A.F.Monquelat
Jonas
Tenfen
Meretriz e feiticeira
Ana Maria, meretriz moradora à Rua Três de Fevereiro [atual Major Cícero], conhecida por suas relações com a feitiçaria “e por ser filiada a escola de ridículas promessas a Santo Antônio, que parece ter sofrido alguns banhos no poço,” foi chamada à polícia em princípios de janeiro de 1879 onde, depois de severamente admoestada, retornou para casa, prometendo abandonar aqueles hábitos. Do contrário, o Diário de Pelotas a aconselhava a não brincar muito com Santo Antônio, “porque este amigo pode estar um dia de mau humor... e então, com certeza, vira-se o feitiço contra a feiticeira”.Feitiço que não deu certo, acabou em assassinato
Por volta das 11 horas da manhã do dia 15 de janeiro de
1879, na Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes], o negro Antônio, escravo de
Joaquim Rasgado, ao encontrar-se com Thomaz, negro velho e livre, depois de com este trocar algumas palavras,
“assassinou-o barbaramente, crivando-o de facadas”.
Em seguida foi entregar-se à polícia, declarando que sua
intenção era a de matar o capataz da charqueada a fim de, e por aquela forma,
ver-se livre do cativeiro; mas, como não pudesse consumar aquele crime,
aproveitara a ocasião, ao encontrar-se com o negro Thomaz, já que esse lhe
devia 3$000 (réis) por um trato feito. Antônio havia dado esse dinheiro para
que Thomaz fizesse um feitiço, cuja
finalidade era a de que ele não mais apanhasse na charqueada. Entretanto, o tal
feitiço não fizera efeito. Matara
Thomaz como mataria outro qualquer, por preferir ir para a cadeia, onde não
mais trabalharia, do que voltar para a charqueada.
O velho Thomaz morreu em seguida, em razão dos ferimentos
recebidos; “era um preto velho e inofensivo”.
A autoridade, tomando conhecimento do ocorrido, mandou
proceder ao auto de corpo de delito no cadáver e lhe deu sepultura.
O assassino foi recolhido à cadeia.
Aquilo que, durante o período em que estamos abordando,
finais do século XIX e ainda por longos anos do século XX, era tido e tratado
como feitiço, é hoje conhecido como trabalho. Sendo ele executado por Mães
ou Pais de Santos.
Ana Maria, a meretriz feiticeira, volta a atacar
Tendo a delegacia de polícia recebido denúncias de que a
mulher Ana Maria, moradora à Rua Três de Fevereiro [atual Major Cícero], “fazia
profissão de impingir certas drogas às pessoas incautas, para determinados
fins”, sendo por isso acusada de fazer feitiço:
mandou o tenente Cordeiro passar-lhe uma busca na casa, onde foi encontrada,
além de outros objetos, uma tosca imagem de Santo Antônio, diversos frascos com
águas mais ou menos coloridas, penas de aves e várias bugigangas “de fins
desconhecidos”.
Os objetos foram confiscados e depositados na Delegacia de
polícia e a feiticeira repreendida
convenientemente.
Feiticeira, adivinha, cartomante e alcoviteira
Aos dezesseis dias do mês de maio de 1879, o redator do
Jornal do Commercio pedia às autoridades policiais de Pelotas que fizessem
cessar o escândalo que estava acontecendo em uma casa da Rua Santa Bárbara
[atual Deodoro], onde abrira estabelecimento de bruxaria, adivinhação e Cartomancia.
Sua proprietária era a mulher que, a não poucos dias, fora admoestada pela
polícia a mudar de vida.
Era repulsivo, segundo o jornalista o que lhe haviam
informado passar-se naquela pocilga, que além de outros fins repugnantes,
servia de alcouce [casa de prostituição].
Noite e dia, era grande a frequência de mulheres equívocas
[prostitutas], chegando-se a comentar que também a frequentavam algumas
mulheres que deveriam prezar mais o seu estado, em vez de irem consultar a tal
embusteira.
Elvira, a negra atirada à mina, volta à cadeia
O Correio Mercantil
em edição de sete de julho de 1879, noticiando uma grande feitiçaria, dizia que
em Pelotas já não era possível impunemente ser ladrão, vagabundo, cartomante ou
feiticeira.
Noutros tempos, nos tristes tempos do Dr. Maia, tudo se
podia ser – velhaco, depravado, gatuno, desordeiro... – desde que se estivesse,
também, e com coragem, ao “serviço reservado
da polícia”.
Hoje (época da notícia) as coisas andavam mais finas e
apuradas. As testadas policiais iam se sentindo livres das sinuosidades que
impossibilitavam a passagem em noites tormentosas, e as coisas tomando outro
caráter: mais sério e de mais garantia para a segurança individual e da
propriedade.
Era para aquilo, sem dúvida, que o Jornal deitava olhos vesgos e invejosos.
“As glórias do seu ídolo de barro estão se eclipsando à luz
da moralidade e da justiça”.
E prosseguia dizendo que ontem (06.06.1879), em pleno dia,
fora apanhada em flagrante delito de feitiçaria, ali para os lados da Várzea, a
bem conhecida “preta forra” Elvira, que por mais de uma vez tinha ido parar na
polícia por iguais falcatruas.
Era a mesma, que há mais ou menos um ano fora à cadeia
civil, de chapéu de sol, aberto, com acólito [ajudante, assistente] e em grande
gala, levando um cajado de prata, cujo fim, o do cajado de prata, só o Dr.
Vicente de Maia conhecia, pretendendo restituir à liberdade o Sr. José Lopes da
Conceição.
Não desacorçoada com o corretivo que sofrera naquela
ocasião, “leve corretivo, de certo”, visto que não o havia aproveitado,
continuou a exercitar-se na habitual profissão, “chamando os incautos dos dois
sexos e das três condições [escravo, livre e forro] aos redis da sua ciência”.
A polícia, porém, que era vigilante e ativa, que não
descansava à sombra dos louros arrecadados, “espreitou-a habilmente até que a
encontrou com a boca na botija”.
Estava a mesa posta... – No centro o Manipanso com a sua borla encarnada ao pescoço, rodeado de ovos de
cágado, pedras preciosas, chifres de
veado, contas, orações, breviários, cabeleiras, o rabo do diabo [que não conseguimos descobrir nada sobre o que
fosse] e uma imensidade de bugigangas semelhantes.
Tudo confiscado!
Feitiçarias e feiticeira, bonecos e relíquias sagradas, tudo foi parar no quartel da polícia, onde
procederam a um minucioso inventário perante numerosa assistência.
Era uma espécie de armarinho da roça, onde se encontrava de
tudo.
A feiticeira tinha
um esplêndido sortimento. Era, talvez, a primeira em seu gênero.
Examinadas as drogas
e separadas de alguns objetos úteis em que estavam acondicionadas, foram estas entregues
sem piedade a uma fogueira no pátio do quartel da polícia.
O Manipanso, que
era um boneco de louça próprio para adorno de mesa, “não reclamou contra o
auto-de-fé”.
Quem reclamou foi a deusa
do templo, a Elvira, “que invocou o santo nome do seu Deus, porém assim mesmo foi parar na casa das grades de ferro”.
Ao que parece, o delegado Maia se enfeitiçou com o cajado de
prata da Elvira e fê-lo desaparecer.
No texto do jornal Correio
Mercantil, permeado de ironias e gracejos que apenas servem para demonstrar
a ignorância quanto ao fato, Elvira é tida como uma ardilosa e desonesta feiticeira, que atraía os “incautos dos
dois sexos e das três condições aos redis da sua ciência”, o que certamente não era verdade.
Tratando do mesmo acontecimento, o Jornal do Comércio, daquele mesmo dia, se refere da seguinte
maneira: Uma feiticeira no poleiro –
tendo o Sr. Delegado de polícia denúncia de que a Rua Yathay [atual Gonçalves
Chaves] residia uma preta mina forra, que faz a profissão de far consultas e
vender elixires para diversos fins, mandou buscá-la pela polícia.
Chegada à secretaria, a sibila
declarou chamar-se Elvira e, sem dúvida pelos hábitos adquiridos, fingiu-se
tomada de delírios, dando gritos, fazendo contorções e proferindo palavras sem
nexo.
Conhecidas as intenções da embusteira, a autoridade mandou
recolhê-la à cadeia civil, depois de destruir várias bugigangas que com ela vieram, dentre outras algumas figuras de
barro, ovos de vários pássaros, trapos, sapatos, unguentos, calhaus [pedaços,
fragmentos de rochas], uma cola de cavalo, etc.
Em casa da feiticeira foi encontrada também uma preta,
escrava de Francisco Xavier de Oliveira, a qual foi convenientemente
repreendida.
Continua...
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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense – CDOV e Pelotas dos Excluídos
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