quinta-feira, 2 de junho de 2016

Os frades de pedra










         Os frades de pedra foram instalados, em Pelotas, por volta do início da década de 70 do século XIX.
         Os gastos despendidos com tal “benfeitoria” foram de tal ordem que chamando a atenção do redator do contemporâneo jornal Correio Mercantil disse ele, em editorial, que a Câmara Municipal de 1876 deveria considerar como exemplo a não ser seguido os erros de seus antecessores, que gastaram “fabulosas fortunas em frades, correntes e arvoredos...”.
         Decorrido algum tempo desde o alerta dado pelo jornalista, e em consequência dos inúmeros acidentes causados por aqueles frades, voltava ele, através de novo editorial no Correio Mercantil, a chamar a atenção da população e dos representantes da Câmara Municipal, em uma campanha, para que se pusessem abaixo, pelo menos dois deles. Como duas estátuas de bronze, duas sentinelas avançadas do perigo e da desgraça, lá permaneciam ainda dia 3 de julho de 1877, na volta do trilho da Praça Pedro II [atual Pedro Osório], lado da Rua do Imperador [atual Rua Felix da Cunha], os dois pré-históricos frades que há poucos dias haviam atentado contra a existência de “um estimável cidadão”.
         Inflexíveis como dois pachás, atrevidos como dois Átilas [referência ao rei dos hunos], ameaçadores como dois policiais, os frades aos quais o jornalista se referia, mais temíveis que um exército de frades de São Bento, representavam uma violência constante à segurança da população, um terror abominável aos passageiros dos bondes.
         Precisavam ser destituídos, a bem do serviço público, do posto que ocupavam.
         Se a ilustríssima câmara municipal se dignasse mandá-los demitir, o jornalista lhe seria agradecido.
         Ao contrário, gritaria sempre: abaixo os frades.
         “Abaixo os frades”, fora o grito que se erguera, dia 10 de julho de 1877, contra dois inocentes que se encontravam colocados junto ao calçamento que seguia em direção à Praça Pedro II, em frente ao sobrado do Sr. tabelião Neves. E os frades foram abaixo, na noite de 7 de julho de 1877; não por ordem de autoridade competente, e sim por bem manejada serra, que os decapitou sem piedade.
         Dos dois frades, que não eram ultramontanos, dizia o jornalista do Diário de Pelotas, só haviam restado as bases, isto era, um pedaço como de palmo e meio, fora da terra, prejudicial ao trânsito público.
         Em oposição aos que pediam a retirada dos frades, dentre estes o Correio Mercantil, colocou-se o Diário de Pelotas por entendê-los muito necessários, pois serviam de sentinelas avançadas à calçada que dava acesso ao chafariz da Praça, para que não fosse ela maltratada pelas pesadas carretas, que faziam o serviço da cidade ao porto.
         Abaixo os FRADES, gritavam uns; levantem-se os FRADES, gritava o Diário de Pelotas, por ser mais conveniente não só ao público como ao passeio [caminho] que, da embocadura da Rua do Imperador [atual Felix da Cunha] ia de encontro ao chafariz da praça; portanto: levantem os FRADES.


Justiça popular

         Sob a chamada de Justiça popular, o Correio Mercantil, de 11 de julho de 1877, dizia ter gritado tanto “abaixo os frades”, que os frades próximo à Rua do Imperador, junto ao trilho, foram mesmo abaixo. Destruídos, arrasados pela base e talvez reduzidos a cinza, se não por meio de um processo regular, ao menos por efeito de uma justíssima sentença popular.
         Tribunal augusto e soberano: o povo.
         Pedira, implorara o jornalista em nome da humanidade, a condenação daqueles “malvados monstros”, e nunca fora atendido, sem dúvida, acreditava ele, porque se tratava de frades e estas entidades mereciam os respeitos de todos os partidos políticos da “atualidade”.
         No entanto, sucedeu o que sempre sucedia em tais casos: a indignação pública crescera, como cresce a lava ardente do vulcão e a cratera ressoou. E os frades sucumbiram como sucumbem os tiranos depois do morticínio de suas vítimas.
         Abençoada serra e benditos pulsos que dirigiram a derrubada.
         Fora um relevante serviço prestado ao próximo.
         Aprendessem os governos naquele sublime exemplo de soberania popular.
         Anátema sobre aquele que tentasse restabelecer o domínio dos frades.


Os frades sobreviventes

         Em matéria divulgada na edição de 21 de janeiro de 1945, o Diário Popular, sob a legenda de “Flagrantes Urbanos”, com foto de Ramão Barros, dizia que aparentemente inexpressiva essa coluna de granito, que não passara despercebida ao “olho clínico” do experiente fotógrafo, que a havia fixado para aquele espaço, era ela, entretanto uma das poucas relíquias evocativas de um passado longínquo que escaparam ao vendaval remodelador das revoluções urbanísticas.
         Existiam, já naquele período, segundo o jornalista, apenas três exemplares desses frades de pedra em nossa cidade, com que os antigos previdentemente assinalavam os lugares por onde os veículos não deviam trafegar, porque naquele tempo, é claro, não existiam as calçadas.
         Eram, portanto, os sinaleiros da época e, por certo, constituíam, também, sintoma marcante de progresso.


         Apelava o jornalista ao prefeito, para que não consentisse que fossem retirados esses centenários frades de pedra que conheceram esta cidade ainda menina, dos lugares onde se encontravam.
         Parece não haver dúvida alguma da função desses frades, que não era a de como pensavam muitos, e talvez ainda pensem alguns, a de servir para que os cavaleiros e carroceiros amarrassem seus cavalos ou veículos.
         Ainda que a reportagem do Diário Popular não nos indique quais e onde estavam localizados os três frades existentes naquele ano, é provável supor que o flagrado pelo fotógrafo Barros estivesse localizado na Rua General Osório e, os outros dois, os que ainda existem na Rua Andrade Neves esquina Tamandaré e na Gonçalves Chaves, fundos da Igreja da Luz.


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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen      

Fotos: acervo de A. F. Monquelat

7 comentários:

  1. muito fera Sr. Adão, ja havia reparado nessas peças na rua e não sabia o nome.. bah muito fera, paranbens pela pesquisa. abrá

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  2. Ainda existe um perto da igreja da luz

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    1. Sim Régis, esse é o da foto em preto e branco, com uma seta indicativa, que ilustra o artigo.

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  3. Monquelat, o problema do frade da andrade neves, é que naquela esquina existiu por longos anos uma 'pensão' - a pensão da maria das te**s. portanto, no imaginário local, o monumento em questão servia para identificar tal 'estabelecimento comercial'. Ricardo Asso Mendes. adoasso@gmail.com

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  4. Meu caro, é realmente uma bela analogia entre o frade (símbolo fálico) e a Pensão da Suzana (se não me falha a memória), mas a razão da instalação desses frades era outra, que não a de indicar tais casas. Abraço.

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