terça-feira, 21 de março de 2017

Eusébios: três feiticeiros da pequena África pelotense

(parte 4)

                                                   


                                                  A.F. Monquelat



         - Volte, volte – disse-lhe a “preta velha”, de chato nariz africano a se esparrinhar pelas bochechas gordachudas e luzidias.
         - Não é só o senhor que o tem procurado hoje. – continuou a preta velha - A senhora X (e citou o nome de uma mulher bastante conhecida e importante da cidade) também hoje já aqui esteve, e ficou de voltar amanhã.
         Interessado, indagou o jornalista:
         - Também sofre essa senhora?
         - Sofre, mas não é da sua moléstia. É cá uma coisa... Amanhã o Eusébio virá – afirmou ela.
         No dia seguinte, a mesma decepção: a clientela do Eusébio não o havia deixado regressar de Rio Grande.
         Dias depois de frustradas tentativas, finalmente Eusébio foi encontrado pelo jornalista.
         Ele mesmo nos veio abrir a porta, já prevenido, naturalmente da nossa visita e informado dos nossos males, narrou o jornalista.
         O repórter foi recebido com “carinho paternal”.
         O Eusébio, segundo o jornalista, descendia em linha reta de pretos da África. Os seus traços étnicos eram inconfundíveis: era gordo, nédio [reluzente], retinto, espadaúdo, porejando fartura, confiante no êxito da vida.
         Era um indivíduo de 35 anos mais ou menos. Usava cabelo curto, “como os de sua raça”, bigode à americana que lhe cobria o grosso lábio superior. Era maneiroso, melífluo [doce, suave], de gesto estudado e frase calculada.
         Usava uma larga pulseira de ouro no braço esquerdo.
         Com a sua voz aflautada, fez o repórter entrar e o introduziu na sala de visitas. Longe do que o supunha ,nada ali havia que demonstrasse estar em pleno templo da mandinga: nenhum sinal cabalístico, nada de corujas, nem gatos pretos, nem caveiras.
         Tratava-se de uma sala mobiliada com uma tentativa esmerada de luxo.
         De extraordinário, o jornalista notara apenas uma mesa redonda, ao centro da sala, um alguidar de barro vidrado com canjica fumegante, um prato com um frango assado, uma grande travessa com batatas fritas, um  prato com batata doce cozida, uma travessa com pombos assados, uma com enorme polpa de carne assada, arroz e outras iguarias.
         Uma fruteira com bananas e laranjas completavam a mesa, que bem parecia um mostruário de restaurante.
         Ante toda aquela provisão, o jornalista fez-lhe uma pergunta altamente ingênua:
         - Vai jantar? Queira desculpar o virmos interromper.
         - Oh! Não – atalhou Eusébio.  – Isto são promessas para dar de comer aos santos!
         E, convencido de que o jornalista acreditara naquela “patranha deslavada”, retirou-se para o interior da casa.
         Logo em seguida, a mesma preta velha, gorda e senhorial que lhe atendera dias antes à porta, foi fazer-lhe sala.
         Sempre parecendo o mais tolo possível, dentro de poucos minutos a interlocutora viu que não era preciso grandes artifícios com o “cliente” e entrou logo no assunto.
         Perguntou-lhe por e para que procurava o Eusébio.
         Disse-lhe ser filho de além-mar, e que há muito não recebia notícias de seus familiares. Que isto lhe proporcionava péssimos momentos. Parecia ter ele alguma coisa dentro do corpo que não o deixava sossegar, nem mesmo à noite, e que decidiu ir ali com o propósito de Eusébio o livrar daquela aflição.
         A mulher pensou um pouco e depois disse, com o maior descaramento:
         - O meu filho vai deixá-lo bem (soube o repórter então, que se tratava da mãe de Eusébio).
         - Quando ele vier (continuou ela) lhe dirá “uá”, que quer dizer dinheiro. Diga-lhe que sim, conte 30$000 [réis], bote esse dinheiro na palma da mão e o bafeje três vezes.
         Instruído nos primeiros mistérios do Eusébio, retirou-se a “ridícula mestra dos noviços”, não tardando que fosse ouvida a voz aflautada do meliante, que se mostrava irritado com um recado que recebera de alguém, que reclamara uns objetos ali deixados, por um cliente que falecera.
         - Não se entrega nada. – vinha Eusébio berrando – Quem morreu, morreu!
         E entrou na sala, calculadamente alheado da presença do jornalista, para evitar que este supusesse que a companheira de farsa o houvesse inteirado de alguma coisa a respeito.
         De acordo com o previsto, foi ele ao encontro do “cliente” e disse :
         - Uá?
         Respondeu o jornalista que sim, e foi convidado, então, a entrar para outro compartimento.
         No quarto em que Eusébio armara o “templo”, dentro do qual “pontificava” para os incautos, de quem arrancava generosas contribuições, havia um armário formado de pequenas gavetas sobrepostas.
         Ao centro desse armário, em um vão, havia uma boa quantidade de bananas.
         Mais em baixo, sobre um banco, tudo religiosamente disposto como se tratasse de um armário, vários pratos com convidativos manjares.
         Pelas paredes, diversos objetos do “ofício”, que Eusébio disse ao jornalista ter herdado do pai.
         No ambiente, havia um forte aroma de incenso misturado com o alho das iguarias que ali estavam.
         Entrando no “templo”, o consumado explorador lhe ordenou que depositasse o dinheiro, os tais 30$000 [réis], perto dos pratos que ali se achavam postos com carne assada, peixe frito e elementos de paparóca.
         Obedeceu-o. Pegou então Eusébio algumas contas semelhantes a nozes, mas pintadas de preto, e grunhiu:
         - Atenção, meu irmão. Uá. Chuá. Uá. Chuá
         Inquirido pelo jornalista sobre aquilo, disse que estava chamando os santos, que lhe protegeriam.


                                                                                              Continua...
                                                                          
        
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

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