(parte 4)
- Volte, volte – disse-lhe a “preta velha”, de chato nariz
africano a se esparrinhar pelas bochechas gordachudas e luzidias.
- Não é só o senhor que o tem procurado hoje. – continuou a
preta velha - A senhora X (e citou o nome de uma mulher bastante conhecida e
importante da cidade) também hoje já aqui esteve, e ficou de voltar amanhã.
Interessado, indagou o jornalista:
- Também sofre essa senhora?
- Sofre, mas não é da sua moléstia. É cá uma coisa... Amanhã
o Eusébio virá – afirmou ela.
No dia seguinte, a mesma decepção: a clientela do Eusébio
não o havia deixado regressar de Rio Grande.
Dias depois de frustradas tentativas, finalmente Eusébio foi
encontrado pelo jornalista.
Ele mesmo nos veio abrir a porta, já prevenido, naturalmente
da nossa visita e informado dos nossos males, narrou o jornalista.
O repórter foi recebido com “carinho paternal”.
O Eusébio, segundo o jornalista, descendia em linha reta de
pretos da África. Os seus traços étnicos eram inconfundíveis: era gordo, nédio
[reluzente], retinto, espadaúdo, porejando fartura, confiante no êxito da vida.
Era um indivíduo de 35 anos mais ou menos. Usava cabelo
curto, “como os de sua raça”, bigode à americana que lhe cobria o grosso lábio
superior. Era maneiroso, melífluo [doce, suave], de gesto estudado e frase
calculada.
Usava uma larga pulseira de ouro no braço esquerdo.
Com a sua voz aflautada, fez o repórter entrar e o
introduziu na sala de visitas. Longe do que o supunha ,nada ali havia que
demonstrasse estar em pleno templo da mandinga: nenhum sinal cabalístico, nada
de corujas, nem gatos pretos, nem caveiras.
Tratava-se de uma sala mobiliada com uma tentativa esmerada
de luxo.
De extraordinário, o jornalista notara apenas uma mesa
redonda, ao centro da sala, um alguidar de barro vidrado com canjica fumegante,
um prato com um frango assado, uma grande travessa com batatas fritas, um prato com batata doce cozida, uma travessa
com pombos assados, uma com enorme polpa de carne assada, arroz e outras
iguarias.
Uma fruteira com bananas e laranjas completavam a mesa, que
bem parecia um mostruário de restaurante.
Ante toda aquela provisão, o jornalista fez-lhe uma pergunta
altamente ingênua:
- Vai jantar? Queira desculpar o virmos interromper.
- Oh! Não – atalhou Eusébio. – Isto são promessas para dar de comer aos
santos!
E, convencido de que o jornalista acreditara naquela
“patranha deslavada”, retirou-se para o interior da casa.
Logo em seguida, a mesma preta velha, gorda e senhorial que
lhe atendera dias antes à porta, foi fazer-lhe sala.
Sempre parecendo o mais tolo possível, dentro de poucos
minutos a interlocutora viu que não era preciso grandes artifícios com o
“cliente” e entrou logo no assunto.
Perguntou-lhe por e para que procurava o Eusébio.
Disse-lhe ser filho de além-mar, e que há muito não recebia
notícias de seus familiares. Que isto lhe proporcionava péssimos momentos.
Parecia ter ele alguma coisa dentro do corpo que não o deixava sossegar, nem
mesmo à noite, e que decidiu ir ali com o propósito de Eusébio o livrar daquela
aflição.
A mulher pensou um pouco e depois disse, com o maior
descaramento:
- O meu filho vai deixá-lo bem (soube o repórter então, que se
tratava da mãe de Eusébio).
- Quando ele vier (continuou ela) lhe dirá “uá”, que quer
dizer dinheiro. Diga-lhe que sim, conte 30$000 [réis], bote esse dinheiro na
palma da mão e o bafeje três vezes.
Instruído nos primeiros mistérios do Eusébio, retirou-se a “ridícula
mestra dos noviços”, não tardando que fosse ouvida a voz aflautada do meliante,
que se mostrava irritado com um recado que recebera de alguém, que reclamara
uns objetos ali deixados, por um cliente que falecera.
- Não se entrega nada. – vinha Eusébio berrando – Quem
morreu, morreu!
E entrou na sala, calculadamente alheado da presença do
jornalista, para evitar que este supusesse que a companheira de farsa o
houvesse inteirado de alguma coisa a respeito.
De acordo com o previsto, foi ele ao encontro do “cliente” e
disse :
- Uá?
Respondeu o jornalista que sim, e foi convidado, então, a
entrar para outro compartimento.
No quarto em que Eusébio armara o “templo”, dentro do qual “pontificava”
para os incautos, de quem arrancava generosas contribuições, havia um armário
formado de pequenas gavetas sobrepostas.
Ao centro desse armário, em um vão, havia uma boa quantidade
de bananas.
Mais em baixo, sobre um banco, tudo religiosamente disposto
como se tratasse de um armário, vários pratos com convidativos manjares.
Pelas paredes, diversos objetos do “ofício”, que Eusébio
disse ao jornalista ter herdado do pai.
No ambiente, havia um forte aroma de incenso misturado com o
alho das iguarias que ali estavam.
Entrando no “templo”, o consumado explorador lhe ordenou que
depositasse o dinheiro, os tais 30$000 [réis], perto dos pratos que ali se
achavam postos com carne assada, peixe frito e elementos de paparóca.
Obedeceu-o. Pegou então Eusébio algumas contas semelhantes a
nozes, mas pintadas de preto, e grunhiu:
- Atenção, meu irmão. Uá. Chuá. Uá. Chuá
Inquirido pelo jornalista sobre aquilo, disse que estava
chamando os santos, que lhe protegeriam.
Continua...
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
Hehehe - muito fera, aguardando o prosseguir do foletim.
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