quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Religiões de matriz africana em Pelotas (parte 6 e final da primeira parte)

Religiões de matriz africana em Pelotas(parte 6 e final da primeira parte)


A.F.Monquelat
Jonas Tenfen




Feiticeiro?


            Tendo a polícia recebido denúncia, dia 18 de setembro de 1891, que à Rua Constituição [atual Álvaro Chaves] entre as ruas São José [atual General Teles] e Sete de Abril [atual D. Pedro II], vivia um “preto mina” que ministrava feitiço a torto e a direito por módicos preços, para lá se dirigiu e deu minuciosa busca no biombo do aludido feiticeiro que era, segundo o jornalista do Diário Popular, um pobre diabo que não prejudicava se não a uns poucos representantes das priscas eras em que se amarrava cães com linguiças, a quem ele tinha o cuidado de comer os cobres em troca de qualquer bugiganga inofensiva.
         O feiticeiro chamava-se Ali de tal e, no momento da busca policial que entrou inopinadamente em seu tabernáculo, encontrava-se rabiscando uns hieróglifos em um grande alfarrábio.
         Ali de tal, interrogado sobre o que estava escrevendo “com tão espalhafatosos garranchos”, respondeu que eram notas que tomava para levar a sua terra, o que levava a pensar o jornalista que em breve a cidade perderia “o douto bruxo”.
         O denunciante cochichando à polícia, numas tremuras assustadoras, disse “que aquilo eram orações maléficas e que era mister cuidado ao tocá-las...era coisa do mundo ir a razo![o sentido aqui é o de ser arrasado, ir a baixo]”.
         Mas a polícia, que não estava nem aí para tais credulidades e que esperava encontrar na casa do pobre “preto visionário” rumas de múmias e frascaria de drogas nocivas, mandou o denunciante às favas e deixou em paz o Ali com seus rabiscos inocentes.
         Apenas uma cabeça de barro, único objeto suspeito, foi arrecadada.
         O Ali que escrevesse lá no seu memorial uma nota indignada contra o seu tolo denunciante, é o que sugeria o jornalista; sabendo este também que das poucas pessoas que frequentavam o casebre de Ali, a maioria era boa gente, que ia à cata de orações...
         É possível que tanto a polícia, quanto o denunciante e a imprensa, não soubessem tratar-se de um negro mina islamizado.
            No dia seguinte, o Diário Popular noticiava que sendo lidos na secretaria policial, por uns mascates árabes, os rabiscos do feiticeiro Ali, segundo esses os tais rabiscos eram apenas umas orações árabes que nada continham de bruxaria.
         E acrescentava dizendo que o Ali, que não estava satisfeito por ter sido tão incomodado nesta cidade, declarara que breve iria partir para a Bahia e de lá para a sua terra.
         Bons ventos o levassem, concluía o jornalista.
         E, já eu estava ele tratando do Ali, aproveitava para contar uma passagem deste intermediário na terra do deus Bodum.
         Dizia o repórter que: um indivíduo, assaz conhecido nesta cidade, querendo se ver livre de uma relação que já estava se tornando inoportuna, foi ter com o mandingueiro e pediu a este que o livrasse da ex querida dos seus afetos.
         Ali consultou o santo e, depois de algumas perguntas sem resposta, já se via- disse ao seu cliente que não poderia fazer o que lhe era pedido porque com ele já estivera a moça de quem ele desejava separar-se, pedindo para fazer que ele dela nunca se separasse e, se agora ali fizesse o que lhe estava sendo pedido, o santo ficaria zangado com ali.
         Concluía o jornalista dizendo que o Ali fora leal para com seu cliente.

Da casa do Ali para a do preto Guilherme


         A polícia para não perder tempo, dali do Ali foi visitar a casa de nº 5 da Rua Sete de Abril [D. Pedro II] onde soubera ela que tinha consultório o preto Guilherme. Lá encontrou um ídolo de barro contendo um líquido de cor estranha.
         O Guilherme que teve o bom juízo de se por ao fresco [dar no pé, vazar] pouco antes daquela indesejável visita, quando voltasse a sua casa, por certo daria falta de seu ídolo e dos potes, que por certo estariam na delegacia á espera de que seu dono os fosse reclamar.

O feitiço!


            Maria Joaquina, moradora em um cortiço na Várzea, queixou-se, dia 28 de outubro de 1891, ao Sr. capitão delegado de polícia, que no dia anterior, à noite, a sua vizinha Rosália Guedes havia deitado à porta de seu albergue uma trouxa com teteias (amuletos, figas,) roupas velhas e grande quantidade de cabelo, que disseram-lhe ser feitiço!...
         Para que a autoridade não duvidasse da veracidade das suas palavras, Joaquina mostrou toda aquela trapalhada, pedindo que punisse severamente a autora de tal brincadeira.
         A polícia zombando da credulidade da queixosa deu pouca importância ao fato e a convenceu de que aquilo não passava de um mero gracejo de vizinhos que se estimam.
         E, zangada, mesmo zangadinha, lá se foi a Joaquina, praguejando contra a autoridade e se lamentando de não poder vingar-se da ação criminosa praticada pela sua inimiga, que parecia ter parte com o tinhoso e merecer as graças da polícia.
         A grande questão, concluía o jornalista de o Nacional, era que o número de enfeitiçados na cidade ia aumentando cada vez mais.

Nigromancia


         Em sua excursão pelos cortiços da Várzea, se deparou o subintendente do 1º distrito, dia 24 de maio de 1895, com uma sessão de nigromancia, à  Rua Santo Ignácio [atual Gomes Carneiro] nº 13, casa do preto feiticeiro Benedicto Pintado.
         Entrando ali de surpresa, encontrou aquela autoridade o mandingueiro em plena sessão, oficiando perante os devotos Amélia Corval e Bernardina da Rosa que, em êxtase, perante as bugigangas do negro, curvavam-se, reverentes, à vista de uns bonecos grosseiramente talhados, armados de revólveres, punhais e espadas enferrujadas, e inservíveis.
         Indagando sobre os mistérios da solenidade soube, com surpresa, a autoridade, que algumas das milagrosas imagens achavam-se retiradas do templo, pouco respeitosamente enterradas no quintal, sobre montões de penas de galinhas, em penitência, por não terem operado os milagres que lhe foram ordenados.
         Depois de desenterrados esses troços, a autoridade os mandou de cambulhada com o nigromante e as enfeitiçadas para a casa do pouco pão, para meditarem na estabilidade das coisas... divinas.

Lufálo e Pedro Fuão, com a boca na botija


         Aproveitando a incursão até a Várzea, o subintendente, Sr. tenente-coronel, à Rua Constituição [Álvaro Chaves], descobriu um outra casa de dar fortuna, onde os pretos Lufálo e Pedro Fuão aguardavam os devotos, com velas acesas, ao meio-dia.
         Repreendidos por aquela autoridade, que os intimou a não prosseguirem em seus embustes, eles disseram que eram muito procurados para darem conselhos sobre várias moléstias e que já haviam realizado curas admiráveis, sem terem sentido falta de títulos  científicos.
         As ervas mesinheiras [ervas de chá, infusão], os esconjuros, etecétera e tal, ao que parecia estavam destinadas a encherem as boticas, se não fosse a ação da autoridade.


Fim da primeira parte
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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense –CDOV  e Pelotas dos Excluídos





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