quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Dominguinhos, o mais que centenário

pelotasdeontem.blogspot.com

A. F. Monquelat



Certa feita, publiquei uma série de artigos sobre alguns dos muitos tipos folclóricos e ou populares da cidade de Pelotas, dentre esses, propositalmente, deixei de fora o mais que centenário e popular Dominguinhos, cujo nome é Domingos Moreira. O motivo que me levou a tal decisão foi o fato de não haver muitos dados sobre o nosso personagem e os poucos que por aí circulam, além de pouco confiáveis, são preconceituosos.

Em meados do ano de 1911 o jornal Diário Popular de Pelotas publicou em suas páginas fotos e dados, ainda que poucos, sobre alguns personagens mais que centenários da cidade, e lá se encontrava o nosso Domingos Moreira, o popular Dominguinhos.

Dominguinhos, assim como outros apontados pelo jornal, na ocasião estava recolhido ao Asilo e gozava de boa saúde.

Ao lado da foto, em uma espécie de moldura, era dito que aquela figura era a do popular e muito conhecido Dominguinhos, o qual, não poucas vezes, fora visto nas ruas da cidade dançando, cantando e rindo com a rapaziada, que o apreciava muito, pelo caráter alegre que possuía.

Recolhido ao Asilo há mais ou menos um ano, “conta 130 anos”. Natural do Congo foi para a Bahia, já casado. Sendo vendido como escravo para o Rio Grande, veio, depois para Pelotas, onde casou pela segunda vez.Passava os dias ao sol, cantando e comendo rapaduras, das quais muito gostava.

Diante da precariedade de dados expostos na matéria publicada pelo Diário Popular, sobre alguns personagens centenários da cidade, podemos dizer e lamentar que o jornalista, perdeu, naquela ocasião, a oportunidade de nos legar uma importante reportagem sobre um vulto de tão longa e experiente vida.

Não muitos meses após a publicação da matéria, voltava o Diário Popular a falar sobre Dominguinhos, mas, desta vez, na coluna “Necrologia”, para informar aos seus leitores que falecera, nesta cidade, Domingos Moreira, africano e contando 110 anos de idade.

Observe o leitor que o próprio jornal ao noticiar a morte de Domingos Moreira, em 13 de junho de 1912, que antes dissera ter Dominguinhos 130 anos, dizia agora ser este, africano, contando 110 anos.

Antes de prosseguirmos com a leitura de outras fontes sobre a morte de Dominguinhos, é preciso considerar que, embora de forma bastante sucinta, podemos considerar a reportagem do Diário Popular, sobre os tipos centenários de Pelotas, a principal responsável pela divulgação e permanência entre nós desta popular figura que, inclusive, virou um dos inúmeros cartões postais da Editora Meira, com circulação aérea desde o ano de 1911 e, posteriormente, incorporado ao livro A cidade de Pelotas, em 1922.

O autor da obra, Fernando Osório, não somente utiliza os mesmos dados publicados pelo Diário Popular, bem como reproduz o postal da Meira com a foto de Dominguinhos, e dá asas a sua fértil imaginação,  ao acrescentar: “(...). Como o carneiro do batalhão, cheio de guizos e fitas, surgia o vulto grotesco, minúsculo, quase invisível, do Dominguinhos, trovador da cor inconfundível do carvão, dançarino incansável que atravessou a vida sempre carreando o peso da desventura, constantemente a rir, a cantar e a dançar, para ver se a boa sorte despertava do sono que para ele seria eterno...”

“Aquele metro de gente durou mais de um século (107 anos), a esperar a morte. Pobre alma! Nasceu quando o século XIX tinha apenas oito anos; o século expirou e ele sobreviveu; o século foi das luzes, morreu numa apoteose de grandezas e ele viveu sem luz para morrer numa apoteose de misérias; a morte parecia ter se esquecido de o levar na onda, o século viveu numa orgia de sol e ele, sempre negro, atravessou-o na ignorância profunda, e quando o novo século surgia numa alvorada polar bizarra, cortada pelo jato dos holofotes e pela asa leve e ligeira dos aeroplanos, o Dominguinhos desceu à terra, e nem os sete palmos clássicos os seus  despojos ocuparam, que tanto não tinha ele de altura, mas a memória de cinco gerações está cheia dessa figura de preto que se fez branco para viver na tradição.”

Deixando de lado a fértil criatividade e os gongóricos preconceitos do autor de A cidade de Pelotas, vejamos duas notícias mais sobre a morte de Domingos Moreira, sendo que o jornal A Opinião Pública de 13 de junho de 1912, sobre o ocorrido diz que no dia 11 daquele mês falecera o conhecido Dominguinhos que se achava internado há tempos no Asilo de Mendigos e contava 130 anos de idade.

Domingos Moreira, como se chamava, era um tipo popular, alegre, sempre pronto a servir de brinco, principalmente das crianças, que ele sempre recebia carinhosamente.

O Dominguinhos era africano e, segundo o jornal, guardou sempre, apesar de encanecido pela longa idade, nítidas recordações da era primitiva de Pelotas, para onde viera com tenra idade.
Concluía o jornalista desejando paz aos seus manes [ancestrais].

E por último o jornal A Tribuna, de 13 de junho, que nos informando que: no asilo de Mendigos onde se achava recolhido falecera anteontem o popular preto velho Dominguinhos.

Domingos Moreira contava para mais de um centenário de existência e só recolheu se ao leito daquela instituição nos últimos dias de sua longa vida, quando se sentiu desalentado para prosseguir no labutar constante da luta pela existência.

Dominguinhos, prossegue o jornal, sempre a cantar, tendo sempre um riso franco para os que dele se acercavam, era amigo de todos e por isso não conhecera inimigos.

As crianças, então, eram o seu predileto entretenimento e só elas faziam, muitas vezes, o Dominguinhos parar por momentos na rua para responder-lhes ao ser interpelado: “Quantos anos tens? – Só dois dias, o dia em que nasci e o dia em que vou morrer.”

Que descansasse em paz o Dominguinhos, concluía o jornalista.



Fonte de pesquisa: CDOV- Bibliotheca Pública Pelotense
Revisão do texto e postagem: Jonas Tenfen