Pelotas e “O livro no Brasil: sua
história”
A. F. Monquelat
Jonas Tenfen
Publicou-se
muito na cidade de Pelotas. Bastante corriqueiro encontrar em livrarias de
novos e usados (os sebos), edições que foram impressas na própria Princesa do
Sul. Também é bastante presente no imaginário a atuação de várias editoras,
cujos nomes ainda hoje são sinônimos de boas edições, boas traduções ou azar.
Vários escritores, há época famosos e hoje canônicos, aceitaram convite de
colégios e instituições para proferir palestras e lançar livros nesta cidade.
Algumas dessas visitas, até que se ache trilha nas páginas de jornal, seguem
sendo mitos, mesmo assim, mitos muito presentes e cotidianamente recuperados.
O
“Dicionário de História de Pelotas”, recuperando uma ideia frequente das aulas
de literatura, relaciona os livros no Brasil à história do jornal, mais
especificamente, às tipografias. Onde havia jornal, havia público leitor. A presença
das tipografias em uma determinada região aumentava a oferta de material
impresso a preços mais reduzidos. Apesar de uma ou outra experiência malfadada,
foram os jornais que sustentaram tipografias em várias cidades há época. A
demanda criada, as tipografias passaram a aproveitar o tempo ocioso para
produzirem livros. Criou-se assim outra demanda: a de escritores, incluindo-se
nesta categoria tanto os prosadores como poetas, bem como os tradutores.
Falando
em pioneirismo, o mesmo Dicionário nos informa: “É bastante provável que a mais
antiga obra editada em Pelotas tenha sido ‘Resumo de História Universal’,
também o livro de estreia do professor alemão Carl von Koseritz. Foi impresso
em 1852 na tipografia de ‘O Noticiador’, o segundo jornal em circulação na
cidade (Tipografia Luiz José de Campos).”
Depois
da apresentação, dos objetivos deste artigo. Apresentaremos aqui a presença da
cidade de Pelotas na obra “O livro no Brasil: sua história”, de Laurence
Hallewell. José Paula de Ramos Jr afirma que ao “finalizar a leitura da
esplêndida obra do inglês Laurence Hallewell, o leitor brasileiro certamente
será persuadido de que é possível, sim, conhecer muito melhor o seu próprio país
e a sua cultura por intermédio da história de seus livros.” Por extensão, muito
da história de Pelotas está nos livros, não necessariamente no escrito em suas
páginas, mas nos meios e acontecimentos que permitiram que eles fossem
publicados e consumidos. Facilmente reduzimos tecnologia a computadores,
esquecendo que uma das maiores revoluções tecnológicas da humanidade foi a
impressão em papel distribuída por meio de encadernação.
São
cinco as menções de Hallewell à cidade de Pelotas, sendo as duas primeiras as
mais importantes. A primeira dela, no capítulo sobre Pirataria dos Direitos
autorais, é a seguinte: “É claro que é sempre mais tentadora a pirataria de
obras de autores mortos; talvez seja esse o motivo de uma segunda edição,
clandestina, de ‘Memórias de um Sargento de Milícias’, de Manuel Antônio de
Almeida, impressa em Pelotas em 1862, menos de doze meses após sua morte.”
Satisfeito o autor com a menção a esta obra literária, direciona seu trabalho
seguinte para a primeira Convenção Pan-Americana de Direitos Autorais (1889),
mas, destacamos, que é pouco laborioso levantar outros exemplos semelhantes de
atuação editorial na cidade.
Acrescentamos
uma consideração de Hallewell: “Embora o advento da República tivesse
fortalecido, assim, os direitos legais formais da autoria literária, sua
importação da doutrina americana dos direitos dos estados membros da União
tornou a execução da lei quase uma questão de opção local. Em nenhum outro
lugar isso foi mais evidente do que no Rio Grande do Sul, onde, até as
primeiras décadas do século XX, a principal atividade de algumas editoras foi a
publicação ilegal de autores de fora do estado sulino.” A assertiva é sucinta e
dura. Embora não neste parágrafo, mas a única cidade do estado sulino
mencionada nominalmente por esta atividade foi Pelotas.
Nas
vagas literárias, a Princesa do Sul foi Rainha da Pirataria.
Justificativas
e debates à parte, essa postura permitiu às editoras expandirem seus catálogos
com mais facilidade, bem como tornar mais ágil o processo do feitio do livro.
Parte do capital investido na compra de direitos autorais está no tempo
despendido em negociações; abrindo-se mão desse “inconveniente” temporal, há
ainda mais o óbvio incentivo financeiro, em alguma medida barateando custos.
Essa flexibilidade explica alguns pioneirismos no campo da tradução, como
exposto por Denise Bottmann: “também do Rio Grande do Sul vem o primeiro volume
de Dostoiévski traduzido no Brasil. Foi ‘O Jogador’, em tradução de Alcidez
Cruz, publicado pela Livraria Americana de Pelotas, de Costa Pinto [sic], em
sua coleção ‘Nova bibliotheca economica’. O livro saiu, calculo eu, por volta
de 1895-6: avento essa data porque foi em 1896 que o ‘Almanak litterario e
estatístico do Rio Grande do Sul’ publicou o anúncio de página inteira da
Livraria Americana, com ‘O Jogador’ entre os três títulos já publicados em sua
referida coleção.”
A
segunda menção a Pelotas, cento e sessenta páginas adiante, ainda às voltas com
a mesma questão. Antes de começar com a história da Livraria do Globo, Hallewell
dedica-se a explicar este espírito empreendedor para além da questão econômica
trazendo à tona as posturas do positivismo. Na citação de Rubem Borba de
Moraes: “No século XIX, foram os belgas os grandes piratas das edições
francesas. No Brasil, em fins do século XIX e princípios deste, os editores
rio-grandenses, protegidos por uma constituição positivista, imprimiram toda
sorte de livros sem autorização dos editores legítimos e sem pagar por direitos
autorais.”
No
parágrafo seguinte, Hallewell explicando Borba de Moraes é mais taxativo: “Não
se faz menção a nenhuma firma, mas o principal culpado era a editora gaúcha
mais importante da época, a Livraria Americana, de Carlos Pinto, estabelecida,
desde a década de 1880, em Pelotas, no extremo sul do estado. Sua série
Bibliotheca Econômica, de baixo preço e formato de bolso, publicava traduções
de Bourget, Alphonse Daudet, Dostoiévski, Elslander, irmãos Goncourt, de Kock,
Maupassant, Sacher-Masoch, Turguêniev e Zola [dentre outros].”
As
três menções seguintes a Pelotas estão nas tabelas do apêndice I. Não cabe aqui
reproduzir todos os dados, segue, contudo, os títulos:
“Tabela 14. População das cidades mais importantes do Brasil comparada com a de
cidades de outros países, 1920-1950”, “Tabela 23. População das cidades mais
importantes do Brasil comparada com a de cidades de outros países, 1950-70”, e,
por fim, “Tabela 39. População das cidades mais importantes do Brasil comparada
com a de cidades de outros países, 1980-2004”.
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Foi consultada a verão on-line do
“Dicionário de História de Pelotas”, um .pdf bastante fácil de ser localizado.
As citações do livro de Laurence Hallewell foram retiradas da terceira edição
da obra, publicada pela EdUSP. O texto de José de Paula Ramos Jr., “Lição de
inglês sobre o livro brasileiro”, é da Revista USP, n° 81, também disponível
on-line. Não se espante o leitor ao ler o blog de Denise Bottmann, www.nãogostodeplagio.blogspot.com,
pela falta de maiúsculas. Foto de ilustração é de Jonas Tenfen, da Livraria
Monquelat.
Excelente texto meus amigos!
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