(parte 1)
O
redator do jornal O Rebate, aos 11 dias do mês de janeiro de 1916, falando
sobre a jogatina dizia-se com razão quando recebeu com uma gargalhada o
“decreto” sobre perseguição à tavolagem, pois voltara o vício a campear
impunemente em toda a parte, queimando assim a fita cinematográfica da chefatura de polícia estadual.
Dizendo estar tudo como
dantes, para variar, se perguntava:
- “Onde está a moralidade dessa gente que governa?”
É possível, no entanto, que a indignação do jornalista se
ativesse, no caso, a Pelotas, pois em seu jornal, daquele mesmo dia, publicara
que as autoridades de Porto Alegre, segundo constava, por notícias de lá
recebidas, continuavam a perseguir a jogatina.
Diariamente efetuavam-se diligências naquele sentido, sendo
conduzidos à prisão muitos viciosos e apreendidos os diversos utensílios do
jogo.
Assim, em um só dia, por exemplo, o delegado auxiliar, major
Orlando Motta, deu uma batida em um
armazém de secos e molhados, de propriedade do Sr. Ramão Beltrão, e ali
encontrou, a jogar, sete indivíduos, que foram presos; em uma casa de pasto, de
Oscar Castro e também prendeu, em flagrante, nove jogadores; em uma
confeitaria, à Rua Azenha nº 191 e levou presos 12 jogadores, apreendendo
mesas, cadeiras, baralhos, fichas, dados e dinheiro; por fim, já pela
madrugada, foi a um prédio à Rua Santana, ocupado por diversos jogadores,
apesar de haverá porta o letreiro, de “Aluga-se”, fugindo esses pelos muros e
telhados vizinhos.
Diante de tal atitude, se interrogava o redator: “porque
será que em Pelotas não se faz o mesmo, campeando como a jogatina campeia
desenfreadamente?”.
Tanto era, que na célebre casa de tolerância de Lili de tal,
a roleta, o bacará e outros jogos “inocentes” continuavam imperando, cantando
as fichas no pano verde, como gargalhadas a estalar na face do Sr. delegado de
polícia.
Essa autoridade, cuja palavra de honra fora quebrada pelas
imposições e concessões do chefe político local, Sr. Pedro Osório, não dera
ainda um passo, não tomara a mínima providência, diante das reiteradas
denúncias que O Rebate vinha trazendo
a lume, e que constituíam, segundo o jornalista, a prova esmagadora da verdade.
O Sr. delegado de polícia, fugindo ao cumprimento do dever e
até se tornando conivente com a patota da tavolagem, posto que sabendo da sua
existência não agia, perdera de todo a energia moral, avacalhara-se, consentindo que o prestígio de autoridade rolasse a
seus pés, enlameados pela reincidência criminosa e aviltante dos industriais da
jogatina.
Tivesse-se em outra conta o seu caráter, que não o de um
fraco ou de um vencido, ser-se-ia forçado a aceitar a hipótese de que outros
motivos “mais poderosos” atuavam na sua consciência para assim agir, com tanta
pusilanimidade e relaxamento.
O Rebate, porém,
não cansaria de clamar, exigindo o cumprimento da lei ou que de uma vez para
sempre caísse às plantas dos figurões do funcionalismo, a máscara da cor
duvidosa que traziam afiladas, com o intuito de aparentar uma moral que nunca
tiveram.
Prosseguiria o jornal na campanha e, se nada conseguisse,
restar-lhe-ia o consolo do dever cumprido.
A considerar pela matéria publicada pelo
mesmo jornal, dias depois, é possível supor que o cabaré da Lili, estivesse
localizado em outro local, pois, voltava o jornalista a anunciar, sob o título de
“Abaixo a jogatina. Com vistas à polícia. Conventilho em Pelotas”, que breve,
muito breve, seria aberto e franqueado ao público de Pelotas, um conventilho,
antro de verdadeira prostituição, onde se poderiam gozar os vapores da
embriaguês, do vício, do deboche e da corrupção.
Seria o cabaré situado à Rua Andrade Neves, passando a
Benjamim Constant, onde os amantes do lupanar encontrariam à frente do referido
estabelecimento, alegre, feliz e contente, uma sorridente francesa por apelido
Lili, que, com seus lábios impuros oscularia por certo as suas vítimas, na
voragem da infâmia, da degradação e da imoralidade.
Na mesma casa funcionária ainda um cabaré, que teria a sua
frente, como chefe absoluto da jogatina, um irrecuperável “Bicheiro” [banqueiro
de jogo de bicho], que vivia a custa do suor alheio, embrulhando sempre os
infelizes incautos na lista dos 25 [referência aos 25 bichos que compõe a
lista].
Informava o jornal que, por um negociante “honrado” desta
cidade, muitos móveis estavam sendo vendidos, e pagos à vista, para semelhante
antro.
Estava, portanto, devidamente montado e pronto para
funcionar.
Eram indispensáveis, com urgência, as providências da
polícia, enérgicas, prontas e decisivas.
Somente assim não teria a cidade a lamentar mais tarde um
resultado funesto, consequência do ajuntamento ilícito de gente de tão baixa
classe.
Prostituição e jogatina, companheiras inseparáveis, que
fazia lembrar ao jornalista os tempos da antiga Grécia.
Prostituição: venda da própria carne, no mais requintado
grau de desmoralização.
A quanto chegava à miséria humana, exclamava o jornalista.
Jogatina: descer todos os degraus da infâmia, perder por
completo a vergonha, ser afinal jogador.
E, no entanto, a polícia parava, vacilava e ficava estática.
Um pouco mais de boa vontade, de energia e de resolução, que
tudo ficaria acabado.
A cidade ficaria completamente limpa, e os petrechos bélicos se reduziriam a cinzas.
Esta que era a verdade nua e crua doesse a quem doesse,
sucedesse o que sucedesse.
Nada de pedidos, nada de proteções, cadeia com eles, porque
só assim ninguém mais se lembraria da jogatina, fora daí, tudo era conversa
fiada.
Encerrava prometendo voltar no dia seguinte, com fôlego
jurídico, ao assunto, a fim de retalhar os cadáveres da desmoralização e do
vício.
Continua...
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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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