terça-feira, 7 de março de 2017

Eusébios: três feiticeiros da pequena África pelotense

(parte 3)


                                                                                                          A.F. Monquelat




         O jornal O Dia aos 11 dias do mês de setembro de 1916 anunciava, como reportagem sensacional, “Uma digressão ao mundo dos exploradores”, com o intuito de mostrar aos seus leitores como se vivia em Pelotas à custa da ingenuidade religiosa dos incautos.
         Para tal finalidade a redação daquele jornal foi “Ver” e “Colher” nos esconsos [escorregadios, ocultos, esconderijos] sítios de Pelotas, nos quais centenas de pessoas, de boa fé, eram asquerosa e miseravelmente exploradas, e onde se tramavam as maiores intrigas contra a tranquilidade das famílias, quiçá, contra a honra e a vida privada, segundo o redator.
         Além das provas circunstanciais, o jornal dizia ter recolhido, também, as de ordem material, para levá-las, oportunamente, à presença da polícia.
         A sociedade pelotense, que vivia despreocupadamente em família, confiante nela própria, não sabia que no bas-fond da cidade, elementos de fora gravitavam criminosamente em torno das suas presas, nelas saciando a ganância que os movia.
         Parecendo tratar-se de um assunto irrelevante, aos poucos os leitores iriam se convencendo de que o tema era de extrema importância, urgindo, por parte da polícia, uma rápida e enérgica medida, no sentido de varrer do nosso meio uns tantos “patifes lombrosianos” que, vivendo fartamente, iam fazendo as suas vítimas.
         Dando início à sua proposta, diz-nos o jornalista que, há dias conversando com uma senhora idosa e da boa fé, relatou-lhe ela que, entre outras penas do passado, tivera ela um filho, já moço, forte, que lhe era toda a razão de existir.
         O filho adoeceu e, depois de ter sido tratado por vários médicos, fora, a conselho de alguém, consultar a uma mulher que praticava “criminosamente a feitiçaria”.
         O rapaz, “espírito fraco, educado sob o pavor dos augustos mistérios que os professores de catecismo mandam decorar”, mas não sabiam explicar, entregando-se inteiramente às benzeduras e aos exorcismos da “bruxa”, passou depois a medicar-se com umas beberagens.
         Dias depois, morria o infeliz, vitimado, talvez, pelo charlatanismo e exploração da velha mandingueira.
         Diante daquele relato, é que resolveu o jornalista de O Dia, então, ir pessoalmente aos muitos “templos” onde se explorava a ingenuidade religiosa de muita gente, inclusive de pessoas que, pela sua posição social e aparência moral, deveriam estar fora do alcance dos exploradores da credulidade pública, no entendimento do repórter.
         Visitou ele então, um a um, os antros obscuros nos quais os mandingueiros, com o maior cinismo e despudor, teciam as suas intrigas e fabricavam as suas poções suspeitas.
         Assim, dizia o repórter ter coletado grande série de fatos e não menor número de provas.
         Conseguira saber nome por nome de pobres senhoras e cavalheiros que, habitualmente, frequentavam os “templos” dos manipansos, ali deixando dinheiro, saúde, segredos da vida, habilmente colhidos pelos exploradores para fins inconfessáveis e, prestando-se ainda, a infeliz clientela a papéis pouco edificantes.
         Havia, em Pelotas, feiticeiros espíritas falsificados, falsos sacerdotes, médicos charlatães, etc. que, agindo com o maior descaramento e com a mais deslavada pouca vergonha.  Iam ganhando fartamente a vida, à revelia da polícia e, por consequência, da justiça.
         Havia, também, no bas-fond de Pelotas as feiticeiras denominadas de fazedoras de anjos, as quais se dedicavam ao caftismo e também as que se encarregavam de provocar abortos.
         Todos eles, dizia o jornalista, estavam incursos nas penas da lei.
         Havia, em poder do jornalista, garrafas de “remédios” fornecidas pelos intrujões, das quais análise química ele iria mandar proceder.
         O artigo 157 previa a prática do espiritismo, magia, uso de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio e amor        , a aplicação das penas de um a seis meses de prisão e multa de 100$000 a 500$000.
         Para levar a cabo a completa reportagem, prestou-se o repórter a fazer o papel de cliente de toda a espécie.
         E assim, vamos encontrá-lo:


No “templo” do famoso explorador Eusébio

         Um mulatão nédio [reluzente], moço, forte, que tinha a sua tenda à Rua 3 de Maio nº254, da qual extraía os maiores e melhores proveitos em dinheiro e os mais fartos pitéus em nome e benefício dos “santos”, os quais ele tinha de sustentar todas as sextas-feiras.
         Parado em frente ao número indicado da 3 de Maio, deparou-se o repórter com uma casa de boa aparência, limpa por fora e aparentando uma agradável residência, o que o deixou indeciso quanto a ser ou não, ali, o “antro do mandingueiro”.
         Bateu ele de forma decidida. Instantes de espera, e depois atendido.
         Ao encontro do jornalista veio uma mulher negra, de idade avançada, gorda, flácida, reluzente, expressão tranquila e irônica na fisionomia patusca [divertida, cômica, brincalhona], limpa, tirando grandes tragadas de um cigarro de papel, procurando estender a frase “com o acento demorado das lendárias senhoras de engenho”.
         - É aqui que mora o Sr. Eusébio? – indagou o jornalista.
         - Que quer com o Sr. Eusébio? – perguntou a interlocutora, sem ter respondido a pergunta, mas que, de forma indireta, o deixou com a certeza de que não se enganara de endereço.
         E, com toda a habilidade, transformou-se ele, aos olhos da mulher, em um dos muitos ingênuos que formavam a vasta clientela do feiticeiro.
         Fazendo-se de vítima de um mal secreto que o atormentava e fazendo crer que ali estava convencido de que todos os manipansos conhecidos e por conhecer é que os haviam inspirado a procurar o sacerdote dos mistérios insondáveis “da magia e da canalhice”.
         Não demorou muito para que ela o julgasse, de fato, um cliente sincero, e confessou que o Eusébio que ele buscava era o que ali morava, capaz de com suas orações e exorcismos lhe tirar o “bruxedo” do corpo.
         Mas, o famoso curandeiro não estava em casa, pois havia viajado para a cidade vizinha, Rio Grande, para atender a um chamado.
         A fama do intrujão era conhecida, também, na cidade de Rio Grande.
         Paciencioso, o jornalista disse a ela que voltaria no dia seguinte.


                                                                                              Continua...
                                                                          
        
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

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