(parte 3)
O jornal O Dia aos
11 dias do mês de setembro de 1916 anunciava, como reportagem sensacional, “Uma
digressão ao mundo dos exploradores”, com o intuito de mostrar aos seus
leitores como se vivia em Pelotas à custa da ingenuidade religiosa dos
incautos.
Para tal finalidade a redação daquele jornal foi “Ver” e
“Colher” nos esconsos [escorregadios, ocultos, esconderijos] sítios de Pelotas,
nos quais centenas de pessoas, de boa fé, eram asquerosa e miseravelmente
exploradas, e onde se tramavam as maiores intrigas contra a tranquilidade das
famílias, quiçá, contra a honra e a vida privada, segundo o redator.
Além das provas circunstanciais, o jornal dizia ter
recolhido, também, as de ordem material, para levá-las, oportunamente, à
presença da polícia.
A sociedade pelotense, que vivia despreocupadamente em
família, confiante nela própria, não sabia que no bas-fond da cidade, elementos de fora gravitavam criminosamente em
torno das suas presas, nelas saciando a ganância que os movia.
Parecendo tratar-se de um assunto irrelevante, aos poucos os
leitores iriam se convencendo de que o tema era de extrema importância,
urgindo, por parte da polícia, uma rápida e enérgica medida, no sentido de
varrer do nosso meio uns tantos “patifes lombrosianos” que, vivendo fartamente,
iam fazendo as suas vítimas.
Dando início à sua proposta, diz-nos o jornalista que, há
dias conversando com uma senhora idosa e da boa fé, relatou-lhe ela que, entre
outras penas do passado, tivera ela um filho, já moço, forte, que lhe era toda
a razão de existir.
O filho adoeceu e, depois de ter sido tratado por vários
médicos, fora, a conselho de alguém, consultar a uma mulher que praticava
“criminosamente a feitiçaria”.
O rapaz, “espírito fraco, educado sob o pavor dos augustos
mistérios que os professores de catecismo mandam decorar”, mas não sabiam
explicar, entregando-se inteiramente às benzeduras e aos exorcismos da “bruxa”,
passou depois a medicar-se com umas beberagens.
Dias depois, morria o infeliz, vitimado, talvez, pelo
charlatanismo e exploração da velha mandingueira.
Diante daquele relato, é que resolveu o jornalista de O Dia, então, ir pessoalmente aos muitos
“templos” onde se explorava a ingenuidade religiosa de muita gente, inclusive
de pessoas que, pela sua posição social e aparência moral, deveriam estar fora
do alcance dos exploradores da credulidade pública, no entendimento do
repórter.
Visitou ele então, um a um, os antros obscuros nos quais os
mandingueiros, com o maior cinismo e despudor, teciam as suas intrigas e
fabricavam as suas poções suspeitas.
Assim, dizia o repórter ter coletado grande série de fatos e
não menor número de provas.
Conseguira saber nome por nome de pobres senhoras e
cavalheiros que, habitualmente, frequentavam os “templos” dos manipansos, ali
deixando dinheiro, saúde, segredos da vida, habilmente colhidos pelos
exploradores para fins inconfessáveis e, prestando-se ainda, a infeliz clientela
a papéis pouco edificantes.
Havia, em Pelotas, feiticeiros espíritas falsificados,
falsos sacerdotes, médicos charlatães, etc. que, agindo com o maior
descaramento e com a mais deslavada pouca vergonha. Iam ganhando fartamente a vida, à revelia da polícia
e, por consequência, da justiça.
Havia, também, no bas-fond
de Pelotas as feiticeiras denominadas de fazedoras de anjos, as quais se
dedicavam ao caftismo e também as que se encarregavam de provocar abortos.
Todos eles, dizia o jornalista, estavam incursos nas penas
da lei.
Havia, em poder do jornalista, garrafas de “remédios”
fornecidas pelos intrujões, das quais análise química ele iria mandar proceder.
O artigo 157 previa a prática do espiritismo, magia, uso de
talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio e amor , a aplicação das penas de um a seis
meses de prisão e multa de 100$000 a 500$000.
Para levar a cabo a completa reportagem, prestou-se o
repórter a fazer o papel de cliente de toda a espécie.
E assim, vamos encontrá-lo:
No “templo” do famoso
explorador Eusébio
Um mulatão nédio [reluzente], moço,
forte, que tinha a sua tenda à Rua 3 de Maio nº254, da qual extraía os maiores
e melhores proveitos em dinheiro e os mais fartos pitéus em nome e benefício
dos “santos”, os quais ele tinha de sustentar todas as sextas-feiras.
Parado em frente ao número indicado da 3 de Maio, deparou-se
o repórter com uma casa de boa aparência, limpa por fora e aparentando uma
agradável residência, o que o deixou indeciso quanto a ser ou não, ali, o
“antro do mandingueiro”.
Bateu ele de forma decidida. Instantes de espera, e depois
atendido.
Ao encontro do jornalista veio uma mulher negra, de idade
avançada, gorda, flácida, reluzente, expressão tranquila e irônica na
fisionomia patusca [divertida, cômica, brincalhona], limpa, tirando grandes
tragadas de um cigarro de papel, procurando estender a frase “com o acento
demorado das lendárias senhoras de engenho”.
- É aqui que mora o Sr. Eusébio? – indagou o jornalista.
- Que quer com o Sr. Eusébio? – perguntou a interlocutora,
sem ter respondido a pergunta, mas que, de forma indireta, o deixou com a
certeza de que não se enganara de endereço.
E, com toda a habilidade, transformou-se ele, aos olhos da
mulher, em um dos muitos ingênuos que formavam a vasta clientela do feiticeiro.
Fazendo-se de vítima de um mal secreto que o atormentava e
fazendo crer que ali estava convencido de que todos os manipansos conhecidos e
por conhecer é que os haviam inspirado a procurar o sacerdote dos mistérios insondáveis
“da magia e da canalhice”.
Não demorou muito para que ela o julgasse, de fato, um
cliente sincero, e confessou que o Eusébio que ele buscava era o que ali
morava, capaz de com suas orações e exorcismos lhe tirar o “bruxedo” do corpo.
Mas, o famoso curandeiro não estava em casa, pois havia
viajado para a cidade vizinha, Rio Grande, para atender a um chamado.
A fama do intrujão era conhecida, também, na cidade de Rio
Grande.
Paciencioso, o jornalista disse a ela que voltaria no dia
seguinte.
Continua...
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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