quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Religiões de matriz africana em Pelotas (parte 3)

Religiões de matriz africana em Pelotas
 (parte 3)


A.F.Monquelat
Jonas Tenfen



E a caçada continua...


Meretriz e feiticeira     

                                                                                          Ana Maria, meretriz moradora à Rua Três de Fevereiro [atual Major Cícero], conhecida por suas relações com a feitiçaria “e por ser filiada a escola de ridículas promessas a Santo Antônio, que parece ter sofrido alguns banhos no poço,” foi chamada à polícia em princípios de janeiro de 1879 onde, depois de severamente admoestada, retornou para casa, prometendo abandonar aqueles hábitos. Do contrário, o Diário de Pelotas a aconselhava a não brincar muito com Santo Antônio, “porque este amigo pode estar um dia de mau humor... e então, com certeza, vira-se o feitiço contra a feiticeira”.   

                  

Feitiço que não deu certo, acabou em assassinato


         Por volta das 11 horas da manhã do dia 15 de janeiro de 1879, na Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes], o negro Antônio, escravo de Joaquim Rasgado, ao encontrar-se com Thomaz, negro velho e livre,  depois de com este trocar algumas palavras, “assassinou-o barbaramente, crivando-o de facadas”.
         Em seguida foi entregar-se à polícia, declarando que sua intenção era a de matar o capataz da charqueada a fim de, e por aquela forma, ver-se livre do cativeiro; mas, como não pudesse consumar aquele crime, aproveitara a ocasião, ao encontrar-se com o negro Thomaz, já que esse lhe devia 3$000 (réis) por um trato feito. Antônio havia dado esse dinheiro para que Thomaz fizesse um feitiço, cuja finalidade era a de que ele não mais apanhasse na charqueada. Entretanto, o tal feitiço não fizera efeito. Matara Thomaz como mataria outro qualquer, por preferir ir para a cadeia, onde não mais trabalharia, do que voltar para a charqueada.
         O velho Thomaz morreu em seguida, em razão dos ferimentos recebidos; “era um preto velho e inofensivo”.
         A autoridade, tomando conhecimento do ocorrido, mandou proceder ao auto de corpo de delito no cadáver e lhe deu sepultura.
         O assassino foi recolhido à cadeia.
         Aquilo que, durante o período em que estamos abordando, finais do século XIX e ainda por longos anos do século XX, era tido e tratado como feitiço, é hoje conhecido como trabalho. Sendo ele executado por Mães ou Pais de Santos.

Ana Maria, a meretriz feiticeira, volta a atacar


         Tendo a delegacia de polícia recebido denúncias de que a mulher Ana Maria, moradora à Rua Três de Fevereiro [atual Major Cícero], “fazia profissão de impingir certas drogas às pessoas incautas, para determinados fins”, sendo por isso acusada de fazer feitiço: mandou o tenente Cordeiro passar-lhe uma busca na casa, onde foi encontrada, além de outros objetos, uma tosca imagem de Santo Antônio, diversos frascos com águas mais ou menos coloridas, penas de aves e várias bugigangas “de fins desconhecidos”.
         Os objetos foram confiscados e depositados na Delegacia de polícia e a feiticeira repreendida convenientemente.

Feiticeira, adivinha, cartomante e alcoviteira


         Aos dezesseis dias do mês de maio de 1879, o redator do Jornal do Commercio pedia às autoridades policiais de Pelotas que fizessem cessar o escândalo que estava acontecendo em uma casa da Rua Santa Bárbara [atual Deodoro], onde abrira estabelecimento de bruxaria, adivinhação e Cartomancia. Sua proprietária era a mulher que, a não poucos dias, fora admoestada pela polícia a mudar de vida.
         Era repulsivo, segundo o jornalista o que lhe haviam informado passar-se naquela pocilga, que além de outros fins repugnantes, servia de alcouce [casa de prostituição].
         Noite e dia, era grande a frequência de mulheres equívocas [prostitutas], chegando-se a comentar que também a frequentavam algumas mulheres que deveriam prezar mais o seu estado, em vez de irem consultar a tal embusteira.

Elvira, a negra atirada à mina, volta à cadeia


         O Correio Mercantil em edição de sete de julho de 1879, noticiando uma grande feitiçaria, dizia que em Pelotas já não era possível impunemente ser ladrão, vagabundo, cartomante ou feiticeira.
         Noutros tempos, nos tristes tempos do Dr. Maia, tudo se podia ser – velhaco, depravado, gatuno, desordeiro... – desde que se estivesse, também, e com coragem, ao “serviço reservado da polícia”.
         Hoje (época da notícia) as coisas andavam mais finas e apuradas. As testadas policiais iam se sentindo livres das sinuosidades que impossibilitavam a passagem em noites tormentosas, e as coisas tomando outro caráter: mais sério e de mais garantia para a segurança individual e da propriedade.
         Era para aquilo, sem dúvida, que o Jornal deitava olhos vesgos e invejosos.
         “As glórias do seu ídolo de barro estão se eclipsando à luz da moralidade e da justiça”.
         E prosseguia dizendo que ontem (06.06.1879), em pleno dia, fora apanhada em flagrante delito de feitiçaria, ali para os lados da Várzea, a bem conhecida “preta forra” Elvira, que por mais de uma vez tinha ido parar na polícia por iguais falcatruas.
         Era a mesma, que há mais ou menos um ano fora à cadeia civil, de chapéu de sol, aberto, com acólito [ajudante, assistente] e em grande gala, levando um cajado de prata, cujo fim, o do cajado de prata, só o Dr. Vicente de Maia conhecia, pretendendo restituir à liberdade o Sr. José Lopes da Conceição.
         Não desacorçoada com o corretivo que sofrera naquela ocasião, “leve corretivo, de certo”, visto que não o havia aproveitado, continuou a exercitar-se na habitual profissão, “chamando os incautos dos dois sexos e das três condições [escravo, livre e forro] aos redis da sua ciência”.
         A polícia, porém, que era vigilante e ativa, que não descansava à sombra dos louros arrecadados, “espreitou-a habilmente até que a encontrou com a boca na botija”.
         Estava a mesa posta... – No centro o Manipanso com a sua borla encarnada ao pescoço, rodeado de ovos de cágado, pedras preciosas, chifres de veado, contas, orações, breviários, cabeleiras, o rabo do diabo [que não conseguimos descobrir nada sobre o que fosse] e uma imensidade de bugigangas semelhantes.
         Tudo confiscado!
         Feitiçarias e feiticeira, bonecos e relíquias sagradas, tudo foi parar no quartel da polícia, onde procederam a um minucioso inventário perante numerosa assistência.
         Era uma espécie de armarinho da roça, onde se encontrava de tudo.
         A feiticeira tinha um esplêndido sortimento. Era, talvez, a primeira em seu gênero.
         Examinadas as drogas e separadas de alguns objetos úteis em que estavam acondicionadas, foram estas entregues sem piedade a uma fogueira no pátio do quartel da polícia.
         O Manipanso, que era um boneco de louça próprio para adorno de mesa, “não reclamou contra o auto-de-fé”.
         Quem reclamou foi a deusa do templo, a Elvira, “que invocou o santo nome do seu Deus, porém assim mesmo foi parar na casa das grades de ferro”.
         Ao que parece, o delegado Maia se enfeitiçou com o cajado de prata da Elvira e fê-lo desaparecer.
         No texto do jornal Correio Mercantil, permeado de ironias e gracejos que apenas servem para demonstrar a ignorância quanto ao fato, Elvira é tida como uma ardilosa e desonesta feiticeira, que atraía os “incautos dos dois sexos e das três condições aos redis da sua ciência”, o que certamente não era verdade.
         Tratando do mesmo acontecimento, o Jornal do Comércio, daquele mesmo dia, se refere da seguinte maneira: Uma feiticeira no poleiro – tendo o Sr. Delegado de polícia denúncia de que a Rua Yathay [atual Gonçalves Chaves] residia uma preta mina forra, que faz a profissão de far consultas e vender elixires para diversos fins, mandou buscá-la pela polícia.
         Chegada à secretaria, a sibila declarou chamar-se Elvira e, sem dúvida pelos hábitos adquiridos, fingiu-se tomada de delírios, dando gritos, fazendo contorções e proferindo palavras sem nexo.
         Conhecidas as intenções da embusteira, a autoridade mandou recolhê-la à cadeia civil, depois de destruir várias bugigangas que com ela vieram, dentre outras algumas figuras de barro, ovos de vários pássaros, trapos, sapatos, unguentos, calhaus [pedaços, fragmentos de rochas], uma cola de cavalo, etc.
         Em casa da feiticeira foi encontrada também uma preta, escrava de Francisco Xavier de Oliveira, a qual foi convenientemente repreendida.
                  
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                Continua...


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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense – CDOV e Pelotas dos Excluídos

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