelos lados ou bandas.
         E passando o dito Juiz, junto comigo Escrivão, ao lugar onde o Suplicado Tenente Balthazar Gomes Vianna tirava barro, perto do sobredito galpão mencionado, achamos três poços, a saber: um maior, com oito palmos de profundidade e cem de fundo, pouco mais ou menos, e outros trinta e tantos de profundidade; e outro do sobredito tamanho, pouco mais ou menos. E para constar, [...].”.

As terras de Mariana Eufrásia da Silveira

         “[...]: E revendo os mesmos, neles a folha três se acha o teor de Petição que a Suplicante requer na sua retro, que é da forma seguinte: Diz Dona Mariana Eufrásia da Silveira, que ela se acha há vinte e três para vinte e quatro anos, de posse pacífica de uma pequena data de terras entre o Arroio de Santa Bárbara e o Rio de Mirim, a qual povoou e cultivou até o presente, sem impedimento algum de seus vizinhos: e porque quer tirar um legítimo Título e para o qual lhe é necessário medir-se; portanto, Pede a Vossa Mercê Senhor Juiz Ordinário, Seja Servido mandar se citem os Éreos  Confinantes, lhes assinalando Vossa Mercê, o dia em que se devem achar para assistir a mesma medição, e receberá Mercê = Proceda-se a Medição requerida, e nomeio para Piloto, Bento Ribeiro, e para Ajudante da Corda, Ricardo Lopes. E nomeio o dia dez do corrente, que citadas as partes passe Mandado = Vianna, Cidadão pela Lei e Juiz Ordinário, com Alçada do Cível e Crime neste Continente & Mando a qualquer Oficial de Justiça, ou Vintena, que visto este meu Mandado, indo por mim assinado, que em seu cumprimento notifiquem ao Capitão José de Aguiar Peixoto e José Gonçalves Calheca e sua mulher para o dia dez na Fazenda de Santa Bárbara. Sete de dezembro de mil oitocentos e quatro. Eu, Policarpo de Freitas Noronha, Tabelião Público do Judicial e Notas neste Continente &.- Certifico que notifiquei ao Capitão José Thomaz da Silva, a Miguel da Cunha, ao Capitão José de Aguiar Peixoto e sua mulher, e ao Procurador de José Gonçalves Calheca, para a presente Medição. E dou fé, Antônio de Santa Bárbara, sete de dezembro de mil oitocentos e quatro”.

O juramento do piloto: “Aos dez dias do mês de dezembro  de mil oitocentos e quatro, nesta paragem denominada o Arroio Santa Bárbara, Termo da Vila do Rio Grande de São Pedro, aonde foi vindo o Juiz Ordinário João Rodrigues Vianna, comigo Tabelião de Seu Cargo, abaixo nomeado, sendo aí presente o Piloto demarcador, Bento Ribeiro, a quem o dito Juiz deferiu o juramento dos Santos Evangelhos, em um Livro deles, em que pôs sua mão direita, pelo dito Juiz, lhe encarregou, que debaixo do juramento que havia prestado, sem dolo ou malícia, amor e ódio, medissem e demarcassem os Campos da Autora, Dona Mariana Eufrásia da Silveira, viúva do falecido Capitão-mor Francisco Pires Cazado, e recebido por ele, o dito juramento, assim o prometeu fazer. E de como assim o disse, assinou o juramento com o dito Juiz. Eu Policarpo de Freitas Noronha, Tabelião, que o escrevi. Vianna = Bento Ribeiro da Fonseca. Nada mais se continha no teor da referida Petição, despacho, Mandado, fé de citação e juramento insertos nos ditos Autos. Depois do que, se via o Termo de pró-notificação e avaliação da agulha, que havia de servir para a soltura do reino, em que declarou o Piloto nomeado, estar a dita Agulha pronta para a mencionada soltura dos ditos reinos. Vindo-se logo também o Termo que prestou o Piloto Bento Ribeiro, de ter a corda com que se havia de fazer a medição, cincoenta e seis braças de comprido, e estas de dez palmos craveiros, bem capaz para a medição. Depois do que, se via o Auto da Medição, feito e lavrado no dia dez do mês de dezembro de mil oitocentos e quatro, na passagem denominada Costa do Arroio de Santa Bárbara, Termo da Vila do Rio Grande de São Pedro do Sul, sendo presentes o Juiz Ordinário, Tabelião do seu Cargo, Piloto  e o Ajudante da Corda, se deu princípio a medição no lugar de um marco, que tem na ponta do dito Campo, que divide os da Autora e dos Confinantes José de Aguiar Peixoto e sua mulher e José Gonçalves da Silveira Calheca, onde o dito Juiz mandou apregoar em alta e inteligível voz, por três vezes, se havia alguma pessoa ou pessoas; que tivessem  o que dizer à presente medição, viesse com Embargos no Termo da Lei. O que sendo feito, deu o Porteiro sua fé, não haver quem se opusesse à dita medição. A vista do que, se principiou a medição desde o marco que se achava encostado a outro marco, donde seguindo o rumo de Nordeste-sueste para o seu comprimento, teve início a dita medição de um marco que se achava encostado a um capão, que divide o dito Éreo José de Aguiar Peixoto. Dali, o rumo de Sueste corrente em meio de uma lomba, se buscou um marco debaixo, ao que não houve oposição alguma. Cujo marco de pedra, de duas faces em um quatro, tem a marca da Autora na margem, estando ao pé de outro marco do Confinante Peixoto. E seguindo o mesmo rumo de Sueste, se mediram quatrocentas braças, aonde se fincou um marco de pedra a outro de pau, que ali se achava caído, sendo este, judicial. Cujo pétreo marco era claro, chato e de quatro faces. E na parte do Sul, se riscou à margem a marca da Autora, tudo debaixo do pregão, cujo primeiro apareceu logo o Ereo José de Aguiar Peixoto, que pediu vista do dito marco, que lhe foi concedida sem suspensão do dito, que ficou fincado e servindo de divisa. E dali, seguindo a dita medição em rumo de Sueste, se mediu novecentas e quatro braças até findar uma Costa da restinga na Costa do Rio de São Gonçalo de Mirim, aonde se fincou um marco de pedra chata, de duas faces. E da parte Sul [ilegível] marca a margem, aonde se findou a dita medição no comprimento, cujo marco se fincou ao pé de outro marco de pau, ali juntamente colocado.
 
            Sendo apregoado pelo Porteiro, logo saiu Miguel Pereira, que pediu vista, sem suspensão da medição. E dali, procurando o segundo marco fincado na frente, e comprimento ao rumo do Sul corrente, se mediu oitocentas e quarenta braças até findar na Costa do dito Arroio de Santa Bárbara, aonde findou a medição de largura. Declarando o dito Piloto que o dito Campo tem a figura triangular, oblíqua angular, que vai dividindo pela frente Noroeste-sueste, com os marcos do dito José de Aguiar Peixoto e José Gonçalves da Silveira Calheca, e tem no seu comprimento mil trezentas e quatro braças desde o dito marco do Capão, até a Costa do Rio de São Gonçalo, e na largura oitocentas e quarenta braças na largura maior, que vai dividindo o dito Campo pela parte do Leste e Rio de São Gonçalo, que vai dando volta para o Sul, que voltando o dito Rio de São Gonçalo e de Santa Bárbara, que dividindo pelo Oeste, que vai seguindo o dito Rio por detrás da casa do Capitão Ignacio Antonio da Silveira, que vai findar no dito marco do mesmo Capão. Nada mais contém a descrição da referida medição, que me foi apontada pela mesma Suplicante”.

As charqueadas do arroio Pelotas

         Já outros charqueadores instalados às margens do arroio Pelotas devem tê-lo feito por volta de finais do século XVIII início do XIX, em áreas anteriormente pertencentes aos dateiros.

         Admitindo que José Pinto Martins aqui tenha chegado por volta de 1790, é possível que a instalação de sua primeira charqueada, às margens do arroio Pelotas, tenha acontecido em alguma daquelas datas na condição de arrendatário da área necessária para tal atividade.

         Quanto à ordem de instalação das charqueadas no arroio Pelotas, até então, não sabemos; porém, que às margens do arroio Pelotas os primeiros a ali estarem foram os colonos oriundos de Maldonado, é fato, hoje, incontestável.

                  

REFERÊNCIAS:

ARRIADA, Eduardo. Pelotas – Gênese e desenvolvimento urbano (1780 – 1835). Pelotas: Armazém Literário, 1991.

GUTIERRES, Ester J. B. Negros, charqueadas e olarias: um estudo sobre o espaço pelotense. 2ª ed. Pelotas. Editora da UFPel, 2001.

LOPES NETO, João Simões. Apontamentos referentes à história de Pelotas e de outros dois municípios da Zona Sul: São Lourenço e Canguçu. Edição organizada por Mario Osorio Magalhães. Pelotas: Armazém Literário, 1994.

__________. “Revista do 1° centenário de Pelotas”, n° 1 a 8, Pelotas, 1911/1912.

MONQUELAT, A. F.; MARCOLLA, V. Desfazendo mitos: notas à história do Continente de São Pedro. Pelotas, RS: Editora Livraria Mundial. 2012(a).

__________. “João Cardoso: dos Contos Gauchesco para a História”. In: RUBIRA, Luís (Org.). Almanaque do Bicentenário de Pelotas vol. 1, Santa Maria/RS: Gráfica e Editora Palloti, 2012(b). p. 241 – 263.

__________. O processo de urbanização de Pelotas e a Fazendo do Arroio Moreira. Pelotas: Editora da UFPel, 2010(a).

__________. O desbravamento do Sul e a ocupação castelhana. Pelotas: Editora da UFPel, 2010(b).

__________. O povoamento de Pelotas. Vol I e II. (inédito).

__________. Apontamentos para uma história do charque no Continente de São Pedro do Sul. (inédito).

MOREIRA, Ângelo Pires. Pelotas na tarca do tempo: primeiros tempos e freguesia. 1° vol. Pelotas: s/ed. 1988.

SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da língua portuguesa. 8ª ed. Revista e melhorada, vol. 1 e II, Rio de Janeiro: Empresa litteraria Fluminense, 1889/91.


Textos Manuscritos:

DOCUMENTAÇÃO do Processo de Antônio Francisco dos Anjos, para autorização de contratos para arrendamentos de terras em Pelotas no Continente do Rio Grande de São Pedro. 1816/17.

                  . Do Processo de Litígio entre Baltasar Gomes Viana versus Inácio Antônio da Silveira, por terras no arroio Santa Bárbara no Continente do Rio Grande de São Pedro. 1816.


                  . Do Processo de Litígio entre Gonçalo José de Oliveira e Silva versus Mariana Eufrásia da Silveira, por terras no arroio Santa Bárbara no Continente do Rio Grande de São Pedro. 1815/16.


                  . Do Processo de Litígio entre Mariana Eufrásia da Silveira versus Inácio Antônio da Silveira, por terras no Distrito de Pelotas na Comarca do Rio Grande de São Pedro. 1813/19.
 
                  . Do Processo de Litígio entre Mariana Eufrásia da Silveira versus José Tomás da Silva, Miguel da Cunha Pereira e Inácio Antônio da Silveira, por terras no arroio Santa Bárbara no Continente do Rio Grande de São Pedro. 1809/15.
 

REQUERIMENTO de Antônio Francisco dos Anjos, solicitando confirmação da carta de sesmaria das terras localizada no rio São Gonçalo no Continente do Rio Grande de São Pedro. 1819.


                  . Do padre Pedro Pires da Silveira à rainha [D. Maria I], solicitando confirmação da carta de sesmaria das terras que comprou do tenente Manoel Carvalho de Souza no Continente do Rio Grande de São Pedro. 1780/81.

 
Revisão do texto: Jonas Tenfen      

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