Religiões de matriz
africana em Pelotas
(parte
2)
A.F.Monquelat
JonasTenfen
Discípulos de Juca Rosa
Não muitos dias depois da apreensão anterior, o Sr.
subdelegado de polícia, ainda pelos lados da Várzea, encontrou, à noite, em
flagrante adoração ao santo Manipanso, alguns pobre de espírito com pretensões
a feiticeiros, dizia o jornalista ao registrar o acontecimento ao final do mês
de janeiro de 1878 nas páginas de seu jornal.
Como sempre, prosseguia ele, eram pretos os adivinhas,
consistindo sua alquimia em um “santo preto”, um presépio, diversas tigelas com
sangue de galinha, penas de diversas aves, cabeças de pato e outras asneiras
semelhantes, que foram direto à purificação do São Gonçalo, as quais deveriam
ficar enfeitiçadas e com virtudes, até aquele momento, desconhecidas.
Os devotos do “Deus urubu” sofreram, após a apreensão,
algumas horas de justíssima correção, no entender do jornalista.
Adivinhas que não adivinharam a própria prisão
Com a chamada Feiticeiras,
o Correio Mercantil, de 9 de abril de 1878, iniciava a matéria anunciando que
uma das coisas que mais o preocupava era a previsão do futuro, ciência que dera
água pela barba aos sábios da antiguidade, e da qual, era certo, terem eles
colhido ótimos resultados para suas algibeiras.
Em Pelotas, prosseguia o redator do Correio, existiam duas
pretas, dedicadas de corpo e alma às altas ciências, que previam o futuro e
revelavam a maravilhosa eficácia de certas bebidas extraordinárias, que nos
davam o amor da ingrata que desprezasse os nossos afetos e muitas outras
coisas, tão importantes e supremas como esta.
Evidentemente estas duas pretas não eram somente dois
gênios, eram também dois anjos, que a humanidade deveria preservar em eterno
museu.
Porém, a polícia, que entendia lá as coisas por outro modo,
foi à casa delas e, com certa crueldade, as levou para o xadrez.
E não foi somente crueldade, foi também heresia, porque as
magnas adivinhadoras estavam nessa ocasião em magna sessão, diante de um santo
e uma vela.
Pelo visto, já nem os santos protegiam contra tal polícia,
sem alma e sem crença.
Do que o jornalista se admirava mesmo, era como elas não
adivinharam aquela ocorrência que lhes iria por à sombra e não trataram logo de
se por à fresca.
Foi e não voltou
Eram onze horas da manhã do dia 19 de
abril de 1878 quando, na cadeia civil da cidade, chegou uma rotunda negra, atirando à mina, majestática trunfa,
cajado de prata na destra, passo grave e todo respeitável.
Acompanhava-a outra negra, chapéu de sol, aberto,
abrigando-a dos raios solares, ao costume chinês.
Pedem licença e entram.
A primeira, a rainha
conga, que se chamava Elvira, dirige-se ao Sr. José Lopes da Conceição e
pergunta:
- O Senhor não deu um sino para São Francisco [de Paula]?
- Sim, dei rapariga.
- Pois São Francisco mandou-me libertá-lo da prisão. Pode
sair. Eu fico em seu lugar, por algum tempo.
E o guarda-sol continuava aberto.
O carcereiro presenciava o que se passava.
O Sr. José Lopes, achando que estava em presença de uma
idiota, tratou de dissuadi-la do propósito de libertá-lo.
Em vão.
A enviada de São Francisco insistia tenazmente.
E tão impertinente se tornou, que o Sr. Mário achou prudente
trancafiá-la no xadrez, comunicando, a seguir, ao delegado.
Discípulos de Juca Rosa resistem à prisão a tiros
Na
noite de 18 de agosto de 1878, a polícia particular encontrou, ali para os
lados da Várzea, um couto de escravos cativos que se entregavam às “distrações”
do Manipanso.
Tratando
de capturar os participantes do festim, resistiram eles a tiro até de cima do
telhado.
No
final da escaramuça, foram presos os devotos pertencentes ao “sexo frágil”,
enquanto os demais escravos se puseram a salvo, por entre a proteção da noite e
dos revólveres.
Naquele
mesmo dia, foi preso por ordem da subdelegacia, um escravo do Sr. Porfírio
Honório da Silva, por estar, juntamente com outros negros de baile, sem licença
de seu senhor, tendo os companheiros conseguido evadir-se pelos fundos da casa.
Foi preso também um escravo de D. Maria Auta por ser encontrado com outros em
adoração ao “Santo Manipanso”, em uma
casa sita na Várzea desta cidade, tendo sido apreendido naquela ocasião “diversos
objetos de que se serviam”. Sendo diminuto o número de praças que deu busca na
referida casa, conseguiram escapar os demais adeptos.
Acreditamos que a referida casa na Várzea fosse a de Elvira
e que o escravo de D. Maria Auta ali estivesse, quando da invasão da polícia
noturna.
Elvira, a
Sibila, discípula de Juca Rosa
Elvira, a Sibila [profetisa, bruxa,
feiticeira], é a mesma negra atirada à
mina que foi a cadeia civil, por ordem ou aparição de São Francisco de
Paula. Com o propósito de libertar o
José Lopes, e que lhe custou uns dias de cadeia. Não satisfeita em ser uma
“simples criatura deste mundo de enganos e ilusões”, meteu na cabeça pertencer
à ordem dos “sobrenaturais”, e daí não haver como arredá-la, dia 12 de junho de
1878, cercada de adoradores do Manipanso,
entregava-se às invocações de “toda espécie” na intenção de dar fortuna a uns e
casamento a outros.
A polícia noturna, descobrindo o segredo e local da
cerimônia, quis entrar também nos altos mistérios; porém, mal a pressentiram,
uns pelo quintal, outros pelo telhado e alguns pelas janelas, abandonaram “o
templo” e deram às de Vila Diogo [botaram o pé na estrada, fugiram].
Só restou, como refém, um único devoto.
Vistoriada a casa, encontraram ratos mortos, cabeças de
galo, pés de galinhas e...”hereges! o santo
Antônio metido numa bacia cheia de água e com a corda no pescoço, em sinal de
promessa matrimoniosa”.
Tudo foi inutilizado, inclusive o santo, “por aversão às feiticeiras”.
Continua...
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Fontes: acervo da
Bibliotheca Pública Pelotense –CDOV e
Pelotas dos Excluídos
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