quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Pelotas e “O livro no Brasil: sua história”


Pelotas e “O livro no Brasil: sua história” 

A. F. Monquelat
Jonas Tenfen



            Publicou-se muito na cidade de Pelotas. Bastante corriqueiro encontrar em livrarias de novos e usados (os sebos), edições que foram impressas na própria Princesa do Sul. Também é bastante presente no imaginário a atuação de várias editoras, cujos nomes ainda hoje são sinônimos de boas edições, boas traduções ou azar. Vários escritores, há época famosos e hoje canônicos, aceitaram convite de colégios e instituições para proferir palestras e lançar livros nesta cidade. Algumas dessas visitas, até que se ache trilha nas páginas de jornal, seguem sendo mitos, mesmo assim, mitos muito presentes e cotidianamente recuperados.
            O “Dicionário de História de Pelotas”, recuperando uma ideia frequente das aulas de literatura, relaciona os livros no Brasil à história do jornal, mais especificamente, às tipografias. Onde havia jornal, havia público leitor. A presença das tipografias em uma determinada região aumentava a oferta de material impresso a preços mais reduzidos. Apesar de uma ou outra experiência malfadada, foram os jornais que sustentaram tipografias em várias cidades há época. A demanda criada, as tipografias passaram a aproveitar o tempo ocioso para produzirem livros. Criou-se assim outra demanda: a de escritores, incluindo-se nesta categoria tanto os prosadores como poetas, bem como os tradutores.
            Falando em pioneirismo, o mesmo Dicionário nos informa: “É bastante provável que a mais antiga obra editada em Pelotas tenha sido ‘Resumo de História Universal’, também o livro de estreia do professor alemão Carl von Koseritz. Foi impresso em 1852 na tipografia de ‘O Noticiador’, o segundo jornal em circulação na cidade (Tipografia Luiz José de Campos).”
            Depois da apresentação, dos objetivos deste artigo. Apresentaremos aqui a presença da cidade de Pelotas na obra “O livro no Brasil: sua história”, de Laurence Hallewell. José Paula de Ramos Jr afirma que ao “finalizar a leitura da esplêndida obra do inglês Laurence Hallewell, o leitor brasileiro certamente será persuadido de que é possível, sim, conhecer muito melhor o seu próprio país e a sua cultura por intermédio da história de seus livros.” Por extensão, muito da história de Pelotas está nos livros, não necessariamente no escrito em suas páginas, mas nos meios e acontecimentos que permitiram que eles fossem publicados e consumidos. Facilmente reduzimos tecnologia a computadores, esquecendo que uma das maiores revoluções tecnológicas da humanidade foi a impressão em papel distribuída por meio de encadernação.
            São cinco as menções de Hallewell à cidade de Pelotas, sendo as duas primeiras as mais importantes. A primeira dela, no capítulo sobre Pirataria dos Direitos autorais, é a seguinte: “É claro que é sempre mais tentadora a pirataria de obras de autores mortos; talvez seja esse o motivo de uma segunda edição, clandestina, de ‘Memórias de um Sargento de Milícias’, de Manuel Antônio de Almeida, impressa em Pelotas em 1862, menos de doze meses após sua morte.” Satisfeito o autor com a menção a esta obra literária, direciona seu trabalho seguinte para a primeira Convenção Pan-Americana de Direitos Autorais (1889), mas, destacamos, que é pouco laborioso levantar outros exemplos semelhantes de atuação editorial na cidade.
            Acrescentamos uma consideração de Hallewell: “Embora o advento da República tivesse fortalecido, assim, os direitos legais formais da autoria literária, sua importação da doutrina americana dos direitos dos estados membros da União tornou a execução da lei quase uma questão de opção local. Em nenhum outro lugar isso foi mais evidente do que no Rio Grande do Sul, onde, até as primeiras décadas do século XX, a principal atividade de algumas editoras foi a publicação ilegal de autores de fora do estado sulino.” A assertiva é sucinta e dura. Embora não neste parágrafo, mas a única cidade do estado sulino mencionada nominalmente por esta atividade foi Pelotas.
            Nas vagas literárias, a Princesa do Sul foi Rainha da Pirataria.
            Justificativas e debates à parte, essa postura permitiu às editoras expandirem seus catálogos com mais facilidade, bem como tornar mais ágil o processo do feitio do livro. Parte do capital investido na compra de direitos autorais está no tempo despendido em negociações; abrindo-se mão desse “inconveniente” temporal, há ainda mais o óbvio incentivo financeiro, em alguma medida barateando custos. Essa flexibilidade explica alguns pioneirismos no campo da tradução, como exposto por Denise Bottmann: “também do Rio Grande do Sul vem o primeiro volume de Dostoiévski traduzido no Brasil. Foi ‘O Jogador’, em tradução de Alcidez Cruz, publicado pela Livraria Americana de Pelotas, de Costa Pinto [sic], em sua coleção ‘Nova bibliotheca economica’. O livro saiu, calculo eu, por volta de 1895-6: avento essa data porque foi em 1896 que o ‘Almanak litterario e estatístico do Rio Grande do Sul’ publicou o anúncio de página inteira da Livraria Americana, com ‘O Jogador’ entre os três títulos já publicados em sua referida coleção.”
            A segunda menção a Pelotas, cento e sessenta páginas adiante, ainda às voltas com a mesma questão. Antes de começar com a história da Livraria do Globo, Hallewell dedica-se a explicar este espírito empreendedor para além da questão econômica trazendo à tona as posturas do positivismo. Na citação de Rubem Borba de Moraes: “No século XIX, foram os belgas os grandes piratas das edições francesas. No Brasil, em fins do século XIX e princípios deste, os editores rio-grandenses, protegidos por uma constituição positivista, imprimiram toda sorte de livros sem autorização dos editores legítimos e sem pagar por direitos autorais.”
            No parágrafo seguinte, Hallewell explicando Borba de Moraes é mais taxativo: “Não se faz menção a nenhuma firma, mas o principal culpado era a editora gaúcha mais importante da época, a Livraria Americana, de Carlos Pinto, estabelecida, desde a década de 1880, em Pelotas, no extremo sul do estado. Sua série Bibliotheca Econômica, de baixo preço e formato de bolso, publicava traduções de Bourget, Alphonse Daudet, Dostoiévski, Elslander, irmãos Goncourt, de Kock, Maupassant, Sacher-Masoch, Turguêniev e Zola [dentre outros].”
            As três menções seguintes a Pelotas estão nas tabelas do apêndice I. Não cabe aqui reproduzir todos os dados, segue, contudo, os títulos: “Tabela 14. População das cidades mais importantes do Brasil comparada com a de cidades de outros países, 1920-1950”, “Tabela 23. População das cidades mais importantes do Brasil comparada com a de cidades de outros países, 1950-70”, e, por fim, “Tabela 39. População das cidades mais importantes do Brasil comparada com a de cidades de outros países, 1980-2004”.

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Foi consultada a verão on-line do “Dicionário de História de Pelotas”, um .pdf bastante fácil de ser localizado. As citações do livro de Laurence Hallewell foram retiradas da terceira edição da obra, publicada pela EdUSP. O texto de José de Paula Ramos Jr., “Lição de inglês sobre o livro brasileiro”, é da Revista USP, n° 81, também disponível on-line. Não se espante o leitor ao ler o blog de Denise Bottmann, www.nãogostodeplagio.blogspot.com, pela falta de maiúsculas. Foto de ilustração é de Jonas Tenfen, da Livraria Monquelat.

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