segunda-feira, 27 de março de 2017

Eusébios: três feiticeiros da pequena África pelotense

(parte 5)



                                                                                                          A.F. Monquelat


         Dizendo tal sandice, espalhou as grandes contas negras sobre o dinheiro e chamou por: São Jerônimo! São Jorge! Santa Catarina!
         Esperou que os santos acudissem e, voltando-se para o lado do “cliente”, sentenciou:
         - Você é perseguido por uma mulher que está em Portugal. Esta, porém, não lhe faz tanta carga, mas aqui tem uma que o persegue, porque o estima e quer que você seja dela, custe o que custar.
         Escondendo o riso, o jornalista o ouvia:
         - Você, quando está no seu trabalho, tem dias que lhe dá vontade de voar. Os santos dizem-me que o seu corpo está contaminado de espíritos maus.
         E prosseguiu:
         - Você há de ficar rico e viver em uma casa alta. Há uma pessoa da família que lhe procura cortar a base de seus negócios.
         Eusébio fez ainda outras referências à vida íntima e o futuro do jornalista, “tão certas e tão pulhas como as anteriores”.      
         - Se os seus chefes (dissera o “cliente” ser operário de uma fábrica) deixassem você voltar... Não seria mau, porque tenho que o sujeitar a um trabalho extenuante.
         Ficou então o repórter de voltar para nova consulta, porém, antes de sair ouviu ainda de Eusébio que:
         - Para você ficar limpo e fechar o corpo a todos os males, tem que me dar 150$000 [réis].
         Perguntou o repórter, então, para que tanto dinheiro?
         - É para comprar um carneiro e um cabrito, sendo preferível um carneiro chifrudo.
         E continuou falando.
         - Mas não lhe dê cuidado. Eu mesmo compro os animais. Depois de sacrificá-los em intenção dos santos, juntarei o sangue que, ao fogo, será torrado e com o pó farei um breve que o livrará de todos os males, que o tinhoso procura botar-lhe no corpo, a mando da mulher daqui que o persegue.
         - Mas acha, Sr. Eusébio, que ficaremos bons? – indagou o jornalista.
         - Pois sem dúvida! Os santos não mentem nem se enganam – respondeu Eusébio.
         Fez Eusébio então o “cliente” jurar (Que o perdoasse Deus, exclamou) o mais absoluto segredo.
         Disse ainda que, por precaução, não seria demais que o jornalista tomasse parte, como confrade, na sexta-feira do holocausto, no dia seguinte.
         Procurou o repórter saber o que era a sexta-feira do holocausto.
         Disse-lhe Eusébio que era o dia destinado para os enfermos do diabo no corpo sujeitarem-se ao castigo que os santos determinassem ao passo que os confrades entravam nos pitéus que os crentes haviam oferecido aos santos.
         Como os santos não pudessem comer, delegavam os poderes da mastigação aos purificados.
         Os confrades purificados eram aqueles que, tendo sido... extorquidos nas suas economias pelo mandingueiro, contribuíam com 2.000 semanalmente para terem direito a comezaina.
         Prometeu o jornalista tomar parte na sessão do dia seguinte. Antes, porém, pretextou ele falta de dinheiro alegando não poder pagar os 150$000 para o cabrito e o carneiro chifrudo; contudo, foi ele espoliado em 10$000 para os primeiros preparativos, e em mais 2$000 para a sessão do dia seguinte.
         “Custou-nos 15$000 a sessão que nos dera Eusébio! Não há melhor negócio, hoje! Parece incrível”.
         No dia seguinte, “fomos à patifaria”.
         Ali já estava uma pobre senhora que ia tirar o diabo do corpo, ao mesmo tempo, que uma sociedade suspeita “de vagabundos davam às mandíbulas”, estracinhando com ferocidade os assados que os filhos da Beócia, durante a semana mandavam para a súcia de Eusébio.
         No dia seguinte, quando o jornalista entrou no “templo”, já estava lá a Sra. X.
         Estava ela em fralda de camisa, cabelos soltos e úmidos, de mãos entrelaçadas, tendo os braços estendidos acima da cabeça, mas de bruços, apoiada sobre os cotovelos, em uma posição “de chinês defronte dos monstrengos da religião de Confúcio”.



         O Deus que estava sendo adorado era um horroroso manipanso gordachudo e luzidio, feito de barro vidrado e com certeza modelado para esquisito adorno de alguma cimalha, dizia o repórter.
         O sacerdote [Eusébio] pontificava, tendo na mão uma vara ramalhuda, com a qual batia levemente na vítima, proferindo a palavra pulha chuá, que a assembleia repetia.
         A assembleia era composta de oito latagões [homens novos, robustos e de grande estatura] de gaforinha [carapinha] petulante, rebuscados na mais baixa ralé, e de outras tantas crioulas, de igual jaez.
         A senhora X já tinha vindo de um banho, que lhe havia dado o feiticeiro.
         Descrever tudo o que aconteceu naquele ritual com a infeliz supersticiosa seria, segundo o jornalista, propor-se a encher muitas colunas do jornal.
         Portanto, o importante é que ele dissesse que a senhora X, vinha de longa data enchendo as algibeiras do meliante e da sua súcia, para tirar do corpo os bruxedos que a amante de seu marido lhe havia propinado a fim de que o cônjuge transviado a abandonasse de um todo.
         A pobre senhora, todas as sextas-feiras, sujeitava-se ao ridículo ritual, que o patife lhe impunha, começando por aquele banho, que o espertalhão lhe dava, de narinas abertas debochadamente, tornando-se, assim, senhor dos mais íntimos segredos físicos e morais da infeliz senhora.
         Acabada a cerimônia, entrou a súcia nos pitéus que os crentes mandavam à casa do Eusébio para os santos, ficando os pratos limpos.
         Os ossos das galinhas assadas e as migalhas do festim eram postas em um fogareiro de brasas, colocado perto do altar e do qual saíam línguas de um fogo azulado produzido por enxofre.
         Ficavam, assim, todos purificados e o Eusébio com a semana garantida para novas patifarias.
         Eram inúmeras as façanhas do madraço. Tudo quanto a fantasia dos beócios lhe exigia ele executava, com a certeza de que tudo era feito a peso de dinheiro.
         Quando o jornalista saiu da casa de Eusébio, não conseguia acreditar que tudo aquilo se passasse no coração da cidade de Pelotas.
         Urgia que a polícia iniciasse um inquérito em torno desse perigoso elemento social, capaz de todos os delitos, dos mais infames atos, das mais sórdidas intrigas, pois que tipos como aquele, que estava simultaneamente incorrendo em dois ou mais artigos do Código Penal, não deveriam ter residência no seio da sociedade, pois, segundo o jornalista, pertenciam às galés.


                                                                                     Continua...
                                                                          
        
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

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