quarta-feira, 24 de julho de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte IV – A noite das fogueiras (continuação)

Primeira Guerra Mundial em Pelotas
Parte IV – A noite das fogueiras (continuação)


Adão Monquelat
Jonas Tenfen

Explosões patrióticas!

           Damos aqui continuidade aos relatos do ocorrido na noite do dia 30 e madrugada do dia 31 de outubro de 1917, chamada por nós de “a noite das fogueiras” por se tratar de uma série de ataques, depredações e dois incêndios à propriedades e estabelecimentos alemães. Tratamos no primeiro texto sobre o incêndio do jornal Deutche Wacht e depredação de casas comerciais; trataremos aqui do incêndio do Tiro Alemão.
           São várias referências na imprensa pelotense sobre o Tiro Alemão, do mesmo modo que várias as formas para se referir à agremiação, fundada em 1876. Nomes como Club de Atiradores Alemães, Club de Tiro, por vezes o simplista e ambíguo Atiradores Alemães, até o mais popular e consagrado Tiro Alemão; raro, porém, é encontrar menção ao nome em língua alemã: Der Deutsche Schützenverein.
           Acompanhando o periódico A opinião pública, entre 1900 e 1910, as notícias desta agremiação sempre giravam em torno de chamadas e divulgações de campeonatos, homenagem aos campeões e campeãs de tiro ao alvo, convites para pequenas festas e celebrações. Observemos um exemplo.
           Em 3 de junho de 1900, de acordo com o citado A opinião pública, ocorreu festa dos associados do Club de atiradores alemães, em sua sede social localizada na Lomba. Na parte da manhã, ocorreu o torneio para escolha do Rei (primeiro lugar) e Cavalheiros (segundo e terceiro lugares) do clube. Depois de realizadas as provas, fora proclamado Rei o Sr. Frederico Müller; 1° Cavalheiro, o Sr. Julio Hadler; e, 2° Cavalheiro, o Sr. Carlos Ritter.
           Na parte da tarde, teve início o campeonato feminino de tiro ao alvo. Depois de realizadas as provas, os prêmios foram assim atribuídos: 1° prêmio para Exma. Sra. D. Adelaide Bojunga; 2° para Exma. Sra. D. Maria Sparemberg; 3° para Exma. jovem Helena Petersen; 4° para Exma. Sra. D. Amelia Brockstedt. O jornalista indica uma “espirituosa surpresa” à atribuição do 5° prêmio: Exma. Sra. D. Bertha Ritter. Perde-se nas brumas da história o porquê deste prêmio ter sido espirituoso: havia apenas cinco participantes ou a habilidade da participante causara algum espanto?
          Depois de premiadas as vencedoras do campeonato feminino, várias brincadeiras e distribuições de presentes foram feitas aos jovens filhos dos sócios. Às 20 horas, teve início o baile que adentrou a madrugada, aparentemente encerrado às 4 horas. 
           A notícia encerra de modo a descrever com suave maestria o espírito de cordialidade e de confraternização: “à frente do Club de Atiradores Allemães estiveram hasteados os pavilhões brazileiro e allemão”.
         Como referido acima, o Tiro Alemão se localizava na Lomba, sendo esta maneira de se referir às proximidades da casa de Carlos Ritter (onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina). Passou a ser ponto de referência para o pelotense e figura em curioso caso de folhetim policial. 
      Durante o ano de 1920, para o deleite de seus leitores, a Illustração Pelotense publicou um folhetim policial ambientado nesta cidade. Seu título: “O crime da Lomba”. Na narrativa, um cadáver é encontrado nesta região, e a força policial se envolve em um quebra-cabeça nada complicado para encontrar o assassino. Mais interessante as motivações do culpado do que a descoberta deste, mas deixemos de lado as revelações do enredo.


        Não temos o nome do autor, sendo a obra referida sempre como “Novela da Ilustração”. Chama atenção o fato de que o responsável pelo texto centrou sua narrativa na comunidade de descendentes de alemães que vivia em Pelotas, dando, assim, destaque aos locais onde estes frequentavam. A composição do personagem Hundert, peça-chave para a solução do crime, diz respeito à comunidade que se formava na cidade há época: “Ao contrário do que muitos pensam, eu não sou alemão. Nasci na vila de S. Leopoldo e para cá vim, com pai, mãe e irmã pequena com idade de 15 anos.”
          Apesar de o folhetim dar pistas de ser um “romance à chave” no que se refere a autoridades locais, reitera-se que é peça de ficção; o que não se pode dizer dos ocorridos em Pelotas após a declaração de guerra. Voltemos à noite de 30 e madrugada de 31 de outubro de 1917.
           Após depredação das casas comerciais no centro de Pelotas, o agrupamento se reorganizou por volta das duas da manhã, mas o jornalista não precisou o local. Partiram em direção à sede do Tiro Alemão, mais ou menos afastada do centro da cidade.
           Ao deparar-se com a turba, o zelador do local implorou que fosse permitido retirar seus pobres móveis de sua residência, um contrafeito junto à sede. O indivíduo não fora atendido em sua solicitação: teria de resignar-se a ver queimar o pouco que possuía para manter a vida que iminentemente se tornaria mais pobre.
           Das ações da multidão não temos o método. O jornalista se resume a descrever “atearam fogo ao prédio”. Imaginamos assim que nesse caso não ocorrera invasão ou saque – como no caso do jornal Deustche Wacht -, mas que algum comburente fora lançado em direção do Tiro Alemão para auxiliar o trabalho das chamas. Em consequência “tudo quanto nele se continha, inclusive móveis, dois pianos, armas e munições, desapareceu na voragem do fogo”. Espetáculo hediondo acompanhado de sonoplastia: as munições depositadas no local começaram a detonar. Por pelo menos quinze minutos, ouviu-se o estourar das balas, que, ao jornalista e aos presentes, é prova da grande quantidade de munições ali existentes.
           Não há registros de feridos nos incidentes, tampouco de presos. A multidão e conivência garantiram o anonimato dos vândalos. Após o incêndio do Tiro Alemão, o Tiro Brasileiro 31 compareceu ao local; imaginamos que sua presença dispersou a multidão, impedindo assim incêndios em outras propriedades da Lomba, inclusive a de Carlos Ritter.
           Sem mais o que noticiar, o jornalista da matéria “Explosões Patrióticas” encerra seu texto culpando os alemães pelo ocorrido na noite anterior e exaltando os feitos dos brasileiros na noite anterior. Alerta contra represálias, pois aos alemães cabe apenas submeterem-se “do contrário, esperem as consequências. Agora as posições estão definidas. / É dente por dente, olho por olho.”


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Imagens: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas (parte 4)

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas
(parte 4)



A.F. Monquelat
Jonas Tenfen


Conselho sobre a qualidade da cerveja, dado pelo Sr. Carlos Ritter & Irmão

          Como fabricantes, sentiam-se na obrigação de informar ao público consumidor que nem sempre a cerveja muito espumante era prova de sua boa qualidade: este excesso de espuma se dava geralmente quando a cerveja era velha, desaparecendo em grande parte a seiva nutritiva, bem como o aroma tão grato ao paladar, que se evapora na fermentação.
          Comunicavam ainda que a Sociedade Musical União tocaria, naquela tarde, as melhores peças de seu repertório, regida pelo hábil maestro Sr. G. Hungott, que por primeira vez executaria em seu trombone a grande peça Roberto do Diabo e a ária do Trovador.
Quanto à entrada: grátis para o belo sexo, pagando o sexo forte 500 réis, que daria direito a uma garrafa de cerveja simples.
     Ao que tudo indica, com relação à música, não houve reclamação alguma, porém, quanto à cerveja, houve quem enviasse carta ao Diário de Pelotas pondo dúvidas sobre a qualidade. Prontamente respondeu o Sr. Carlos Ritter, via jornal A Nação, como se pode ver da edição de 21 de março de 1884, nos seguintes termos: “Sr. Redator da Nação. – No seu noticiário de 20 do corrente, em referência à cerveja por mim fabricada dizem que eu posso declarar se é ou não de inteira confiança o cavalheiro que lhes deu a informação.
         Cumpre-me dizer que sempre tive no melhor conceito o nome do cavalheiro que informou a essa digna redação, mas também como fabricante de cerveja corre-me o dever de dar certas explicações.
          Há pessoas que ao abrir uma garrafa de cerveja, e esta não fizer espuma dizem logo, antes mesmo de prová-la, que a cerveja não é boa, no entanto, os entendedores a preferem com espuma.
Na minha mesa, onde ao almoço e jantar se senta minha família e empregados, no lugar do vinho se toma cerveja, e eu seria um criminoso e um mau esposo e pai, consentindo que nela e em outros momentos do dia, minha mulher e filhos tomassem uma droga que lhes prejudicasse a saúde. Têm os meus filhos, um quatro anos e o outro dois anos e meio, bebem ele cerveja às refeições e durante o dia, e pode se ver que estão bem desenvolvidos, e isto graças as partes muito nutritivas, que contém a cevada.
          A Baviera é a parte da Alemanha onde mais consumo se faz da cerveja, e o resultado é que seus filhos são os de melhores cores, robustez e saúde.
      É um engano supor que a cerveja velha, que tem mais fermentação e que produz mais espuma seja a melhor, tudo tem o seu tempo natural, e os entendidos são unânimes em afirmar que aquela não é a melhor, nem ao paladar e nem ao estômago.
        Finalizando, dizia o Sr. Carlos Ritter que era fácil e até mesmo natural que entre mil garrafas se encontrasse alguma delas choca, em razão de defeito da rolha, mas essa era muito conhecida já ao cair no copo, fato que era inevitável ao fabricante.

O anúncio do Sr. Carlos Ritter sobre a sociedade com o irmão


“Aviso: Carlos Ritter, estabelecido com fábrica de cerveja à Rua Marques de Caxias [Santos Dumont] nesta cidade, esquina São Jerônimo [Marechal Floriano] (ponte de pedra), cientifico ao respeitável público, aos seus fregueses da província e aos de outras, com cuja confiança tem sido honrado, que deu sociedade de 1º de setembro em diante ao seu irmão Frederico J. Ritter, o qual tendo voltado da Alemanha, onde foi propositalmente aprender o fabrico teórico e prático da cerveja, o habilita a bem continuar a angariar a confiança que sempre tenho merecido de meus numerosos fregueses.
A nova firma gira daquele dia em diante sob a razão de C. Ritter & Irmão. Pelotas, 6 de novembro de 1884. C. Ritter”.

Só a dinheiro

     Sob o título de Ritter, os proprietários desta fábrica cientificavam ao público e aos seus fregueses que a partir do dia 31 de janeiro de 1885, só venderiam a dinheiro (à vista), pelos preços seguintes: Lager-Bier, dúzia, 3$600 (réis); Columbacher, dúzia, 3$000 (réis) e Simples, dúzia, 2$000 (réis).
          E  mais uma nova marca, 1$500 (réis) a dúzia, superior as que outros fabricavam e vendiam a 1$800 (réis).


A cervejaria Ritter vista pelo jornalista da comitiva imperial

          Em abril de 1885, o jornalista da comitiva imperial em visita a cidade, dizia que diante da importância industrial da cidade de Pelotas, quase que, por vezes, esquecia as pessoas imperiais, a sua comitiva e os passeios que pela cidade faziam, para tratar de assuntos que mais ou menos pudessem dar ideia do progresso que encontrava em cada uma das cidades por onde tinha passado nesta viagem imperial.
       Não pretendia ele tratar de todos os estabelecimentos industriais de Pelotas, apenas queria salientar aqueles mais importantes. Daí naquele dia ocupar-se, dentre outros, da fábrica de cerveja do Sr. Carlos Ritter, cujo estabelecimento era o mais importante no gênero, dos que existiam na cidade.
          O Sr. Ritter é teuto-brasileiro, natural da florescente cidade de São Leopoldo, e, dizia o jornalista, achava-se estabelecido em Pelotas há doze anos.
          Grande parte da descrição feita pelo jornalista Maximino repetia, quase que ipsis literis a descrição que anteriormente fizemos, daí deixarmos de fazê-la e transcrevermos apenas o que nos pareceu novidade: ao fundo da fábrica havia um magnífico jardim, onde, aos domingos, se reuniam as principais famílias da cidade, que ali iam tomar cerveja e ouvir música, tal qual faziam no Passeio Público, por certo uma referência a praça central.
          A cerveja fabricada na casa do Sr. Ritter, dizia o jornalista, era a melhor que ele tinha visto e bebido desde que visitava esta província, e até mesmo na corte, em fábricas congêneres.
        Visitando a cervejaria, em companhia “do amável e inteligente guarda-livros” [contador, contabilista], o Sr. José de Azevedo Souza Júnior, que lhe mostrara todas as dependências, teve ele ocasião de verificar a limpeza com a qual era fabricada a cerveja, na qual era empregado somente o lúpulo e a cevada como matérias prima, e esta de primeira qualidade.
     O Sr. Ritter, industrial laborioso e inteligente, amável cavalheiro, proporcionara-lhe o ensejo de assistir a fabricação de sua cerveja, “para mostrar-me que tem em muita consideração à sua e à saúde do próximo”, concluía o jornalista, o que tinha lhe valido a grande exportação que fazia do seu produto, não só para esta província, como para outras províncias do império e paquetes.


Continua...

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Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Postagem: Jonas Tenfen

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte III – A noite das fogueiras

Primeira Guerra Mundial em Pelotas
Parte III – A noite das fogueiras 


Adão Monquelat
Jonas Tenfen

    

    
    Terminado o longo texto “Explosões patrióticas”, o jornal O Rebate colocou uma pequena nota sobre preterição de matéria, ou seja, era comunicado que devido ao acúmulo de originais e à falta de espaço fora preterido ao próximo número várias notícias, reclames, contestações e a crônica de “football”. A noite de 30 e madrugada de 31 de outubro de 1917 foram particularmente agitadas na cidade de Pelotas, marcadamente pela comoção causada pelo abandono da parte do Estado brasileiro da posição de neutralidade para declarar guerra contra o Império alemão.
    Destaque-se, ainda, o espaço dado à patriótica iniciativa dos estudantes da Academia de Direito de Pelotas: a promoção de uma coleta a fim de levantar fundos para oferecer um aeroplano ao Exército nacional. Para alcançar tal intento, os acadêmicos solicitaram apoio do Esporte Clube Pelotas. Iniciativa esta que “merece o apoio incondicional de todo bom brasileiro e, certamente, se converterá breve em brilhante realidade.”
     Logo após o título “Explosões patrióticas”, o redator apresenta um resumo topicalizado do que será lido: O fogo purificador – Jornal alemão destruído pela segunda vez – O Tiro Alemão também em ruínas – Agitação popular – Movimento das ruas – Vários detalhes. Se não bastasse pelo título em si, a índole de toda a matéria, e representante do espírito da época, se encontra no adjetivo “purificador”. Quem há poucos dias era vizinho, conhecido ou cliente passou a ser inimigo de guerra.  
    A primeira parte da matéria é uma espécie de editorial. Doze parágrafos onde a única frequência é a contradição interna: desejava-se justificar e louvar os acontecimentos, sem, no entanto, endossá-los. Como nenhuma pessoa fora ferida na “noite do fogo purificador”, pareceu ao jornalista cabível de embeber sua caneta na tinta mais patriótica para classificar as depredações como inevitáveis, legítimas e justificáveis. Esta primeira parte é iniciada mencionando “uma calmaria enervante que acolhera a notícia da declaração de guerra”; nervos à flor da pele, nota-se, porque a declaração fora feita quatro dias antes. E é encerrada falando da necessidade de congregação para o extermínio do imenso polvo germânico [repare na letra “l” para não se utilizar assim a palavra “povo”], pois

Quem semeia ventos, colhe tempestades! / Já é tempo do mundo inteiro congregar-se para o extermínio do imenso polvo germânico. / O desaparecimento dessa raça hoje maldita, escorraçada de toda a parte, é presentemente uma necessidade de vida ou de morte para os povos cultos. / Urge eliminar da civilização universal a grande nodoa da barbárie teutônica, vergonha do século que atravessamos!

        Pode-se subdividir o relato dos fatos ocorridos “ontem à noite” em três grupos: incêndio do jornal “Deutsche Wecht”, depredação de casas comerciais, incêndio do Tiro Alemão. Embora o jornal dê o horário dos incêndios, e a partir deles organize uma cronologia, não se pode afirmar que os ataques às casas comerciais tenham todos ocorridos neste intervalo, tampouco que sejam atos da mesma turba. 
         O jornal bissemanário “[Die] Deutsche Wacht” (que pode ser traduzido como “A sentinela alemão”) era de propriedade de Ruddy Schaef e circulava exclusivamente em língua alemã. Nos dias de hoje, costuma ser referência freqüente em pesquisas sobre educação, pois publicava relatórios escolares, em especial do Colégio Alemão. Aparentemente, o jornal já havia sido incendiado, acontecimento do qual não levantamos mais dados. Após a declaração de guerra, o jornalista recebera intimação para cessar a publicação do jornal, depois de alguma negociação, fora decidido por suspensão das impressões até seu retorno em língua portuguesa apenas. Na tarde de 30 de outubro, para espanto dos cidadãos pelotenses, o “Deutsche Wacht” circulou como costumava fazê-lo: apenas em língua alemã.
        Um grupo bastante indignado começou a se reunir em frente dos jornais da rua XV de Novembro. Com o passar da tarde e o acirramento dos ânimos, às 20 horas, essa massa se dirigiu à rua Voluntários, em direção à sede e tipografia do jornal alemão, que ficava no prédio n. 412. Sem muita conversa ou discurso, as portas e janelas foram arrombadas, e o prédio fora invadido. A ação fora sistemática: papel, maquinário, móveis, tudo o quanto possível, fora arremessado à rua e amontoado. Devido à abundância de material comburente, sem esforço as chamas foram acessas, ganharam força e corpo até se tornarem labaredas. Estas “eram vistas à grande distância, através dos telhados” da cidade. Curiosos começaram a se juntarem à massa dos incendiários, criando reunião de pessoas que, pelas contas do jornalista, “quase atingiam a mais de mil”.
         Convocadas pelas chamas também foram as autoridades. Com o intuito de dispersar a turba, demandou-se a Alberto Gigante que se dirigisse às pessoas. Em uma das janelas da residência de Ottoni Xavier, também à rua Voluntários e não distante do local do ocorrido, o acadêmico de direito realizou discurso veemente e patriótico, proferido em nome do sr. coronel delegado de polícia e do subintendente municipal. Depois de conquistada a simpatia da multidão, pediu que se dispersassem em paz, no que fora atendido, não sem antes finalizar com um “viva ao Brasil!”
        Os bombeiros compareceram ao local e executaram trabalho para refrescar as paredes dos prédios próximos com objetivo de evitar mais incêndios. A família Schaef não sofrera nenhum dano físico e fora hospedada na casa do major reformado Pedro Lourival, residente à rua Voluntários, esquina Marechal Deodoro. Se olhasse para trás, a família veria no meio da rua um amontado de cinzas fumegantes e de materiais irreconhecíveis a serem limpos no dia seguinte pelas carroças de limpeza da cidade.


          Às 22 horas, toda a multidão se dispersara pela cidade. Gritos de repúdio aos teutos e de vivas ao Brasil eram ouvidos. Pela primeira fogueira ou pelos gritos, os ânimos exaltados, uma leva de depredação de casas comerciais de alemães ou de brasileiros germanófilos teve início. Além de depredações de pequena monta, a maior parte destes ataques foi à base de tinta: seja para reescrever dizeres de placas em alemão, seja para sinalizar com dizeres vários os inimigos da pátria. Não esgotando a matéria, o jornal lista algumas das casas comerciais e estabelecimentos vários: major Pedro Lourival, ferragem do sr. João Teixeira de Souza, sociedade Concórdia, Walter Rhein, Livraria Krahe, Viuva Behrensdorf & Cia, joalheria Hirs & Gros, depósito Bromberg & Cia.

continua...

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Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo Família O'Sheridan von Platen-Hallermund; Pexels (free stock)

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas (parte 3)

Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas
(parte 3)



A.F. Monquelat
Jonas Tenfen

         
Ponte no Santa Bárbara
          
          Dali, voltava-se para os subterrâneos [é provável que estes subterrâneos, aos quais se refere o jornalista, tenham dado origem aos mitológicos túneis pelotenses, que até hoje povoam o imaginário da cidade] passando para a casa de lavar garrafas, onde, em uma máquina de pedal da marca Boldt & Vogel, Hamburgo, podia um único operário lavar trezentas e tantas garrafas por hora.
      Nestes serviços, eram empregados quatro operários: dois lavavam as garrafas exteriormente e os outros dois lavavam-nas interiormente, na máquina.
          Depois, passava-se para a primeira adega onde estavam três tonéis, podendo caber, em cada, de mil a mil e duzentas garrafas, e cinco tonéis menores, com capacidade cada para seiscentas garrafas.
          Esta adega era destinada ao engarrafamento da cerveja, para o qual tinha uma máquina de fabricação Boldt & Vogel, que podia encher quatro garrafas por vez; e outra, do mesmo fabricante, para arrolhá-las.
          Logo após a visita na adega, o Sr. Ritter mostrou ao jornalista uma segunda adega, destinada à fermentação da cerveja.
        Esta adega era a mais importante e a que mais cuidados exigia.
     Sobre pilares de pedras estavam colocadas seis tinas de madeira, comportando cada qual mil e duzentas garrafas; em frente, achavam-se três tonéis iguais aos da outra adega, e oito menores.
          Ao fundo, estava uma máquina pneumática que conduzia a cerveja desta adega para a outra.
        Havia ainda outra máquina Boldt & Vogel, destinada a conduzir a cerveja de um tonel para outro.
          Perto da porta, tinha um bom termômetro centígrado que marcava a temperatura da adega. 
        Por um corredor, chegava-se aos depósitos de cerveja engarrafada.
          Os dois depósitos tinham capacidade para armazenarem cinquenta mil garrafas de cerveja.
          O corredor e os depósitos possuíam trilhos de ferro onde, sobre um carro, eram conduzidas as garrafas para as carroças da fábrica.
          A estes depósitos, seguiam-se outros dois: um destinado às garrafas vazias e outro para barris, onde era transportada a cerveja para a campanha.
          Daquele local, o repórter e o S. Carlos Ritter deram um passeio pelo jardim, que, segundo o jornalista, era bem delineado, com algumas flores mimosas, produzindo uma ótima sombra.
          Por todo o jardim havia mesas e bancos onde, à sombra, se podia usufruir de um ar fresco e agradável.
          Uma rampa conduzia às cocheiras e ao depósito das carroças.
      A fábrica possuía duas carroças e empregava quatorze operários.
          Encerrando a visita, dizia o jornalista que por toda a fábrica ele presenciara uma limpeza e ordem impecável.
          O produto fabricado na cervejaria e a amabilidade com que a todos recebia o simpático Sr. Carlos Ritter era um bom exemplo para aqueles que se dedicavam ao trabalho industrial.
          A cerveja Ritter fora premiada na exposição Brasileira-Alemã, com a medalha de prata.

Concertos musicais no Jardim Ritter


Ponte no Santa Bárbara

          Pelo menos desde o ano de 1881, o jardim Ritter tinha por hábito promover concertos musicais, como foi o caso daquele concerto executado na tarde de domingo, dia 13 de março de 1881.
          Tal ato, divulgado pelo Correio Mercantil, informava que, naquela tarde, na importante fábrica de cerveja do Sr. Carlos Ritter, à ponte do arroio Santa Bárbara, a banda de música alemã, que recentemente havia chegado de Porto Alegre, executaria algumas das melhores peças de seu repertório.
          Na capital da província, aquela música fora muitíssimo apreciada e aplaudida.
        Portanto, recomendava-se ao público aquela agradável diversão.
          Dois dias depois do concerto, o Correio Mercantil, dando notícia, dizia que a excelente banda de música alemã, que atualmente se encontrava nesta cidade, efetuara dia 13, de tarde, no bonito jardim do Sr. Carlos Ritter, próximo à ponte do arroio Santa Bárbara, um concerto instrumental, atraindo grande público, no qual se destacavam muitos das principais famílias da localidade.
          O local escolhido para a recreativa diversão não poderia ter sido melhor, dizia o jornalista.
          A banda de música era composta por 14 músicos de reconhecido talento e, que foram além da expectativa. Todas as peças executadas, do seu vastíssimo repertório tinham a marca da perfeição, e recebera, ao término, gerais salvas e palmas dos presentes.
          Segundo a opinião de profissionais, Pelotas até então nunca teve em seus quadros uma banda de música tão bem organizada e de componentes tão habilitados.
          A diversão prolongou-se até as 23 horas, conservando sempre um grande público.

          E, no Jardim Ritter, a música continua


          Como se poderia ver, dia 9 de novembro de 1884, na reabertura daquele local de diversão, depois deste ter sofrido uma reforma e ter sua área ampliada, pois ali:

Há bancos para todos
Ninguém ficará de pé,
Salvo o impaciente
Ou tomador de rapé.

Alerta!
- brada a sentinela.
Quem vem lá?
Insiste ela.
É de paz...é Lager Bier,
Deixai passar o progresso,
E se me quereis provar
No jardim tereis ingresso

         Aproveitando a reabertura, o Sr. Carlos Ritter participava ao respeitável público que incorporara mais uma marca de cerveja às já conhecidas de sua fábrica: a Lager Bier, que seria apresentada e ele esperava que fosse ela bem recebida pelos apreciadores, naquela tarde.
          Informava também ser a Lager Bier de muito bom preço, pois pela garrafa só seria cobrado 600 réis pela garrafa e 3.600 réis pela dúzia.


Continua...


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Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat