sábado, 13 de agosto de 2016

No mundo dos cortiços, (becos e corredores) de Pelotas (1)

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                                                                                                    A.F.Monquelat
                          


         Chamasse-se beco, corredor ou cortiço eram nestes insalubres recintos que iríamos encontrar, como moradores, as camadas mais pobres da população de uma cidade.
         Os habitantes destes locais, quase sem exceção, eram  alforriados, ex-escravos, contratados, operários, pobres, imigrantes, prostitutas e demais representantes das camadas sociais populares.
         Em Pelotas, o número destas habitações foi bastante expressivo, principalmente depois do 13 de maio de 1888.



         Embora estes locais fossem alvos de constantes inspecções, justificadas como necessárias por questões de higiene, a partir do 13 de maio de 1888, as visitas tinham uma outra finalidade: tentar evitar a “vagabundagem”. Com tal propósito, o Sr. Major Joaquim Alves de Macedo, delegado de polícia de Pelotas, auxiliado pelos Srs. Subdelegados  do 1º e 2º distritos e soldados da seção, deram início a visita nos cortiços, becos, corredores e demais habitações [das camadas pobres] da cidade onde “moram indivíduos empregados como criados de servir, afim de verificar qual deles não tinham ainda cadernetas” [espécie de carteira de trabalho da época].
         As referidas autoridades veriam quais os criados que não tinham emprego e as razões por que os haviam perdido, com o propósito de, “com a pena disciplinar de prisão por alguns dias, obrigar a todos ao trabalho”.
         Não tinha a imprensa senão palavras de louvor para semelhante deliberação da polícia, dizia o redator do jornal Correio Mercantil de 9 de junho de 1888, pois, daquela maneira, “poder-se-ia coibir a vadiação e forçar a empregarem-se dezenas de criaturas que vivem exclusivamente da ladroeira ou da mais desbragada prostituição”.
         No dia seguinte, continuou o major Macedo a visitar os diversos cortiços, becos e corredores existentes na cidade, “com o fim de obrigar ao trabalho aos vagabundos que neles se acoitam, e fiscalizar o serviço dos criados já munidos de cadernetas”.
         Inspeccionou também alguns casebres da parte oeste e depois os de algumas ruas da Várzea.
         Foram presos, na ocasião, por não terem ocupação “9 mulheres de cor, e uma branca”, que faltara com o respeito ao Sr. delegado de polícia, e bem assim “um preto ainda moço”, que era conhecido como ratoneiro [gatuno, larápio] e fora encontrado no dolce far niente [agradável ociosidade], em companhia de “uma preta”, na Várzea.
         Alertava o jornalista, para conhecimento dos interessados, de que a posse pura e simples de caderneta não excluía a prisão por suspeita de vagabundagem, porque muitos indivíduos havia que, acossados pela autoridade, foram matricular-se na câmara municipal como criados ou peões, sem terem efetivamente ocupação alguma.
         O que a muitos poderia parecer excesso de zelo da polícia, em referência aos indivíduos de profissão desconhecida, não era “nada mais do que uma salutaríssima providência para garantir a paz, a moralidade e os direitos da sociedade pelotense”.
         Dentro de pouco tempo, concluía o jornalista, os próprios favorecidos com a lei libertadora [Lei Áurea] seriam os primeiros a reconhecer a exatidão das suas palavras.
         E quem eram essas “dezenas de criaturas” as quais o jornalista se referia, para descobrirmos é preciso retroceder ao ano de 1884, ano do tão decantado abolicionismo pelotense, outro dos mitos que parte da historiografia pelotense criou:
         Dizendo tratar-se de um nobre procedimento, o jornal A Discussão de 29 de março de 1884 noticiava que os “distintos cidadãos” Srs. Francisco A. Gomes da Costa e Jacintho Lopes acabavam de praticar um ato magnânimo, “libertando todos os seus escravos” (grifos nossos).
         O Sr. Gomes da Costa concedera liberdade a 48 escravos, sendo 36 com a “condição de o servirem por 5 anos”.
         O Sr. Jacinto Lopes manumitira [alforriara] igualmente 60 escravos, com a “condição de o servirem por 5 anos”.
         O jornal louvava o procedimento daqueles ilustres cavalheiros que concorriam para a redenção de tantos infelizes, “presos pelas cadeias da escravidão, dando o primeiro passo para que Pelotas, dentro em breve tempo, seja a primeira cidade da província seguir o glorioso exemplo do Ceará”.
         Foram dezenas e dezenas as manifestações de “alforria” em troca de serviços, até por dez anos, divulgados como atos de “generosidade” pela imprensa pelotense, sem contar os de compras de escravos para obtenção de louvores e títulos, como este anúncio bastante esclarecedor publicado em julho de 1884: “Atenção – Quem tiver e quiser vender cincoenta escravos, preferindo-se velhos e adoentados, pela modicidade no preço, dirija-se a M. Filho, na rua Gonçalves Chaves, que saberá quem pretende [comprá-los]”.
         É fácil entender o motivo de tal interesse por “certos titulares das últimas fornadas”, que deixavam bastante visível os artifícios usados “para empolgar honrarias e louvaminhas”, assim que os libertasse.
         Aos 17 de maio de 1887, algumas pessoas interessadas na libertação dos contratados, “lembravam” ao Centro Abolicionista e aos “ilustres cavalheiros” que faziam parte daquela instituição, e em especial ao Sr. barão de São Luiz, para o fato de ainda estarem prestando serviços diversos libertos, cujo contrato de locação fora de dois anos.
         Estava prestes a completar 3 anos e não constava que tivesse dado por expirado um só prazo de locação de serviços.
         Ainda mais: alguns proprietários de escravos, que na época [1884] contrataram por instrumento público os serviços dos escravos, como era notório e fora bastante divulgado pela imprensa, não haviam vacilado em dá-los neste ano [1887] à matrícula [como escravos], sem “lembrarem-se de que cometiam um crime previsto pela lei ... o DE REDUZIR À ESCRAVIDÃO PESSOA LIVRE”.
         Lembravam também, aos “ilustres” membros do CENTRO ABOLICIONISTA, que era uma questão de honra não consentir que fossem burlados por pessoas de má fé, os esforços dispendidos em prol da liberdade dos escravos.
         Por isso, e por sentirem-se vexados perante o espetáculo repugnante que, “ainda há dias”, presenciara a população da cidade, de ver “transitar pelas ruas de Pelotas, acompanhado de um capitão de mato, um pobre preto amarrado brutalmente, sob o pretexto de ser escravo fugido, sendo que tal escravo era um dos libertos de 1884”.
         O jornal Rio-Grandense, de 6 de janeiro de 1888, sob o título de “Frutos da escravidão”, noticiava que no dia anterior [5.1.1888], apresentara-se ao Sr. major delegado de polícia, Sr. Serafim Alves, o preto Benedito, declarando ser contratado do Sr. Paulino T. Da Costa Leite, e haver sido surrado por um empregado da charqueada do Sr. Paulino.
         Benedito trazia ao pescoço uma grossa argola com um espigão de ferro, que foi mandada tirar pelo Sr. major delegado, a quem “ o infeliz contratado” se apresentara.
         Constava ao jornalista que Benedito iria intentar ação contra o charqueador, por ter a seu favor o art. 8 nº3 do Dec. Nº 9602 de 12 de junho de 1886.
         O Sr. Serafim Antônio Alves, aos 16 de janeiro de 1888, pelas páginas do jornal Rio-Grandense,  como “abolicionista convicto e sincero” que dizia ser, respondendo à redação do jornal A Pátria, que acusara os abolicionistas da cidade pelas fugas dos contratados, que a cada dia que passava eram mais elevadas, dizia não ser exagerada a proteção que dispensava aos libertos contratados, quando estes se lhes apresentavam seviciados e de ferros aos pés e pescoço, como “há poucos dias” acontecera com dois do Sr. Paulino Teixeira da Costa Leite, (que a Pátria tão abolicionista como diz ser, não quis dar notícia)”.
         Os contratados eram pessoas livres e não podiam ser castigados da forma que estavam sendo em algums das charqueadas da cidade.
         Noticiava o jornal Rio-Grandense, de 14 de fevereiro de 1888, que a gargalheira  continuava em ação, pois dia 12 daquele mês se apresentara ao Sr. subdelegado do 2º distrito o crioulo Manoel que declarou ser contratado do Sr. Antenor S. Barbosa e ter abandonado a charqueada daquele senhor em consequência dos maus tratos que ali recebia.
         Manoel trazia ao pescoço um enorme ferro em forma de cruz, que imediatamente foimandado tirar por aquela autoridade.
         Quando deixaria Pelotas de presenciar “essas cenas que nos envergonham e aviltam?”, indagava o jornalista.



                                                                                              Continua...
        
        
        

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV

Revisão do texto: Jonas Tenfen       

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