quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O pecado (parte 6)*

            


Há mulheres de má vida na bodega
O jornal A Nação em edição de 12 de novembro de 1884 comunicava à autoridade policial ter recebido denúncias de que em certa locanda, além do Arroio Santa Bárbara e próximo à ponte, estavam acontecendo cenas imorais.
Segundo a denúncia, naquela bodega reuniam-se diversas mulheres de má vida exibindo-se tão escandalosamente que as famílias que moravam na vizinhança viam-se coagidas a retirarem-se das janelas para não presenciarem as mais torpes obscenidades.

Os vizinhos indignados...
À Rua 16 de Julho [atual Dr. Cassiano] nº52, quadra entre as ruas Andrade Neves e São Miguel [atual 15 de Novembro], em frente ao palacete do “honrado industrialista” Sr. Joaquim da Silva Tavares, moravam umas mulheres alemãs, mães e filhas, cujo comportamento irregular e altamente imoral muito estava indignando as “pessoas pacatas e moralizadas”, que moravam por aquela vizinhança.
Os Srs. Delegado e Subdelegado de polícia já tinham sido avisados do comportamento daquelas mulheres de má vida, porém não constava ao jornalista que tivessem dado providências aquele fato.
Em todo o caso e em nome dos “vizinhos indignados”, julgava o jornalista prestar um bom serviço à moralidade pública, provocando as dignas autoridades policiais para porem fim a tanto desaforo.

Policie-se a polícia
O estado de desmoralização e desordem a que chegara a seção policial da cidade de Pelotas, comandada pelo Sr. Major José Joaquim Caldeira, estava exigindo providências das autoridades superiores da Província.
Os soldados da seção, com raras exceções, eram indivíduos desclassificados e oriundos “da última camada social para sentarem praça”.
Desordeiros por profissão, em vez de serem garantidores da ordem e zelarem pela tranquilidade pública, eram os primeiros a provocarem os cidadãos pacatos, levando as suas provocações até as próprias autoridades policiais, desobedecendo as suas ordens, contando sempre com a impunidade.
As queixas dos agredidos pela polícia eram diariamente levadas ao conhecimento do comandante da seção, porém, este, pelo amor que tinha aos seus subordinados, não tomava a menor providência, e estes reincidiam nos abusos, certos de que nada lhes aconteceria.
Dizia o jornalista que no tempo em que eram comandados pelos enérgicos capitães Lopes, Delfino e Casado, não se via a desmoralização “que hoje” se notava: os praças da seção não eram encontrados, “como agora”, dançando nos botequins da Rua General Osório e provocando os tropeiros por causa das dulcineias, que por ali frequentavam.
A polícia de então, podia ser dito afoitamente, era um couto de ébrios e vagabundos, que envergonhavam a civilizada cidade de Pelotas.
Passemos aos fatos.
Na noite de sábado (23.12.1884), a patrulha da Rua General Osório, a mando de uma mulher de má vida, que morava em um botequim, espancou a chicote o súdito português José Joaquim Ferreira de Castro. Aquele escandaloso fato fora presenciado por mais de cem pessoas, e os agressores, que foram os soldados Elpídio e Artur, só deixaram a sua vítima depois da chegada do “digno comandante” da polícia particular.
Levado o ocorrido ao conhecimento do Sr. Major Caldeira, este não deu a menor importância e ficou impune um crime que “em outro lugar talvez fosse severamente punido”.
Já no domingo à noite, o mesmo soldado Elpídio, estando de patrulha na referida Rua General Osório, permitiu que uma malta [bando] de seis indivíduos espancassem um infeliz pardo que viera de Rio Grande naquele dia. Um cidadão, ao passar no momento do espancamento, com aquiescência da polícia, reclamou contra o procedimento desta, e foi desrespeitado e insultado “pelo célebre soldado Elpídio”.
O cidadão dirigiu-se ao Teatro e fez ciente ao comandante da seção Sr. Major Caldeira o procedimento do seu comandado; o Sr. Major contentou-se, depois de findar o espetáculo, a mandar chamar ao quartel o soldado Elpídio, que já estava a paisano “dançando nos botequins”, e como Elpídio tivesse negado o ocorrido, mandou-o continuar se divertindo.


Com vistas à polícia
Na Rua da Constituição [atual Álvaro Chaves] havia uma bodega da parda Cecília, lugar em que todas as noites davam-se desordens e cenas “tão repugnantes e imorais” que as famílias moradoras nas circunvizinhanças privavam-se de chegar às janelas.
A polícia, se fosse mais cumpridora de seus deveres, poderia dar um corretivo à tal Cecília, e recomendar-lhe mais moralidade em sua bodega.

Alemães enfrentam a polícia armados com achas de lenha
Domingo, 22 de março, à meia noite, encontravam-se alguns alemães e diversas mulheres da “vida virada” em grande algazarra e borracheira em uma bodega em frente ao Mercado, quando, para a infelicidade dos pândegos, apareceu “a ativa polícia particular” que fez dispersar os alegres fregueses.
Dois deles, protestando contra o ato da polícia e armados de achas de lenha tentaram opor-se à prisão, mas os praças da noturna não se intimidaram e prenderam os filhos da pátria de Bismark, trancafiando-os a seguir no xadrez para curarem a bebedeira.
Porém, segundo os “alemães que se achavam no divertimento”, a coisa não fora bem assim como a imprensa divulgara e, como forma de restabelecer a verdade dos fatos ocorridos na “casa particular” em frente ao Mercado, e não bodega conforme, por mal informado dissera o jornal Onze de Junho, alega alegaram que estavam diversas pessoas se divertindo na casa particular de propriedade do Sr. Guilherme Riuster, com algumas senhoras casadas e solteiras, e não da vida airada, quando apareceu a polícia particular invadindo a casa, de espadas desembainhadas e ordenando que cessasse o divertimento, ao que, incontinenti eles obedeceram; levou a polícia para o quartel dois dos presentes, que estavam um pouco perturbados, mas que não cometiam desordem e nem faltaram com o respeito aos praças.
Essa era a verdade tal qual se passara. Não sabendo eles que era proibido divertirem-se dentro da própria casa; porém, se a polícia assim o queria, paciência.
Para que não houvesse engano, preveniam que o letreiro Hotel Izola & Caprera pertencia à antiga casa, que havia ali antes, e não à presente.
“Louvores aos alemães”.

A bodega da parda Cecília volta à cena
Cecília, proprietária da bodega da Rua Constituição [atual Álvaro Chaves], querendo festejar o sábado de Aleluia, anunciou com estrepitar de foguetes e embandeiramento um grande baile, que se realizou dia 5 de abril de 1885.
A polícia não gostou da graça porque Cecília não tinha pago os devidos emolumentos, e quando os convivas estavam no melhor dos prazeres, mandou encerrar o baile e intimou a “dançarina” Cecília a comparecer no dia seguinte na secretaria da polícia, a fim de receber o merecido castigo por sua ousadia de dar baile sem o competente pagamento do imposto.



                   Continua...



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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV

Revisão do texto: Jonas Tenfen       

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