(parte 6)
O jornal O Dia,
dando continuidade naquilo que entendia ser uma missão saneadora, foi ao antro
de outro Eusébio.
Este outro Eusébio, tido como bruxo, médico e fornecedor de
específicos curiosos, era o Eusébio Coutinho Barcellos, morador à Rua Marquês
de Caxias [atual Santos Dumont] nº470, lugar próprio à boa frequência, sem
testemunhas incômodas.
A clientela do Barcellos era a mais diversa possível.
Em sua residência, ia muita gente que parecia estar fora dos
limites da suspeita de que pudesse ser tão conscientemente explorada.
O Eusébio entendia o repórter, nascera para viver à tripa
forra sem grandes esforços.
Anteriormente fora mestre de dança, e, com esta alegre
atividade, viu passar na sala da sua escola mais de uma geração de moços.
Mais tarde, como a dança não mais representasse o filão de
ouro que ele imaginara, mudou de profissão e fez-se mandingueiro.
De Duque [pseudônimo de Antônio Lopes de Amorim, baiano,
célebre dançarino de maxixe] a Nostradamus, o Eusébio só encontrara uma pequena
dificuldade, e, esta seria a clientela, que bem poderia escassear. Tal, porém,
não aconteceu, e o “mágico” viu-se consultado por um sem número de infelizes
supersticiosos que lhe iam enchendo as algibeiras com generosas gorjetas.
E foi ele tão bem sucedido na escolha que, em pouco tempo na
nova atividade, já era senhor de algumas propriedades, e seria também de outras
notas de culpa e prisão se a polícia e a justiça se despreocupassem um pouco da
função de punir – e assim mesmo movidas, para tal, por alheios esforços – e se
voltassem para a inadiável tarefa de prevenir certos males que em Pelotas
campeavam, alertava o repórter.
O outro Eusébio, o tal Eusébio Coutinho Barcellos, era um
mandingueiro completo e refinado.
Deveria ser já muito velho, presumia o jornalista, “pois tem
a barba branca”.
Eusébio falava pernosticamente, demorando-se na pronúncia
dos esses e procurando dizer frases arredondadas, com a preocupação de parecer
um Hipócrates em pessoa, pois, além da parte ritualística da feitiçaria, ele
exercia a medicina e a farmácia, sendo prova indestrutível uma garrafa em poder
do jornalista, contendo uma beberagem da qual exalava um cheiro desagradável, e
que havia sido fornecida pelo pândego, e que ele pretendia levar no laboratório
da Escola de Agronomia, para análise.
A ação de Eusébio era preponderante sobre as pessoas
católicas, pois começava a impressioná-los com uma grande cruz de metal amarelo
que trazia pendente da cintura, lado direito.
A sua casa era confortável sob vários aspectos.
No templo do
mandingueiro, via-se um altar cheio de velas e santos.
Havia também ali uma pequena mesa coberta com um pano
estampado com losangos vermelhos. Sobre a mesa, viam-se grandes contas com
sinais cabalísticos usados na magia.
Pendentes do altar, havia dois rosários espantosamente
grandes.
Em sala contigua, a severidade religiosa do templo do
Eusébio era contrastada alegremente por um gramofone, cadeiras e outros móveis,
tudo disposto com asseio e certo bom gosto.
Ao ser recebido por Eusébio, o jornalista foi tratado por filho.
Queixou-se este de
andar mal acompanhado e sentir dores em todo o corpo, sonhando ainda, que o
diabo ia todas as noites alfinetar-lhe os rins e o fígado.
O Eusébio ouvia-o com afetado interesse, com os dedos da mão
direita entrelaçados nos da mão esquerda, fazendo, porém, os polegares darem
voltas em torno de si mesmo, ora num sentido, ora noutro, e por fim perguntou se ele, repórter, já havia
procurado tratar-se com algum médico.
Disse-lhe o jornalista que sim, o que acabou desencadeando
uma conferência científica sobre a
medicina que “por aí se exercia e que era improfícua, uma vez que não era
inspirada por São Praxedes, São Zacarias e São Sebastião”.
As criaturas que se entregavam nas mãos de um doutor podiam
ficar boas do corpo, mas continuavam com a alma suja, no poder do tinhoso,
disse-lhe Eusébio.
Eusébio não o auscultaria. O seu processo era o de consultar
o oráculo sobre o mau olhado, bruxedo
ou espíritos brejeiros ou maus que o “cliente” tinha nas entranhas.
E dizendo isso se encaminhou para a pequena mesa, muniu-se
de uma sineta, a fez soar três vezes, e chamou por esquisitos nomes de ilustres
personagens da África.
Por fim, sentou-se perto da mesa, jogou as contas
cabalísticas e perguntou ao cliente:
- Traz 2$000 aí?
O jornalista ficou estarrecido diante de tão pouca vergonha.
Eusébio acrescentou, logo a seguir:
- É para ver a sorte. Sem os 2$000 não se podem fazer os
trabalhos...
Deu-lhe os 2$000.
Ao cabo de alguns longos minutos de gestos bem teatralizados
e de exclamações ridículas, o Eusébio disse-lhe que os santos e os espíritos
não atendiam ao chamado naquele dia; mas, que ele não deixasse de ir ao dia
seguinte, e que não se esquecesse de levar 10$000.
Antes, porém, instruiu-lhe dizendo que, bem no meio do
cruzamento de qualquer rua, que tivesse igreja, fizesse com a mão direita,
fechando os 10$000, dobrados, o sinal da cruz para o lado dessa, devendo
repetir o sinal na direção do cemitério, e fazer ainda, o gesto, uma terceira vez em
direção ao céu.
No dia seguinte, logo de entrada, o jornalista entregou a
Eusébio a quantia solicitada na véspera.
Dessa quantia, escolheu Eusébio 2$000 em níquel, cujas
moedas jogou sobre o pano de losangos vermelhos, começando a desenvolver as
mesmas práticas ritualistas feitas no dia anterior.
Depois de haver atirado ao pano algumas das grandes contas
com sinais cabalísticos, dos que eram arbitrariamente usadas na magia, meditou
um pouco com a cabeça apoiada em ambas às mãos, que tremiam, como sob
influência estranha e misteriosa.
Ao fim de alguns segundos de ridícula farsa, o Eusébio
Coutinho foi discorrendo sobre o que vira, “a nosso respeito, na mansão dos
manipansos”.
Continua...
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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