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Chamasse-se beco, corredor ou cortiço eram nestes insalubres
recintos que iríamos encontrar, como moradores, as camadas mais pobres da
população de uma cidade.
Os habitantes destes locais, quase sem exceção, eram alforriados, ex-escravos, contratados,
operários, pobres, imigrantes, prostitutas e demais representantes das camadas
sociais populares.
Em Pelotas, o número destas habitações foi bastante
expressivo, principalmente depois do 13 de maio de 1888.
Embora estes locais fossem alvos de constantes inspecções,
justificadas como necessárias por questões de higiene, a partir do 13 de maio
de 1888, as visitas tinham uma outra finalidade: tentar evitar a
“vagabundagem”. Com tal propósito, o Sr. Major Joaquim Alves de Macedo,
delegado de polícia de Pelotas, auxiliado pelos Srs. Subdelegados do 1º e 2º distritos e soldados da seção,
deram início a visita nos cortiços, becos, corredores e demais habitações [das
camadas pobres] da cidade onde “moram indivíduos empregados como criados de
servir, afim de verificar qual deles não tinham ainda cadernetas” [espécie de
carteira de trabalho da época].
As referidas autoridades veriam quais os criados que não
tinham emprego e as razões por que os haviam perdido, com o propósito de, “com
a pena disciplinar de prisão por alguns dias, obrigar a todos ao trabalho”.
Não tinha a imprensa senão palavras de louvor para
semelhante deliberação da polícia, dizia o redator do jornal Correio Mercantil de 9 de junho de 1888,
pois, daquela maneira, “poder-se-ia coibir a vadiação e forçar a empregarem-se
dezenas de criaturas que vivem exclusivamente da ladroeira ou da mais
desbragada prostituição”.
No dia seguinte, continuou o major Macedo a visitar os
diversos cortiços, becos e corredores existentes na cidade, “com o fim de
obrigar ao trabalho aos vagabundos que neles se acoitam, e fiscalizar o serviço
dos criados já munidos de cadernetas”.
Inspeccionou também alguns casebres da parte oeste e depois
os de algumas ruas da Várzea.
Foram presos, na ocasião, por não terem ocupação “9 mulheres
de cor, e uma branca”, que faltara com o respeito ao Sr. delegado de polícia, e
bem assim “um preto ainda moço”, que era conhecido como ratoneiro [gatuno,
larápio] e fora encontrado no dolce far
niente [agradável ociosidade], em companhia de “uma preta”, na Várzea.
Alertava o jornalista, para conhecimento dos interessados,
de que a posse pura e simples de caderneta não excluía a prisão por suspeita de
vagabundagem, porque muitos indivíduos havia que, acossados pela autoridade,
foram matricular-se na câmara municipal como criados ou peões, sem terem
efetivamente ocupação alguma.
O que a muitos poderia parecer excesso de zelo da polícia,
em referência aos indivíduos de profissão desconhecida, não era “nada mais do
que uma salutaríssima providência para garantir a paz, a moralidade e os
direitos da sociedade pelotense”.
Dentro de pouco tempo, concluía o jornalista, os próprios
favorecidos com a lei libertadora [Lei Áurea] seriam os primeiros a reconhecer
a exatidão das suas palavras.
E quem eram essas “dezenas de criaturas” as quais o
jornalista se referia, para descobrirmos é preciso retroceder ao ano de 1884,
ano do tão decantado abolicionismo pelotense, outro dos mitos que parte da
historiografia pelotense criou:
Dizendo tratar-se de um nobre procedimento, o jornal A Discussão de 29 de março de 1884
noticiava que os “distintos cidadãos” Srs. Francisco A. Gomes da Costa e
Jacintho Lopes acabavam de praticar um ato magnânimo, “libertando todos os seus escravos” (grifos nossos).
O Sr. Gomes da Costa concedera liberdade a 48 escravos,
sendo 36 com a “condição de o servirem por 5 anos”.
O Sr. Jacinto Lopes manumitira [alforriara] igualmente 60
escravos, com a “condição de o servirem por 5 anos”.
O jornal louvava o procedimento daqueles ilustres
cavalheiros que concorriam para a redenção de tantos infelizes, “presos pelas
cadeias da escravidão, dando o primeiro passo para que Pelotas, dentro em breve
tempo, seja a primeira cidade da província seguir o glorioso exemplo do Ceará”.
Foram dezenas e dezenas as manifestações de “alforria” em
troca de serviços, até por dez anos, divulgados como atos de “generosidade”
pela imprensa pelotense, sem contar os de compras de escravos para obtenção de
louvores e títulos, como este anúncio bastante esclarecedor publicado em julho
de 1884: “Atenção – Quem tiver e quiser vender cincoenta escravos,
preferindo-se velhos e adoentados, pela modicidade no preço, dirija-se a M.
Filho, na rua Gonçalves Chaves, que saberá quem pretende [comprá-los]”.
É fácil entender o motivo de tal interesse por “certos
titulares das últimas fornadas”, que deixavam bastante visível os artifícios
usados “para empolgar honrarias e louvaminhas”, assim que os libertasse.
Aos 17 de maio de 1887, algumas pessoas interessadas na
libertação dos contratados, “lembravam” ao Centro Abolicionista e aos “ilustres
cavalheiros” que faziam parte daquela instituição, e em especial ao Sr. barão
de São Luiz, para o fato de ainda estarem prestando serviços diversos libertos,
cujo contrato de locação fora de dois anos.
Estava prestes a completar 3 anos e não constava que tivesse
dado por expirado um só prazo de locação de serviços.
Ainda mais: alguns proprietários de escravos, que na época
[1884] contrataram por instrumento público os serviços dos escravos, como era
notório e fora bastante divulgado pela imprensa, não haviam vacilado em dá-los
neste ano [1887] à matrícula [como escravos], sem “lembrarem-se de que cometiam
um crime previsto pela lei ... o DE REDUZIR À ESCRAVIDÃO PESSOA LIVRE”.
Lembravam também, aos “ilustres” membros do CENTRO
ABOLICIONISTA, que era uma questão de honra não consentir que fossem burlados
por pessoas de má fé, os esforços dispendidos em prol da liberdade dos
escravos.
Por isso, e por sentirem-se vexados perante o espetáculo
repugnante que, “ainda há dias”, presenciara a população da cidade, de ver
“transitar pelas ruas de Pelotas, acompanhado de um capitão de mato, um pobre
preto amarrado brutalmente, sob o pretexto de ser escravo fugido, sendo que tal
escravo era um dos libertos de 1884”.
O jornal Rio-Grandense,
de 6 de janeiro de 1888, sob o título de “Frutos da escravidão”, noticiava que
no dia anterior [5.1.1888], apresentara-se ao Sr. major delegado de polícia,
Sr. Serafim Alves, o preto Benedito, declarando ser contratado do Sr. Paulino
T. Da Costa Leite, e haver sido surrado por um empregado da charqueada do Sr.
Paulino.
Benedito trazia ao pescoço uma grossa argola com um espigão
de ferro, que foi mandada tirar pelo Sr. major delegado, a quem “ o infeliz
contratado” se apresentara.
Constava ao jornalista que Benedito iria intentar ação
contra o charqueador, por ter a seu favor o art. 8 nº3 do Dec. Nº 9602 de 12 de
junho de 1886.
O Sr. Serafim Antônio Alves, aos 16 de janeiro de 1888,
pelas páginas do jornal Rio-Grandense,
como
“abolicionista convicto e sincero” que dizia ser, respondendo à redação do
jornal A Pátria, que acusara os
abolicionistas da cidade pelas fugas dos contratados, que a cada dia que
passava eram mais elevadas, dizia não ser exagerada a proteção que dispensava
aos libertos contratados, quando estes se lhes apresentavam seviciados e de
ferros aos pés e pescoço, como “há poucos dias” acontecera com dois do Sr. Paulino
Teixeira da Costa Leite, (que a Pátria tão abolicionista como diz ser, não quis
dar notícia)”.
Os contratados eram pessoas livres e não podiam ser
castigados da forma que estavam sendo em algums das charqueadas da cidade.
Noticiava o jornal Rio-Grandense,
de 14 de fevereiro de 1888, que a gargalheira
continuava em ação, pois dia 12 daquele mês se apresentara ao Sr.
subdelegado do 2º distrito o crioulo Manoel que declarou ser contratado do Sr.
Antenor S. Barbosa e ter abandonado a charqueada daquele senhor em consequência
dos maus tratos que ali recebia.
Manoel trazia ao pescoço um enorme ferro em forma de cruz,
que imediatamente foimandado tirar por aquela autoridade.
Quando deixaria Pelotas de presenciar “essas cenas que nos
envergonham e aviltam?”, indagava o jornalista.
Continua...
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto: Jonas
Tenfen
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