Eusébios:
três feiticeiros da pequena África
pelotense (parte
8 e final)
A.F. Monquelat
Eusébio exigia, também, que o comerciante levasse uma camisa
e um par de ceroulas da “vítima”, peças de roupa que o bruxo benzia e incensava,
dizendo:
- Oies, boboniche, maruá
noéi! Santa Bárbara, São Jerônimo, Santo Ogun!
A par disto tudo, o
Eusébio fornecia, quase diariamente, as suas infusões inofensivas, que eram
bebidas pelo rapaz inconscientemente, pois o efeito da beberagem e das
benzeduras e dos boboniches estava
assentado na ignorância completa em que o paciente se deve achar em tratamento.
O certo foi que, ao final de algum tempo, o rapaz foi
revelando perturbação das faculdades mentais, e tão acentuadamente que, em
certa ocasião, acometido de furioso acesso de loucura, foi metido em uma camisa
de força e levado para o 3º posto policial.
Coincidiu, também, que cessando as práticas do Eusébio e os
seus chás caseiros, inofensivos e caridosos, começou ele a melhorar e, dias
depois saía do 3º posto, restabelecido.
Era impossível, nessa altura, atribuir ao remédio do
charlatão aquele violento efeito, principalmente depois que o caso passara;
mas, o que não se podia negar, era que as virtudes do feitiço foram inócuas,
pois o rapaz encheu o estômago com as infusões do charlatão, as suas roupas
foram benzidas, acenderam-se inúmeras velas, as agulhas tiveram então grande
consumo...e o rapaz continuava inteiramente envolvido com “ a decaída e que ele
elevou à altura do seu afeto”.
Servisse aquilo lição aos incautos, e ficasse ciente a
autoridade de mais essa patifaria.
E concluía o repórter dizendo que parecia incrível que se
tolerasse numa cidade culta como a nossa práticas tão infames.
O resultado da análise
da beberagem do Eusébio
“Escola de Agronomia e Veterinária. Laboratório de Química.
Nº1806 Rs. 25.000
Recebi do jornal O Dia
um líquido amarelo-sujo, de cheiro particular, para analisar.
Analisado resultou: Volume recebido 640 cc
Reações positivas de açúcar comum, de canela, havendo traços
de alcaloides e muita clorofila, numa decocção de plantas, talvez indígenas.
Filtrado, o líquido deixou um resíduo que, examinado a
microscópio só revelou a presença de células e fibras vegetais não amiudadas.
A pesquisa dos ácidos oxálico e cianídrico e dos minerais em
geral, deu resultado negativo.
Parecendo não haver mais interesse em continuar a análise, porque
não apresenta substâncias nocivas à saúde, envio este resultado, aguardando
vossas ordens. Manoel Luiz Osório/ Diretor e Luiz G. Gomes de Freitas, chefe do
Laboratório”.
A morte e alguns traços
biográficos de Eusébio
No dia 6 de junho de 1928, era
noticiado pelo jornal O Libertador
que sepultara-se naquele dia um dos tipos populares de Pelotas: Eusébio de
Queiroz Coutinho Barcellos.
Não havia pelotense que não o conhecesse. Escravo, depois
carpinteiro, o preto Eusébio foi-se tornando célebre, aos poucos por “virtudes
de quiromancia” e outras, até que se fez médico licenciado, “à sombra da
impagável lei da liberdade profissional”.
A sua fama transpôs os umbrais da gente elegante. Curava com
passes, ervas benzeduras e orações – o que levou ao seu consultório muita
“gente de penacho”.
Curava e dava bailes alegres, frequentados pela “elite” das
caboclas e pretinhas e por delegados errantes da jeunesse dorée [jovens ricos e privilegiados].
Aí, como professor de baile, prestou inolvidáveis serviços e
foi precursor de bailarinos que batiam os recordes das danças, em dezenas de
horas a fio [maratonas], “por esse mundo a fora”.
Por tudo isso, segundo o jornalista, deveria ter deixado
fortuna, feita à custa da destreza das pernas e da “medicina de charlatanismo”.
Eusébio adquiriu tal fama, que o “eminente” professor Fernando
de Magalhães [médico obstetra, professor da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro e orador brasileiro], quando em Pelotas esteve, outubro de 1926, foi
visitar, por curiosidade, o popular médico licenciado.
Morreu Eusébio aos 80 anos de idade.
Acreditamos que Eusébio de Queiroz Coutinho Barcellos tenha
sido um dos raros casos de ascensão de um ex-escravo no Brasil republicano.
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto e postagem: Jonas Tenfen
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