quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O pecado (parte 5)



 
 
 
O pecado (parte 5)*
pelotasdeontem.blogspot.com.br
         A.F. Monquelat
 
Coisas da polícia
Às duas horas da madrugada do dia 13 de fevereiro de 1884, dois praças da seção policial arrombaram a porta do botequim de Pedro Canderini, à Rua General Osório, e dali tiraram à força Gabriela Ferreira da Silva, inquilina daquela bodega, e a arrastaram para fora da cidade, “cevando nela seus instintos brutais”.
Nesta façanha, foi coadjuvante um ex-praça da polícia.
O proprietário do botequim ficou bastante machucado por ter-lhe caído sobre um pé a porta, na ocasião de ser arrombada.
Constava que, sabendo do ocorrido, o Sr. delegado de polícia mandou recolher ao xadrez os autores da façanha.
 
Padeiro espanhol, por causa de uma cocote, tenta o suicídio.
O fato foi noticiado como mais uma loucura e um crime provenientes das exigências do coração, dos devaneios da fantasia ou do desarranjo das faculdades mentais. Manoel Malhão, espanhol, 30 anos, profissão padeiro, entretinha relações amorosas com certa “deidade do mundo equívoco” com residência à Rua Santo Antônio [Miguel Barcelos]. (Este santo bem poderia ter evitado a desgraça se fosse mais milagrosamente casamenteiro.)
Viviam um para o outro e pareciam ter encontrado a suprema felicidade.
De repente... ela, por suas conveniências ou por qualquer outra circunstância, bateu a linda plumagem, como lá se dizia, deixando abandonado o quarto em que residia e entregando a chave ao seu proprietário.
Manoel deu pelo caso quando voltou para casa, no horário de costume.
Imaginem que de torturas, que de contrariedades, que de alucinações não sofreu Manoel ao ver deserto o ninho de seus amores.
Não hesitou um instante.
A paixão tem dessas resoluções extremas.
Muniu-se de uma porção de verde-paris [Verde-paris foi um dos primeiros "inseticidas" a ser utilizado. Ele é lembrado como um dos exemplos mais emblemáticos de um inseticida sintético inorgânico, e tem uma história bastante peculiar] e de uma garrafa de cachaça.
Saltou o muro dos fundos da casa onde gozara de seus gratos instantes de felicidade, sentou-se ao portal do quarto, que pertencera à fugitiva, e, para vingar-se dela, do seu desprezo, ingeriu o verde-paris e a cachaça também.
Tudo isto aconteceu por volta da meia-noite do dia 18 de fevereiro de 1884, quando a lua despontava no firmamento.
Pobre e infortunado Manoel.
Que tormentos não passou no terrível instante de sentir a vida resvalar pela vala comum.
Não era, porém, chegada a sua hora, como diria um fatalista.
A cachaça salvou-o pois é um excelente contra veneno.
Dia 19, pela manhã, foi encontrado quase morimbundo.
O delegado de polícia soube da ocorrência e o mandou transportar à Santa Casa de Misericórdia.
Talvez escapasse da morte, embora fosse grave o seu estado.
Se assim acontecesse, comentava o jornalista, seria mais um mártir do amor e menos uma vítima das cocotes [prostitutas].
No bolso do Sr. Malhão, foi encontrada a seguinte carta, dirigida a ele mesmo: “Sr. Manoel Malhão. Peço desculpas a meus amigos e conhecidos, e às Sras. Autoridades [peço que] não tomem conta nisto porque, talvez, com o positivo será encontrado morto ou vivo, envenenado pela minha própria mão. Peço desculpas à autoridade, e que não faça caso nenhum, donde quer que eu seja achado. Pelotas, 18 de fevereiro de 1884”.
 
Preta, louca, seminua, obscena e vagabunda
Aos 14 dias do mês de março de 1884, o jornalista do A Nação chamava a atenção do Sr. Delegado de polícia para uma infeliz “preta louca” que percorria as ruas da cidade, seminua e proferindo obscenidades, inconsciente do que fazia.
Além de dar-se diariamente um “espetáculo repugnante” perante o público, excitava a compaixão pelo seu miserando estado.
Condoesse-se também dela a autoridade, providenciando, de modo a fazer cessar “a vagabundagem da infeliz alienada”, e prestaria assim um serviço à moralidade pública.
 
Rolo na bodega da Rua General Osório
O jornal A Nação de 23 de maio de 1884 chamava a atenção do Sr. delegado de polícia para diversas bodegas da Rua General Osório, onde continuamente se davam distúrbios, com grave ofensa da moralidade pública.
Ainda na noite do dia anterior houve forte baderna numa daquelas bodegas, e, depois de grossa pancadaria ficou gravemente ferido, com uma facada, um indivíduo que se opôs a que um tal João Alfaiate esfaqueasse uma meretriz que morava na tal bodega.
Não convinha que em uma cidade como Pelotas repetissem-se diariamente aquelas cenas, por isso o jornal apelava para o Sr. major Caldeira, esperando que este, com toda a energia, pusesse um fim a tantos desmandos.
 
Cenas escandalosas
Alerta Sr. Major Delegado de polícia e tome providências para obstar a repetição das cenas vergonhosas que estavam acontecendo na Rua Gonçalves Chaves, promovidas pela meretriz Amélia da Cunha.
As certas horas da noite agrupavam-se à porta daquela mulher alguns rapazolas e começava o tiroteio de obscenidades, provocados por Amélia da Cunha.
A bem da moralidade pública e em atenção às respeitáveis famílias que moravam nas proximidades daquele local, pedia o jornalista do A Nação ao Sr. delegado de polícia que pusesse fim a tais desmandos.
 
Atenção para as imoralidades no antigo salão da Bixa
O jornalista do A Nação, dia 23 de junho de 1884, chamava a atenção da autoridade policial para o fato de os proprietários do antigo salão da Bixa, à Rua São Jerônimo [atual Marechal Floriano], estarem programando bailes na sexta e sábado apesar de não terem obtido licença da autoridade.
Sabia o jornalista que para iludirem aquela formalidade, os bailes teriam o caráter de particulares, mas as entradas seriam cobradas dentro do salão.
Para isto, chamava a atenção do Sr. Major Delegado de Polícia que, sem dúvida alguma, não quereria desaprovar publicamente o ato de moralidade praticado pelo seu digno suplente, o Sr. tenente Alves Guimarães que, atendendo às reclamações da imprensa, cassou terminantemente as licenças concedidas para aqueles bailes, “verdadeiros focos de imoralidade”.
 
Samba na bodega do porto
Na noite de 3 de agosto de 1884, houve um samba [desordem, bagunça] numa bodega do porto da cidade; onde costumavam reunir-se mulheres de “má vida” e ébrios, que ali praticavam cenas da mais desenfreada devassidão.
Da desordem, resultou sair ferido, com uma facada, um praça de linha, que fazia parte da guarda da Mesa de Rendas, e que acudira em defesa do dono da bodega.
O autor do ferimento foi um marinheiro conhecido por João Algarvio.
O jornalista do A Nação chamava a tenção da polícia para aquela locanda [bodega, taberna, tasca].
                   Continua...
___________________________________________________
* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen      
 
 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário