quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Os bondes elétricos em Pelotas (parte 1)

Os bondes elétricos em Pelotas (parte 1)


                                                                                                                            A.F. Monquelat
Bondes na Rua Floriano

Dos diversos tipos e modelos de bondes que circularam pelas ruas de Pelotas, desde o puxado por burros até o bonde elétrico, trataremos aqui tão somente deste último. 
A primeira iniciativa para a instalação de uma linha de bondes elétricos na cidade ocorreu no mês de agosto de 1910, quando então o coronel Ganzo Fernandes solicitou ao Intendente da época tal privilégio.
        Caso tal solicitação fosse atendida, a sede da empresa ficaria em frente ao Theatro Sete de Abril, sendo o trajeto dos bondes o seguinte:


        Primeira linha: rua 15 de Novembro, Benjamim Constant, Fábrica de Tecidos; voltando pela segunda, até a Barroso. Depois pela rua Tiradentes até o Theatro.
Segunda linha: do Theatro, às ruas 15 de Novembro, 7 de Abril [D. Pedro II], Vieira Pimenta, Ponte de Pedras, Marques de Caxias [Santos Dumont, avenida Bento Gonçalves, descendo pelas ruas Paysandu [Barão de Santa Tecla], Floriano Peixoto até a sua sede.
Terceira linha: do Theatro para as ruas Floriano Peixoto, Manduca Rodrigues [Marcílio Dias], passando pela praça da Caridade [Piratinino de Almeida], rua Nogueira [Pinto Martins], dando volta pela Capela da Luz, avenida Bento Gonçalves, rua 15 de Novembro até a sede.
Quarta linha: do Theatro até a Costa. 
Quinta linha: até o Areal.
Sexta linha: até o Fragata.
As linhas seriam em número de oito.

A visita do Sr. Pepper

Um ano após a solicitação do Sr. Coronel Ganzo, para a concessão das linhas de bondes elétricos em Pelotas, que por certo não aconteceu, pois dia 12 de setembro de 1911 era anunciado pela imprensa local um “importante melhoramento”. Para tal, encontrava-se na cidade o Sr. Charles F. Pepper, profissional de reconhecida competência, que fazia parte da casa inglesa de Kincaid, Waller, Manville & Dawson, a mesma que havia elaborado o projeto de bondes elétricos para Porto Alegre.
O Sr. Pepper vinha a Pelotas como representante da firma Buxton, Cassim & C., de Buenos Aires, fazer estudos a fim de formular proposta para a instalação de bondes elétricos e iluminação de Pelotas, conforme o edital publicado pelo Sr. José Barbosa Gonçalves, intendente municipal.

"Inauguracion de Trein Way Pelotas 29 de 7be. 1872"

A chegada do material para a construção da Usina e linhas dos bondes elétricos

Aos 18 dias do mês de julho de 1913, era anunciado pela imprensa encontrar-se no porto da cidade a chata Sphinx e as barcaças Royal e Bandarra, todos com material para a montagem da Usina e construção das linhas dos bondes elétricos da Light and Power Rio-Grandense.
A primeira embarcação trazia a seu bordo 728 volumes de trilhos, vindos pelo vapor Santa Úrsula, outros 138 volumes com material para as oficinas e 70 caixas com vidros.
Nos próximos dias, seria despachado o referido material, devendo logo serem depositados os trilhos nas ruas Benjamim Constant, 15 de Novembro, 7 de Abril [Dom Pedro II], Vieira Pimenta, Marechal Floriano  15 de Novembro até 7 de Abril, a fim de ser imediatamente iniciada a construção da primeira linha circular.

A distribuição dos itens e outras providências

Em 27 de julho de 1913, os concessionários dos bondes elétricos, nesta cidade pediram licença à intendência municipal para distribuir trilhos ao longo das ruas Benjamim Constant, 15 de Novembro, 7 de Abril, Vieira Pimenta e Marechal Floriano.
Sabia o jornalista que a Intendência marcara para depósitos de trilhos o largo da rua 15 de Novembro, esquina Gomes Carneiro, e o extremo sul da avenida Saldanha Marinho, pois a demorada colocação de trilhos ao longo dessas ruas prejudicaria o trânsito, bem como o escoamento das águas e o serviço de limpeza.
Entretanto, a municipalidade permitiria a distribuição parcial daquele material na ocasião do assentamento das linhas de modo que esse trabalho em nada fosse prejudicado, ficando conciliados os interesses dos concessionários e os do público.
Conforme noticiado, no dia anterior fora assinado o contrato entre o representante da firma Buxton, Cassini & C., e o Sr. Tenente Eugênio Thomaz Cupertino, para a armação do pavilhão metálico à praça Constituição,  que serviria de oficinas à empresa de bondes elétricos.
Os trabalhos deveriam ter início no dia 1º de agosto daquele mesmo ano.
Era divulgado também que, no vasto sobrado situado à rua Paysandu [Barão de Santa Tecla], esquina Marechal Floriano, funcionaria, do dia 28 de julho em diante, o escritório da The Sindicat Light and Power Rio-Grandense, sob a direção do engenheiro Sr. Dr. H. W. Appleby.
Nesse prédio, segundo informações, seria futuramente a residência do Sr. Appleby e sua esposa.
No dia 28 ou 29 daquele mês, seria dado início a construção dos alicerces para a armação dos pavilhões metálicos à praça Constituição.

Bonde puxado por animais, em frente à Bibliotheca

Bondes e luz

Segundo informações obtidas pelo Diário Popular, de 4 de março de 1915, deveria chegar a Pelotas, em seguida, o pessoal para o assentamento dos cabos da linha aérea da luz elétrica.
O respectivo material encontrava-se no Rio de Janeiro.
Dentro de 4 meses, mais ou menos, dizia o jornalista, deveria estar funcionando o serviço da luz elétrica, quanto aos bondes somente daí a 8 meses, aproximadamente, é que a cidade poderia contar com o respectivo serviço.

Anunciada a inauguração

Dizia o jornal A Opinião Pública, do dia 13 de outubro de 1915, que o pessoal que trabalhava no assentamento de trilhos para os bondes elétricos estava trabalhando dia e noite, a fim de que a inauguração do serviço fosse realizada no dia 20 daquele mês.
Na usina elétrica, estavam montados cinco bondes que entrariam, naquele dia, em serviço.
Os referidos veículos eram elegantes, do último modelo, possuindo cômodos para 32 pessoas.

                                                                                                                    Continua...

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Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense e de A.F. Monquelat
Revisão de texto e postagem: Jonas Tenfen

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019


Mistérios de Pelotas: o homem do chapéu cinzento


A.F. Monquelat
        
        Entre os últimos dias do mês de dezembro do ano de 1934 e os primeiros do mês de janeiro de 1935, a Vila Fonseca esteve alarmada com o fato que ficou conhecido como o do “homem do chapéu cinzento”.
       A Vila Fonseca, situada à rua Marechal Floriano nº 368, pouco além da Usina Elétrica, viu-se de um momento para outro objeto de uma ocorrência que se tinha tornado na preocupação constante dos habitantes da referida vila, que passavam as noites intranquilos, sob a impressão de uma constante ameaça.
       Antes de vermos o fato, vejamos o que era a Vila Fonseca: uma habitação coletiva, construída em sentido transversal à rua Marechal Floriano e composta de 26 casas. Assim, como as demais habitações desse gênero existentes em Pelotas, a Vila Fonseca, além da falta de higiene e total ausência de conforto, à  noite mergulhava na mais profunda escuridão.
    E era nesse cenário, pouco ou nada agradável, que vinha acontecendo uma visita inquietante, pelo menos, há quinze dias.
    Uma visita que, por volta da meia-noite fazia, com que os habitantes da Vila Fonseca fossem despertados por fortes encontrões dado nas portas e janelas dos fundos de suas moradias.
     Quase todas as casas já tinham sido visadas pelo misterioso notívago.
     Vários moradores da Vila, ao ouvirem o barulho dos encontrões, corriam ao fundo da moradia e, abrindo uma porta ou janela, viam um vulto de chapéu cor de cinza que, com incrível agilidade, saltava o muro que dava para uma barraca de couros, que existia na rua Marechal Floriano, desaparecendo nas trevas.
O  mais curioso: no quintal da barraca de couros existia um cão feroz.
    Pois bem, esse cão nem sequer dava sinal de existir e, entretanto, ele ali estava para fazer guarda, em virtude de sua ferocidade.
   Outras vezes, o homem de chapéu cor de cinza, ao ser pressentido, subia para o telhado, como se fosse um gato, e correndo em direção aos fundos da Vila, tomava destino ignorado.
      A Vila Fonseca, como é fácil imaginar, era habitada por pessoas pobres, na maioria famílias que trabalhavam para viver.
    Que pretenderia, o misterioso visitante noturno? Roubar? Arriscar a vida, arrombando casas que sabia serem habitadas por pessoas que nada de valor possuíam?
         Era, realmente, um acontecimento muito estranho.
     Segundo a imprensa, o mistério do homem do chapéu cinzento     cabia à polícia desvendar, pois somente assim, voltaria novamente a reinar a calma na Vila Fonseca.
       Intrigada com o acontecimento, resolveu a reportagem de um dos jornais da cidade investigar o caso dirigindo-se para o local e, por volta das 22 horas, já na Vila Fonseca começou a entrevistar os moradores. Todos se mostravam apreensivos, em especial as famílias.
       Um dos moradores com o qual conversou a reportagem, contou que, na quarta-feira, daquela semana, resolveu levar o fato ao conhecimento da polícia.
      Dirigiu-se, para isso ao Sr. Capitão Cesar Brisolara, subprefeito, que, após ter ouvido o relato das misteriosas ocorrências, prometeu mandar, à noite, investigar o local.
      Tal como prometera, o Sr. Subprefeito, às 23 horas, para o local enviou três policiais.
       Estes, porém, segundo os moradores informaram, tiveram antes de qualquer coisa, o cuidado de tornarem notada a sua presença.
         Para tal, conversavam em voz alta, tanto na frente dos prédios quanto nos fundos.
   Depois, resolveram os referidos soldados fazer um reconhecimento do terreno que ficava nos fundos da Vila, o que deixou os habitantes na expectativa e com o ouvido atento.
         De repente, ouviu-se o estampido de um tiro.
     Como não foi ouvido um segundo estampido, os moradores julgaram que os policiais tivessem morto, ou pelo menos, ferido o homem do chapéu cinzento.
      Decorrido alguns minutos chegaram os policiais ao local das habitações. Dirigindo-se um deles a um grupo de pessoas que, ansiosamente os aguardava, disse:
         - Ouviram? Vimos um vulto, nas trevas, que procurava fugir e sem perder a calma, um dos nossos companheiros sacou do revólver e atirou...era um cachorro...
       Após o acontecido e antes da meia-noite, os policiais, alegando afazeres no posto policial, retiraram-se; prometeram, contudo, regressar por volta das duas horas da madrugada.
       No entanto, até a hora em que lá esteve a reportagem do jornal, que ocorreu dois dias depois, os policiais ainda não haviam regressado.
        Segundo informaram os moradores, momentos após a retirada dos policiais, o misterioso visitante forçou a porta dos fundos de uma das casas, desaparecendo, em seguida, como das outras vezes.
      Dizia um dos jornalistas tratar-se de um caso que a polícia precisava investigar, pois o homem do chapéu cinzento bem poderia ser um gatuno.
       Fosse lá o que fosse o que não deixava dúvida era que os habitantes da Vila viviam alarmados durante a noite, e que o caso precisava ter um fim.
         Cuidasse o Sr. Subprefeito pessoalmente do caso, acreditava o jornalista que em pouco tempo o caso seria desvendado, pois o homem do chapéu cinzento seria identificado e os habitantes da Vila Fonseca estariam livres do pesadelo que há quinze dias lhes vinha perturbando a tranquilidade.

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto e Postagem: Jonas Tenfen

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Graf Zeppelin: a grande aeronave sob o céu de Pelotas





Revista O Cruzeiro de 1930 registra a primeira viagem do Graf Zeppelin pelo Brasil.


         A primeira viagem do “charuto alemão”, como foi apelidada a aeronave Graf Zeppelin, foi em voo experimental com destino final no Rio de Janeiro, dia 22 de maio de 1930.
         Devido ao alto custo das passagens, algo em torno de 32.000 reais, somente pessoas muito ricas da época viajavam pela aeronave. Dentre os brasileiros a voar pelo Zeppelin estavam o presidente Getúlio Vargas e o compositor Villa Lobos.
         Em apenas três dias, o Graf Zeppelin conduzia os passageiros de continente a continente, através do Atlântico Meridional, viajando-se nele com a mesma comodidade e segurança como em qualquer outro meio de locomoção da época.
         Até então, mais de 80.000 pessoas haviam viajado nos dirigíveis alemães. Somente o Graf Zeppelin havia percorrido naqueles últimos anos mais de 750.000 quilômetros, nas suas viagens aos trópicos, às terras árticas, através dos oceanos e ao redor do mundo.

O Zeppelin a caminho do Sul
         Dia 28 de junho de 1934, às 14h30, o dirigível alemão chegou ao Rio de Janeiro e em ótimas condições.
         Com a aeronave desenvolvendo uma velocidade média de 100 a 110 quilômetros por hora, o percurso Rio-Porto Alegre levou cerca de 13 a 14 horas.

O dirigível em Porto Alegre
         Por volta das 14 horas do dia 29 de junho de 1934, passou o Zeppelin por Porto Alegre. Por mais de quinze minutos, fez evoluções sobre a cidade debaixo da curiosidade popular. Ao passar sobre o palácio do governo, deixou cair uma mensagem de saudação ao general Flores da Cunha.
         Os jornais da capital do Estado, haviam enviado o seguinte telegrama com o propósito de conseguir que aquela grande e bela aeronave alemã cruzasse os ares de Porto Alegre: “Comandante do Graf Zeppelin – Recife (via Western) – A imprensa de Porto Alegre, interpretando a aspiração da população da capital do Rio Grande do Sul, apela para o alto espírito do bravo comandante, no sentido de voar, possivelmente durante o dia, sobre a nossa capital por ocasião da viagem a Buenos Aires. Os jornais gaúchos esperam de vossa fidalguia  a satisfação de tais desejos visto o povo estar ansioso por conhecer a majestosa aeronave, sob o vosso competente comando. Saudações cordiais – A Federação, Correio do Povo, Diário de Notícias, Jornal da Manhã, Jornal da Noite, Edição, Deutsche Zeitung e La Nuova Italia”.

De Porto Alegre a Pelotas
         Segundo informações fornecidas pela Companhia Telefônica Rio-Grandense aos jornais da cidade, o possante aparelho, a majestosa e grande aeronave alemã Graf Zeppelin, fabricação da Luftschiffban-Zeppelin, empresa fundada pelo conde Ferdinand Von Zeppelin, que nos conste, percorria tal itinerário, por onde passou às 14h20 pela Barra do Ribeiro, às 14h50 por Tapes, às 15h10 por Camaquã, às 15h35 pelo Passo da Pacheca e às 15h52 por São Lourenço, em direção a cidade de Pelotas.


Zeppelin sobrevoando a cidade de Pelotas


A passagem do Graf Zeppelin por Pelotas
         Desde cedo, as ruas encheram-se de milhares de pessoas, ávidas para assistirem a passagem do maravilhoso engenho da indústria aérea alemã, por nossa cidade, rumo à capital portenha.
E assim, em meio ao frenesi e crescente expectativa, os minutos foram transcorrendo até que, precisamente, às 16 horas e 40 minutos, surgiu uma mancha prateada, muito longe, era o monumental Graf Zeppelin, que aos poucos foi se aproximando, do lado nordeste, região da Luz, no céu da cidade de Pelotas.
Tão logo a aeronave foi avistada, numerosos grupos que ocupavam as posições mais altas, tais como terraços de prédios particulares e associativos, mirantes, torres dos templos, chaminés de fábricas, bem como a multidão que estava pelas ruas, foram todos tomados uma grande euforia, que era aumentada pelos apitos das indústrias e usinas, buzinas dos automóveis e sirenes dos jornais.
Foram instantes eletrizantes esses, quando, vagarosa e brilhante aos raios solares, a majestosa aeronave alemã, deslizou sobre a cidade, com o barulho dos seus quatro motores em evolução.
O grande pássaro prateado trazia na sua “cauda de peixe”, em duas faces, a cruz suástica, o emblema político que, na época, “dominava a grandiosa nação alemã, chefiada pelo Sr. Adolfo Hitler”, segundo palavras de um dos jornais da cidade.
O Zeppelin cruzou sobre a cidade, tendo desaparecido rumo a Buenos Aires às 17 horas, aonde chegou no dia seguinte, sendo visitado pelo presidente Justo, pelo ministério e corpo diplomático.
Mais de 20.000 pessoas solicitaram permissão para ingressar no Campo de Mayo, para verem a possante aeronave, que podia transportar 60 pessoas, sendo 40 tripulantes e 20 passageiros. O Zeppelin media 200 metros de comprimento.
Em uma das vitrinas da Pelaria Europeia, foram expostas duas “magníficas fotografias” apanhadas pela Foto-Artística, dirigida pelos fotógrafos Srs. Pedro Bevilaqua e Waldemar Mitzcun, documentando a passagem por esta cidade, do Zeppelin.  Essas fotografias foram tomadas do mirante do Clube Caixeiral.
Os Srs. Pedro Bevilaqua e Waldemar Mitzcun, proprietários da Foto-Artística, eram sucessores da antiga Foto-Lanzeta e eram os fotógrafos oficiais das seguintes instituições: Diário de Notícias, para a zona sul do Estado; Jóquei Clube de Pelotas; Ginásio Gonzaga; Clube Diamantinos, Ginásio Pelotense; e, Grêmio dos Alunos do Conservatório de Música.



Graf Zeppelin impressiona a população de Pelotas. Abaixo o atual prédio do Banco Itaú.





Na esquerda da imagem, a Alfaiataria Caprio.



        
Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense e arquivo do autor
Imagens: acervos de Eduardo Arriada e A.F. Monquelat
Revisão de texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni       

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O centenário do Chove não Molha - Pelotas


A.F. Monquelat




         A título de informação, gostaríamos de registrar o surgimento do possível primeiro cordão carnavalesco em Pelotas. O referido, ocorreu aos 19 dias do mês de fevereiro de 1917, carnaval, quando então a banda musical União Democrata tocaria em um dos coretos armados à rua Sete de Setembro, esquina 15 de Novembro.
         Naquela tarde, uma chuva torrencial impediu tal apresentação e os integrantes da União Democrata, de volta à sua sede, resolveram organizar um bloco carnavalesco. Depois de conversarem a respeito, foi aprovada, por unanimidade, a denominação do bloco: Depois da Chuva. Este sairia tão logo cessasse o aguaceiro.
         Formado o bloco, este percorreu diversas ruas da cidade, levando à frente uma enorme bandeira verde como estandarte. Acompanhado por bem afinada orquestra, o bloco ia despertando a atenção do público que aplaudia freneticamente sua passagem.
         Às 23 horas, de volta à sede da Democrata, em rápida sessão, ficou definitivamente fundado o C.C. Depois da Chuva, por entre entusiasmados vivas dos presentes.
         Foram fundadores os Srs. Normílio Fagundes de Oliveira, Aristides Martins, João Gomes, Artur Chagas, Adauto Marques, Cirilo Carvalho, Lúcio Casiniro da Silva Nazario, Armando Vargas e outros.
         Aclamada a sua primeira diretoria, o presidente nomeado foi o Sr. Armando Vargas.
         Logo depois, surgiu o C.C. Chove não Molha, o Fica Ahi
 e outros.

Letra de samba do cordão Chove não Molha


Breve histórico do Chove não Molha, segundo declarações do Sr. Mário de Lima, à imprensa, por ocasião da comemoração dos 60 anos da instituição, e outras fontes
         Fundado em 26 de fevereiro de 1919, o Chove não Molha instalou-se, à rua Dr. Cassiano, entre as ruas Anchieta e Felix da Cunha, em prédio alugado.
         De acordo com as professoras Lorena Almeida Gill e Beatriz Loner em seu trabalho, Os clubes carnavalescos negros de Pelotas, a ideia de fundação do Clube teria nascido na alfaiataria de Otacílio Borges Pereira, que reunido com os Srs. Antônio Silveira Falcão, Henrique Cancio de Paula, Pedro Vargas e Antenor Vieira, tiveram a ideia de organizar um grupo, com o intuito, e tão somente, de festejar o carnaval daquele ano. Dada a integração e entusiasmo, os componentes resolveram então criar o Chove não Molha, sendo o Cordão Carnavalesco formado por uma parcela muito pobre da etnia negra, ocupando uma posição intermediária, possivelmente por ter profissões regulares, em especial vinculadas a prestação de serviços, como os alfaiates, empregadas domésticas, cozinheiros entre outras, passando no decorrer dos anos a ter outras finalidades associativas.
         Diz-nos ainda o Sr. Mário de Lima que, em meados de 1955, tendo sido vendido o prédio em que o Chove não Molha estava instalado, teve este de desocupar as dependências.
         Em face do ocorrido, a diretoria da instituição procurou de forma incansável um terreno para comprar, com o firme propósito de erguer a sede do bloco.
         O terreno adquirido, dentro das possibilidades financeiras do Clube, foi o da rua Benjamim Constant, nº 2118. A partir da compra deste terreno, foram dedicados três anos à construção da nova sede, inaugurada no ano de 1958.
         Inaugurada a sede, o Chove não Molha organizou o ritmo choviano, através de uma escola de samba que desfilou nos carnavais do final da década de 50 e primórdios dos anos 60.
         Até que, em face das despesas cada vez mais elevadas, o Clube decidiu encerrar sua participação no carnaval de rua.

Em busca de recursos         Aos 9 de julho de 1921, era anunciado pela imprensa que um grupo de influentes sócios daquele bem organizado clube carnavalesco, o Chove não Molha, nomeados em comissão pela respectiva diretoria, promoveria no mês de agosto uma série de atraentes serões quermesse, cujo produto reverteria em benefício de seus cofres sociais.
         A comissão organizadora, segundo a mesma notícia, aceitava qualquer brinde para aquele fim, podendo os mesmos ser enviados para a rua Andrade Neves 676.
         Em 17 de fevereiro de 1930, o jornal O Libertador divulgava em sua coluna sobre o carnaval daquele ano: Na noite anterior, fizera uma passeata por diversas ruas da cidade, o popular cordão carnavalesco Chove não Molha, obtendo muitos aplausos e fartos níqueis.

O Chove não Molha e os carros alegóricos
         É também do Sr. Mário de Lima a afirmação de que, desde o ano de 1939, ano da Jardineira [alusão a marchinha de carnaval composta por Benedito Lacerda e Humberto Porto], que o clube não colocava carros alegóricos com rainha e corte para desfilar na passarela de Carnaval de rua.
         Contudo, no ano do sexagésimo aniversário do Chove não Molha, em homenagem à data, o clube fez desfilar dois carros, no primeiro e último dia de carnaval: um com rainhas e clube e outro com duquesa, duque, bonecas chovianas e a corte da soberana.

1939, o ano do carnaval de sangue
         1939 foi o ano em que a barbárie e a prepotência, de forma clara e covarde demonstrou o que é capaz de promover um regime de exceção em uma sociedade, por mais culta e ordeira que esta se tenha. Foi o caso do carnaval de sangue ocorrido no dia 21 de fevereiro desse mesmo ano, onde um grupo de civis, tendo entre si pessoas de responsabilidade pelos cargos que exerciam, acabou dissolvendo, com uma patrulha e a golpes de sabre, o ordeiro e tradicional Cordão Carnavalesco Chove não Molha, que ia em passeata por uma das principais ruas da cidade de Pelotas.

A tragédia, como ocorrida
         O estimado Cordão pelotense, conhecido e admirado pela sua compostura e sua tradicional seriedade, transitava pela rua Andrade Neves, sob costumeiras aclamações. Segundo centenas de declarações de populares, um grupo de pessoas, em traje civil, penetrou na formatura, tentando agarrar, de forma obscena, as jovens que faziam parte do cortejo. As autoridades prometeram identificar estas pessoas, mas não o fizeram.
         Em defesas das jovens e da moral pública, que até então jamais assistira cenas daquela natureza, os integrantes do Chove não Molha, num revide justo, expulsaram do seu meio o grupo de desordeiros.
         Pondo-se em marcha, sob aplausos, o simpático e querido cordão entrou na rua 15 de Novembro, a principal artéria da cidade, onde um povo inteiro, principalmente mulheres e crianças, assistia ao desfile carnavalesco.
         Quando já em frente da Confeitaria Gaspar [que ficava entre as ruas General Neto e Sete de Setembro], desenrolou-se a tragédia, surgindo, de repente, um grupo de soldados, sem que se soubesse por ordem de quem, e dissolve a golpes de sabre o cordão em marcha.
         Imaginemos uma batalha em plena rua 15 de Novembro, onde estavam talvez trinta mil pessoas, se terá ideia do que foi aquela carnificina.
         Mulheres feridas, crianças aos gritos, casas invadidas, cadeiras quebradas, a confusão, a dor, o sangue...
         Diversas pessoas, inclusive mulheres, receberam curativos na Santa Casa.
         Houve uma sombra de tristeza envolvendo a cidade em luto.
         A imprensa, “que é uma auxiliar da ordem”, não pode silenciar diante daquele fato inominável, que constituía uma lamentável diminuição do Carnaval antigo, que sempre fora uma gloriosa tradição do povo pelotense, dizia o jornalista. Atender aos pedidos, e silenciar sobre o episódio, seria a conivência com os perturbadores em seu entender.
         O jornalista e a sociedade pelotense confiavam na ação do Delegado de Polícia, e na do Sr. major comandante do 9º R.I., que saberiam, por certo, punir os culpados.
         O primeiro Cordão a levar a sua solidariedade ao Chove não Molha foi o “Fica Ahi”.
         Sabia o repórter, que todas as sociedades locais, num gesto de confraternização, iriam levar ao presidente Getúlio Vargas, em memorial telegráfico, o seu protesto contra a selvageria do dia 21 de fevereiro de 1939.




Sede atual do C. C. Chove não Molha



        
Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Revisão de texto e postagem: Bruna Detoni      


domingo, 3 de fevereiro de 2019

As fábricas de louça de barro de Pelotas


As fábricas de louça de barro de Pelotas


                              .                   A.F. Monquelat
           
 
Propaganda da fábrica Lopes Duarte & Irmão
        Em dezembro de 1885, o jornal Correio Mercantil divulgou uma minuciosa estatística sobre as indústrias e profissões existentes em Pelotas, onde podemos encontrar o registro da existência de 3 fabricantes de “louça de barro”.
          Neste mesmo ano, quando da visita da Princesa Isabel a esta cidade, o jornalista Maximino Serzedello, que acompanhou a comitiva, descrevendo a visita e citando estabelecimentos que tomou conhecimento da existência ou visitou, nos diz a certa altura do relato que poderia citar muitas outras fábricas ou casas importantes em Pelotas, como fossem: “(...); a olaria e fábrica de louças diversas do Sr. M. Paulo Loureiro; (...).”
          É bastante provável que a olaria e fábrica de louças citadas pelo jornalista imperial seja aquela a que se refere o jornal Correio Mercantil de 22 de dezembro de 1875, quanto então se tratava de fundar “entre nós” um estabelecimento destinado ao fabrico de louça de barro de toda a qualidade.
          Dizia o repórter, na ocasião, ter visto amostra de alguns objetos que haviam servido de experiência e que em coisa alguma eram inferiores aos que provinham de Porto Alegre ou da Bahia.
          O barro era completamente vermelho, consistente, de um tinir agradável e com a útil propriedade de filtrar a água.
          Desde que existisse a matéria-prima em grande quantidade e nas condições apropriadas, argumentava o jornalista, a questão restringia-se em conseguir “artistas” que se dedicassem a semelhante trabalho, e esses, estava ele informado, existiam em Pelotas e possuiam as necessárias habilitações.
          Restava então que o proprietário da fábrica não esmorecesse em seu propósito, certo de que, no seu entender, teria todo o apoio e compensação por seus esforços.
          Outra das fábricas existentes e registradas, tanto pelo jornalista da comitiva imperial quanto pela estatística sobre as indústrias e profissões do ano de 1885, era a estabelecida à rua São José [atual rua General Teles] nº 20, de propriedade do francês Elie Boulard, estabelecido em Pelotas desde o ano de 1881.
          Nos compartimentos da casa onde o Sr. Boulard instalara sua fábrica, havia em depósito vários produtos de sua fabricação, tais como talhas de diversos feitios: para água, moringas, quartinhas, garrafas, copos, vasos; enfim, toda a variedade de louça de barro feita ao torno.
          A fundo da fábrica, em dois galpões, estavam dois fornos grandes para queimar louça.
          Na época, ano de 1884, não conseguindo dar vazão às encomendas, tratava o Sr. Boulard de construir outro forno, maior que os que até então possuía.
          Em outro galpão, estava a oficina onde havia quatro tornos, de madeira, para fabricar louça, movidos a pé. Em cada torno, trabalhava um operário.
          Era tal a perfeição de seus produtos que os negociantes vendiam-nos como se fossem oriundas das fábricas baianas ou porto-alegrenses, o que levou o Sr. Boulard a marcar todos os objetos fabricados em seu estabelecimento industrial, conforme vemos na ilustração deste artigo, para que assim pudesse o público identificá-los, evitando ser ludibriado.

Marca usada pelo Sr. Boulard em seus produtos

          Trabalhavam no estabelecimento seis operários; e seu proprietário já havia encomendado para a Europa uma máquina especial para amassar o barro.
          Aquela operação, considerada difícil na época, era feita à força de braços.
          O Sr. Boulard residia no Império há dez anos e, segundo o jornalista que o havia entrevistado, era um industrial que merecia a atenção do povo pelotense.
          E, por último, a fábrica de louças de barro instalada à rua Paysandu [atual Barão de Santa Tecla] nº 5, de propriedade dos Srs. João Lopes Ferreira Duarte e Antônio Lopes Ferreira Duarte, desde o ano de 1888.
          A fábrica, fundada em 1879, empregava dez operários, e o seu trabalho, que era de sol a sol, consumia 50 arrobas de barro por dia.
          Era o barro, conforme a natureza do produto que se desejasse, fino ou comum tanto vermelho quanto branco ou preto.
          O barro fino, procedente do Passo das Pedras, era desde o momento de sua chegada lançado em um tanque com água, onde se tornava “a goma do barro”. Esta passava para outro tanque, voltando à água ao primeiro tanque.
          Uma vez depositado, secava nas telhas em que era recolhido. Só estaria pronto depois que lhe fosse retirado os caroços que pudessem restar, a entrar para o cilindro, onde era sovado até ficar bem macio.
          O barro comum, oriundo da Costa do Arroio Pelotas, entrava nos tanques para ser bem misturado com o branco e o preto, caldeado e dali era levado ao cilindro pelo qual, assim como o fino, passava duas vezes.
          O barro então preparado era reunido em pilhas, cuja umidade era conservada por meio de panos molhados, que eram jogados sobre ele, que estava sempre em condições de ser manuseado sobre os tornos, tocados com grande velocidade, onde recebia todas as formas que lhes quisessem dar os operários encarregados daquele serviço.
          Era bastante admirável tal trabalho, todo manual, e surpreendente a uniformidade que apresentavam todos os objetos, como se tivesse saído de uma máquina, tal a precisão dos detalhes.
          Havia também na fábrica formas de gesso, para trabalhos de maior complexidade. Possuía a fábrica, em atividade, 4 máquinas.
          Depois de secarem, durante o espaço de 8 dias no inverno e 3 no verão, os artigos fabricados eram levados ao forno, dividido em dois compartimentos, onde demoravam regularmente 36 horas cozinhando.
          No intervalo entre uma e outra cozedura, os que exigiam  complemento na fabricação eram vidrados.
          Dizia um dos jornalistas que havia visitado a fábrica Lopes Duarte & Irmão que era inumerável a quantidade de produtos ali fabricados, alguns de delicado e fino gosto, além da perfeição de detalhes, e bem acabado remate, com mais de 60 tipos diversos contidos no seu catálogo, adaptado a todas as necessidades domésticas, além de adornos, brinquedos, etc.
          Teve ainda o jornalista a oportunidade de ver algumas amostras dos trabalhos em preparo, podendo ele afirmar que não havia no mercado nem poderiam vir do exterior artigos tão bem acabados em elegância e perfeição.
          As vendas eram feitas por atacado e a varejo, contando como principal mercado, das suas transações em alta escala, a cidade do Rio Grande, além de quase todas as localidades do interior do Estado.
         
          

Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Revisão de texto: Jonas Tenfen
postagem: Bruna Detoni