segunda-feira, 29 de maio de 2017

Jack, o estripador, em Pelotas?


                                                                                     A.F.Monquelat

 

         Diante de um fato ocorrido em janeiro de 1902, na Rua Tiradentes nº 187, no lugar conhecido pela popular alcunha de Beco do Periquito, localizado entre as ruas Marechal Deodoro e Paysandu [atual Barrão de Santa Tecla] e que se tornou célebre nos anais da cidade também pela alcunha de Corredor do Periquito, aventava o jornalista do jornal Correio Mercantil a hipótese da existência em Pelotas “do original ou de um novo Jack, o estripador”.
         Por volta das 23 horas, foi o Dr. Gustavo Doss, clínico alemão aqui domiciliado, procurado em sua residência por duas pessoas negras, um homem e uma mulher, que, de carro, foram solicitar seus serviços profissionais para outra, que se achava ferida.
         O casal foi logo atendido pelo Dr. Doss e, com ele se dirigiram ao Beco, ou Corredor do Periquito.
         No local, o Dr. Doss, - a quem as duas pessoas que o foram buscar disseram já ter procurado outros médicos, que não as puderam atender, sendo que o fato ocorrera às 20 horas – encontrou deitada no leito uma mulher apresentando profundo e grave ferimento no ventre, produzido por instrumento perfurocortante.
         A enferma declarou chamar-se Maria Borges e ter sido ferida, na rua, quando voltava para casa, por um indivíduo desconhecido que, enfrentando-a, desferiu-lhe o golpe, logo fugindo precipitadamente.
         As declarações de Maria Borges foram confirmadas pelas pessoas presentes.
         Dizia o repórter que obtivera as informações em primeira mão e que o ocorrido tratava-se de uma grave ocorrência. Neste acontecimento poderia conter a tentativa de um crime abominável, pois, segundo o exame médico, ficara bem claro que o ferimento fora feito de baixo para cima, evidenciando que o intuito do autor daquele crime era atingir as partes genitais da vítima.
         Entretanto, fosse lá como fosse ocaso ainda não era do conhecimento da polícia, sendo que aquele jornal era o primeiro a divulgá-lo e, naturalmente que, a partir de então, caberia à polícia investigar e resolver aquele mistério.
         Na matéria posterior a do furo de reportagem dado pelo Correio Mercantil, divulgava este que a polícia estava procurando esclarecer o crime ocorrido.
         O jornal havia fornecido à polícia as informações que obtivera e que, a partir daquelas, estava à polícia levantando hipóteses quanto ao misterioso crime.
         Naquela manhã, recebera o jornalista, por intermédio do escrivão de polícia o Sr. Hercio Araújo, o convite do Sr. tenente-coronel Cristóvão José dos Santos, delegado de polícia, para que ele, ao meio dia, comparecesse na delegacia.
         O jornalista prestou à autoridade os esclarecimentos que sabia sobre o caso.
         Antes dele, já tinha sido ouvida a mulher Maria Borges, a vítima do misterioso crime.



         Disse ela ser moradora no lugar conhecido pela popular alcunha de Beco do Periquito.
         Era uma mulher, de cor parda, ainda moça e de bela aparência. Era casada, mas vivia separada do marido, que fora soldado do 29º batalhão de infantaria e que, pouco antes do ocorrido, ao dar baixa, seguira para a Bahia.
         Maria não o quis acompanhar, com receio de que ele lhe fizesse algum mal, vingando-se do que ela lhe fizera. Nunca se deram bem, e, em uma discussão entre o casal, Maria Borges esfaqueara o marido.
         Era mulher de gênio violento e, segundo a polícia, de maus precedentes. Na época, havia suspeitas de que Maria andasse envolvida em um crime que ocorrera dias antes de ter sido ferida da forma misteriosa como fora.
         Sobre o atentado, Maria Borges disse o seguinte: não saber a quem atribuir àquela agressão. Naquela noite, 7 de janeiro, ao chegar à esquina da Rua Tiradentes com a Andrade Neves, notou um indivíduo parado na calçada oposta, o qual aproximando-se dela, vibrou-lhe uma facada, pondo-se em seguida a correr.
         Estava assim, no entender do jornalista, comprovado que o golpe era dirigido as partes genitais de Maria Borges.
         “Um novo Jack, o estripador”? indagava o jornalista. E prosseguia em suas indagações: ou algum amante desesperado da folgazona viúva... em parte?...  
         Maria Borges disse também não haver contado o ocorrido antes à polícia porque não conhecendo o indivíduo que a ferira, pensava ela que de nada adiantaria com a sua queixa.
         O Sr. tenente-coronel Cristóvão José dos Santos, além da imprensa, quem descobrira o fato, e da vítima, ouviu o médico que a tratara, o Dr. Gustavo Doss.
         O depoimento foi secreto.
         O Dr. Gustavo Doss, além das declarações que prestou, respondeu aos quesitos formulados pela polícia, procedendo ao corpo de delito.
         Na cidade inteira, foi o sensacional fato comentado o dia inteiro, especulando-se a seu respeito todo o tipo de comentários.
         Considerando o fato de Jack não ter atacado outra vez, pelo menos em Pelotas, acreditamos que o Estripador tenha voltado para Londres...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

segunda-feira, 22 de maio de 2017

O cabaré da Lili (parte 5 e final)

 

Se o Sr. chefe de polícia sabia que a repressão da jogatina era humanamente impossível, visto como a campanha moralizadora tinha pela frente, IN PRIMO LOCO, OS CHEFÕES protetores de viciosos e assassinos, para que levava a fazer FITAS e querer ostentar uma norma de conduta redondamente inviável?
 Deixasse o Sr. delegado desses arrancos de energia... pirotécnica. Nem outro pintado, poderia deter o passo aos jogadores, enquanto eles fossem arma partidária e como tal julgados indispensáveis.
 Mais valia o silêncio, prudente, oportuno e cauteloso, do que essas jactâncias quixotescas, que terminavam sempre, como agora, em FIASCO maiúsculo. 
Se o Sr. delegado ordenasse a perseguição ao jogo, não quisesse a jogatina, tinha poderes para acabar com ela.
Pois bem. Fizesse-o em Pelotas, se fosse capaz...
O jornal o auxiliaria naquele trabalho meritoso.
Apontar-lhe-ia as casas onde se jogava e as pessoas que as frequentavam.
Poderia, mesmo, fornecer-lhe outros dados interessantes.
Era só o Sr. delegado pedir,  por boca...
A respeito da jogatina recebeu o jornal a seguinte carta: “Pelotas, 12 de fevereiro de 1916. Sr. Redator d’O Rebate – Confiados no seu critério e na sua máscula energia, para com os ditames de tudo quanto é bom e direito, vimos pedir-vos, para verberar na sua conceituada folha, sobre a casa ou antes, o antro de perdição e jogatina intitulado “cabaret” da Lili, onde mulheres da vida fácil, com as sua “toaletes” à última moda, insinuadas pelos seus amantes, vão como verdadeiros imãs atrair a rapaziada à toda a sorte de gastos e abusos próprios de sua vida. Aquela tasca, foco de perdição, verdadeira “baiuca”, semelhante aos albergues sangrentos, deve ser extinta pelas autoridades, como uma medida de segurança ao sossego público, ali perde-se o moço, o velho, a honra e o dinheiro alheios; para esse  lupanar imundo, próprio dos jogadores e batedores de carteiras, pedimos o seu auxílio junto de quem de direito.
Quem como O Rebate, venceu a questão da menina Francisca, também poderá vencer esta. Ass. Muitos prejudicados”.
        Ao que, depois da publicação da carta, o jornalista acrescentara: que é que estamos fazendo, se não pedindo vistas ao poder público para o referido antro de imoralidades?
Há cerca de quinze dias que estamos “martelando” e, é o mesmo que... chover no molhado.
Em todo caso, um consolo lhe restava: Era o de que tinha feito arrefecer a concorrência àquela casa de tolerância, onde por vezes, devido à falta de “aficionados”, a roleta tinha deixado de funcionar.
Aguardando ele uma sessão concorrida para, com o auxílio da reportagem que mantinha lá dentro, estampar no Rebate, os nomes dos jogadores, desmascarando-os à face da sociedade. É o mais que poderia fazer.

Moulin Rouge - Paris


Batida de “compadres”.
            Foi noticiado na imprensa local, dizia o redator de O Rebate em 15 de fevereiro de 1916, aliás, com a “manha” que caracterizava os processos CAPIVARESCOS, que o Sr. delegado de polícia, acompanhado de uma maloca de VERNETIANOS, dera uma batida, sábado último na casa de tavolagem de Lili de tal, NADA ENCONTRANDO QUE DENUNCIASSE A EXISTÊNCIA DA JOGATINA, ali.
        A tal batida fora o que se podia chamar farsa indecorosa, autorizando até a supor que antes dela ser executada houvera TRANSMISSÃO DE PENSAMENTO, ou funcionara a TELEGRAFIA SEM FIOS!
    Tudo ele admitiria como sério e honesto, menos a declaração de não ter sido encontrada, naquele antro, coisa alguma que denunciasse a existência de jogatina, pois lá estavam, poderia asseverá-lo categoricamente, as mesas do BACARAT e da ROLETA, com os competentes panos azul e verde bem como os demais acessórios, que pertenceram ao extinto CABARET da Rua Marechal Floriano.
      Se o Sr. João Manoel Gomes e Silva QUISESSE VER, por certo que teria deparado com tais objetos e feito a apreensão deles.
       O Sr. delegado, entretanto, não levara o intuito de agir eficazmente, buscando apenas dar uma satisfação ao público ou, pelo menos, CONFUNDIR O REBATE, com um desmentido indireto.
       Soubesse, porém, o Sr. delegado de polícia que mantinha tudo quanto vinha  afirmando, sustentando sob palavra de honra e até em juízo se fosse necessário, que a jogatina funcionara várias vezes na casa de tavolagem de Lili de tal, tendo um viajante comercial perdido 300 mil réis na ROLETA.
       Podendo adiantar mais, que, se o jogo não tinha mais animação, devia-se- à moralizadora campanha do REBATE, o qual determinara a escassez absoluta de AFICIONADOS, temerosos de uma batida da polícia.
        Acrescentando ainda, que os jogadores já haviam declarado que O REBATE haveria de cansar e eles prosseguiriam no seu NEGÓCIO.
         De resto, haveria quem pudesse acreditar que o Sr. João Manoel não soubesse que o jogo campeava em Pelotas, por toda a parte; que o BICHO continuava sendo profissão LÍCITA de muita gente?!
         Ora, não fossem tão ingênuos!...
         O que se fizera foi uma comédia, quiçá precedida de aviso aos jogadores para que o resultado fosse negativo.
         O jornal é que não iria à onda e, como sempre, se manteria na estacada.

Lili D’or e o Bar Restaurant Maxim’s

         A Opinião Pública de 31 de janeiro de 1916 noticiava que, no espaçoso prédio à Rua Andrade Neves nº 168, inaugurar-se-ia, dia 1º de fevereiro, o Bar Restaurant Maxim’s, do qual era proprietária a cantora Lili D’or.
        A nova casa era inspirada no gênero de outra existentes no Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevidéu, e nela o público encontraria, todas as noites, além de boa mesa, atraentes diversões, como sejam: bailes, música e canto.
         A notícia divulgada pela Opinião Pública sobre a inauguração do Maxim’s, foi também veiculada nos jornais Diário Popular e O Dia, em forma de anúncio-propaganda.
       Mas, ao que tudo indica, os empreendimentos de Mademoisele Lili D’or eram fachadas para esconderem os seus verdadeiros negócios, que eram o jogo e a prostituição, haja vista que: às 14 horas do dia 1º de março de 1916, os Srs. Dr. Amaro de Campos Pereira, subchefe de polícia, capitão João Manoel Gomes e Silva, delegado de polícia, capitão Francisco J. Vernetti, subintendente, e Prudêncio Ribeiro, apreenderam no Restaurante e Bar Maxim’s, vários apetrechos e fichas de jogos.
         O Bar-restaurante Maxim’s fora inaugurado dia 1º de fevereiro de 1916, e era de propriedade de Lili D’Or, também proprietária do Cabaré da Lili.
      Enquanto a polícia apreendia os apetrechos e fichas de jogos no Restaurant Maxim’s, a imprensa anunciava o “Grande baile `fantasia” que aconteceria dia 4 de março de 1916, no elegante salão do restaurante.
                                                                                             

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

segunda-feira, 15 de maio de 2017

O cabaré da Lili (parte 4)



         Nós aqui, também estamos cansados de dar a palavra ao Sr. delegado de polícia e ele continuava surdo e mudo como as pirâmides do Egito.
         É que pelo visto, já fora dado SANTO E SENHA para recomeçar a jogatina, a bem de arregimentar as hostes que deveriam bater-se, proximamente nas urnas.
         O Sr. Pedro Osório, pelo visto, dera suas instruções à autoridade, e ordenou que ela tratasse bem aos jogadores, anuindo a quanto pedissem.
         Nem outra coisa era lícita supor, depois que o Sr. delegado de polícia viu-se na dura e penosa contingência de faltar a sua palavra quando afirmara que, em sabendo do funcionamento de qualquer tavolagem, daria uma batida, apreendendo os petrechos de jogo, e prendendo os viciosos que ali encontrasse, submetendo-os a processo!...
            A prova de que os jogadores tinham o placê do Sr. Pedro Osório, chefe político local, era que, o jornal ao iniciar essa moralizadora campanha, temendo a perseguição da polícia, o pessoal da casa de tolerância e tavolagem de Lili de tal, se pôs em movimento, de automóvel, buscando “garantias”.
         Essas, pelo visto, foram concedidas; pois, como se estava vendo, a jogatina ousadamente, desafiando a ENERGIA do Sr. delegado de polícia, que a ameaçara de morte continuava.
         Todas as noites, após um simulacro de representações e cantorias, começava a girar a esfera da ROLETA, enquanto os papalvos ali iam deixando, no pano verde, o fruto do seu trabalho ou das suas economias.
         De resto, isso não poderia causar surpresa, pois Lili de tal e a “caçamba” que se lhe associara, andavam dizendo, por toda a parte, que tinham licença do Sr. Pedro Osório, para montar a máquina infernal da jogatina.
            Um escândalo que muito depunha contra a seriedade do chefe político local; pois este deveria compreender que, servindo de capa dos jogadores, feria de frente os fanfarrões do governo do Estado, quando apregoou estar no firme propósito de... acabar com a jogatina.
         Além disso, não ficava bem a um cavalheiro respeitável, tornar-se ostensivamente o protetor de uma súcia de viciosos, que nem ao menos tinham a prudência de guardar sigilo a propósito da concessão moral que Sr. delegado lhes fazia, por mero espírito de politicagem.
         Com tais processos de ação e com a tão nociva interferência de chefes políticos na esfera de atribuições da autoridade, como poderia esta agir e manter-se decorosamente no cargo de que a investiram.
         Impossível!
         O resultado era esse: a autoridade desautorada, o vício triunfando e a moral da administração pública pela rua da Amargura.
         Haverá maior escândalo, mais flagrante indecência?
         Se quisessem proteger a jogatina, para conseguir votantes, permitissem-na abertamente, para todos, sem exceções odiosas e regulamentassem-na de maneira conveniente, dando-lhe foros de “indústria” lícita, permitida em lei e sujeita aos dispositivos dela.
            Ficaria sendo mais razoável a existência do terrível cancro social, pois não gozaria assim das imunidades de negócio ilícito, praticada à sombra da noite, em soturnos esconderijos e de alcateia com a polícia.
Destarte ficar-se-ia sabendo que, aqui e ali se jogava e que as pessoas que frequentassem esses lugares eram jogadores.
Por sua vez o poder público poderia auferir os lucros decorrentes de pesados tributos impostos às casas de tavolagem.
O que se não podia suportar era o presente STATU QUO: o governo proibindo por um lado à jogatina, como nociva e criminosa, e o Sr. Pedro Osório e outros, por outros lados, dando permissão para o funcionamento do jogo!...
Urgia definir o assunto:
         Era ou não permitida à tavolagem?
         Se fosse, deixassem-na em paz; se não era, fizessem-lhe guerra de morte, acabasse com o antro da Lili e outros que por aí pululavam.
         Como parte integrante do programa da casa de tolerância de Lili de tal, houve na mesma, por causa do jogo, uma baderna que poderia ter tido graves consequências.
         Bom seria que a polícia, “hoje surda como um túmulo às nossas reclamações”, não tivesse que intervir naquele local, para tomar conhecimento de fatos tristíssimos!...
         Depois do fato ocorrido, não seria a “bondade” e a tolerância do Sr. Pedro Osório que remediaria os males havidos...
         Em 13 de fevereiro de 1916, dizia o jornalista que o Rio Grande do Sul fora novamente sacudido por um UKASE [qualquer ordem ou decreto oficial]; do Sr. Vieira Pires, “reiterando ordens que anteriormente expedira, para perseguição da jogatina”.       
Quando essa notícia foi lida na casa de tavolagem de Lili de tal, os viciosos que ali se achavam reunidos a jogar o BACARÁ, soltaram estrondosas gargalhadas, dizendo que a determinação daquela autoridade superior não se entendia com Pelotas; pois aqui quem mandava a respeito era o Sr. Pedro Osório e esse chefe político já dera CARTA BRANCA para a jogatina, afirmava o jornalista.
            Acreditando piamente que assim fosse, porquanto o jogo continuava a reinar naquele antro de perdição, desafiando com arrogância os melindres do Sr. delegado de polícia ou de quem por ele quisesse tomar as dores.
         Os donos daquela tavolagem não deram o mínimo sinal de alarma, com a prevenção do Dr. Vieira Pires. Pelo contrário, debocharam canalhamente a pretensa energia do mesmo funcionário, assegurando que haveriam de continuar a patifaria, visto como estavam garantidos por quem tudo podia, queria e mandava.
         Por sua vez as outras casas de jogo que haviam suspendido o funcionamento, até segunda ordem é claro..., voltaram à atividade, pululando por toda a parte.
            E assim se escrevia a história!...
         Não lhe surpreendia, porém, esse descalabro. Fartos estava de saber que viviam num ambiente carregado de sofismas, prenhe de aparências enganadoras.
         A tal falada moral administrativa se resumia na maneira mais bombástica de ostentar benefícios que não possuíam, a fim de que ao longe fossem tidos por um povo dignamente governando.
         Causava revolta ver como se mistificavam as coisas, como se iludia a credulidade pública, como se mentia com tanto descaro!...

Moulin Rouge - Paris



                                                                                              Continua...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

segunda-feira, 8 de maio de 2017

O Cabaré da Lili (parte 3)


 “Entrou em cena a roleta!” Era o que anunciava O Rebate do dia 7 de fevereiro de 1916
            Por ordem ou com licença dos Srs. Pedro Osório e João Manoel Gomes e Silva , conforme murmuravam os viciosos, continua funcionando abertamente a tavolagem, na suposta “pensão de artistas” de Lili de tal.
         Ontem, 6 de fevereiro de 1916, com todas as honras do estilo, foi inaugurado o jogo da roleta, que funcionou até as barras do dia de hoje,7 de fevereiro.
            Como era de ver, não faltaram incautos, que se deixaram depenar. Um viajante, que se hospedava no Hotel Aliança, perdeu em três tempos a “bolada” de trezentos mil réis.
         Outros lhe seguiram as pegadas, queixando-se depois do momento em que penetraram naquele “templo de moralidade”.
         Escusava dizer que a autoridade policial não fez caso, absolutamente, da denúncia do jornal, fazendo “ouvidos de mercador”, a tudo quanto dissera.
         Lamentava o jornalista que isso sucedesse; pois o Sr. delegado de polícia prometera, sob palavra de honra, que, em sabendo do funcionamento de qualquer casa de jogo, daria uma batida, prenderia os jogadores, submetendo-os a processo e apreenderia os petrechos da “inocente” diversão.
         Tudo fora conversa fiada, confirmando-se assim as declarações dos jogadores de que o Sr. João Manoel Gomes e Silva não mandava nada em questões dessa ordem e sim, o chefe político local, o Sr. Pedro Osório.
         O jornal, porém, cumpriria o seu dever, verberando-o ao conhecimento das autoridades superiores, como já o fizera.
            Sem que as autoridades policiais adotassem as providências que eram lícitas esperar, dado o mentiroso pregão de combate à jogatina, continuavam a funcionar francamente, na casa de tolerância de Lili de tal, a Roleta e o Bacarat.
         Esses jogos de azar, segundo antecipadamente proclamaram os viciosos, foram permitidos e autorizados pelo chefe político local, Sr. Pedro Osório, a troco, naturalmente, de dedicações partidárias, dizia o jornalista
         Alguns incautos já tinham pagado o seu tributo, deixando nos panos verde e azul o produto de muitas economias, quiçá o fruto de laborioso trabalho.
         Em tudo isto, quem estava fazendo uma triste figura, perdoasse-lhe a franqueza o Sr. delegado de polícia, era o Sr. João Manoel Gomes e Silva, cuja palavra de honra fora agora posta à prova e escarnecida pelos jogadores, os mesmos que diziam que a autoridade não mandava nada em questões de jogo e sim, o Sr. Pedro Osório...
            Lamentando sinceramente, o “fiasco” que o Sr. delegado de polícia estava fazendo, e mais uma vez “nos capacitamos” de que não havia seriedade alguma em ato algum do governo que tanto o infelicitava.
Uma miséria!
O Rebate, porém, cumpriria o seu dever, houvesse o que houvesse, acontecesse o que acontecesse.

Moulin Rouge - Paris


Segue a farra!...

            Continuou à noite passada, 8 de fevereiro de 1916, na casa de tolerância de Lili de tal, o funcionamento dos inocentes JOGUINHOS da Roleta e do Bacarat.
         A afluência ia aumentando graças à frouxidão ou condescendência do Sr. João Manoel Gomes e Silva, delegado de polícia, que absolutamente não tinha, porque não queria, prestar ouvido às fundamentadas denúncias do jornal.
         Sabia ele de várias pessoas que deixaram quantias bastante regulares, no pano verde da Roleta.
         Aquele antro do vício, da perdição e do impudor, apresentava à noite feérico aspecto, como que a desafiar as iras e os adormentados estímulos morais nossa polícia. Luz a jorros, sons de orquestra, flores, mulheres e champanhe se consignavam num consórcio híbrido de libertinagem.
         Até ao amanhecer, as fichas cantavam sobre as mesas da jogatina, enquanto que as algibeiras dos muitos iam ficando aliviadas do peso que traziam...
         Era de ver-se, à luz do dia, irem saindo pouco a pouco os notívagos, com as feições alteradas, macilentos, a caminho de suas casas, em troca do dia pela noite e vice-versa.
         Toda a gente via  isso. Só o Sr. delegado de polícia não o enxergava.
         Mísera miopia ou... injunção partidária?
         Era ou não permitida à jogatina?!
Pelo visto sim, pois, dia 8 daquele mês, o redator de O Rebate recebeu uma carta, a qual deu publicidade, com o seguinte teor:

            “Ilmo. Sr. Redator d’O Rebate. Muito saudar.
            Admirando a campanha moralizadora, que vindes fazendo contra a jogatina, não nos furtamos aos aplausos de que é merecedor, pela elevada atitude assumida neste caso escandaloso do jogo entre nós! È de fato uma vergonha o que se está passando em Pelotas, sem que para corrigir tais abusos tome uma providência o Sr. Delegado de Polícia, que, para honra de seu nome, já devia ter deixado o lugar que ocupa. E, para que não se diga que são EXAGEROS os fatos apontados pelo O Rebate, adiantamos também que até na própria Catedral com o consentimento de D. Francisco, os sócios da “União Pelotense”, fazem também as suas BANCADINHAS, a título de passatempo!...
            Isto, Sr. Redator, é o cúmulo dos cúmulos, o maior atentado  contra o brio e dignidade das Famílias que frequentam aquele lugar! E, é assim que se procura incutir no espírito dos fiéis os sagrados princípios da Religião de Cristo.
            É assim que o moralizado D. Francisco quer ensinar ao seu rebanho!...
            Chamamos a atenção da Polícia para mais esta casa de jogo que, à sombra da religião e da pobreza vai corrompendo grande número de pessoas. Contamos com o apoio de O Rebate, para o esclarecimento deste caso mais que vergonhoso.
            Com elevada estima e consideração, subscrevo atenciosamente, obrigado.
Olegário Junqueiro”.

A jogatina em Rio Grande
            No Rio Grande, como aqui, a jogatina descarada e audaciosa estava alçando o colo e afrontando a moral social.
         Pelo estilo da célebre “pensão de artistas” aqui instalada luxuosamente pela francesa Lili de tal (como se aqui aportassem artistas em número tal, que permitissem o funcionamento de uma casa de tal ordem), se cogitava fundar, na cidade vizinha, segundo denúncia recebida pelo jornal Tempo, uma casa de jogatina, no sobrado à esquina das Ruas Marechal Floriano e Benjamim Constant.
         Esse estabelecimento seria em grande escala.
            A propósito diz o redator do citado jornal:
“Íamos escrever – com vista ao Sr. subdelegado, mas desistimos, por ignorarmos ainda quais as ideias de S.S. em relação ao jogo, que o chefe de polícia está mandando perseguir em toda a parte. Está o Sr. Matta Bacelar no exercício da delegacia de polícia, e se é que não lê pela mesma cartilha da autoridade, a quem substituiu, não carece que lhe digam qual é o seu dever.
            Entretanto, a jogatina em todas as suas manifestações, continua a campear livremente, quer aqui quer no Cassino, onde a roleta protegida funciona, dia e noite, sem o mínimo embaraço, antes amparada pelo absurdo de constituírem as praias de banhos uma zona a parte, privilegiada, onde é dado atentar impunemente contra a lei.
            Verdade é que, fora do nosso país, há quem explore oficialmente o jogo, nas estâncias balneárias, e ainda há pouco líamos a notícia da renda fabulosa que na municipalidade do Rio da Prata auferira dessa exploração desonesta.
            Nós, porém, não chegamos ainda à perfeição do Estado converter o vício em fonte de renda, de sorte que os jogos proibidos por lei em toda a parte o são, não se admitindo que se os puna num sítio e se os permita noutro.
            De resto, bem pode ser que a nossa polícia entenda lá para si – e não deixaria de ter razão – que sendo livre, como é a jogatina na cidade, inçada de casa de tavolagem, vem a tornar-se perfeitamente lícito o funcionamento da roleta no Cassino.
            Tem a palavra o Sr. subdelegado de polícia para dizer como pensa a respeito”.

            VOX CLAMANTIS IN DESERTO. A do colega rio-grandino, afirmava o redator de O Rebate.

                                                                                              Continua...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni


segunda-feira, 1 de maio de 2017



O Cabaré da Lili (parte 2)
pelotasdeontem.blogspot.com





A.F. Monquelat


         E, conforme prometera, voltava o articulista, dando vistas à polícia:Induzir mulheres, quer abusando da sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tráfico da prostituição; prestar-lhes, por conta própria, ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência, habitação e auxílios para auferir, direta ou indiretamente, lucros desta especulação” – dizia o Art. 28 do Código Penal da República, cujas penas eram:  no grau máximo, dois anos de prisão celular, e multa de RS 1.000$. No grau médio, um ano e seis meses de prisão e multa de RS 750$. No grau mínimo, um ano de prisão e multa de 500$.
            A lei, dizia o jornalista, era clara, e o pior cego era aquele que não queria ver.
         A polícia sabia de sobra, estava cansada de saber. Que não podia de forma alguma consentir em semelhante especulação de cabarés, que ia de encontro à lei, ao direito, à razão, ao bom senso e à justiça.
         O negócio era lucrativo e os ASTROS de primeira grandeza.
         Eis a razão porque fervilhavam no ambiente perfumado os vapores do champanhe.
         Ainda era tempo de evitar-se um grande mal, cumprisse-se a lei, mas não se torcesse como dizia o padre Antônio Vieira, do alto da sua cátedra.
         Agora, com relação à tavolagem, muito ainda lhe faltava dizer.
            Parecia-lhe impossível que homens de certa envergadura e inteligência, se deixassem levar, tocados pelo sopro da ganância, para o antro da perdição e do crime.
            O que era um jogador? 
         Um tipo desprezível, sem imputabilidade moral, que percorria cabisbaixo, triste e abatido o mais ínfimo degrau da escala social.
            O jogador estava equiparado ao criminoso de morte.
         Ele matava, fria e calculadamente, para roubar e jogar.
         E, no entanto, não era expulso do meio da sociedade decente.
         Eles se conheciam até por senhas, tramavam nas trevas, e riam-se debochadamente das graciosas providências das próprias autoridades.
         Era demais.
         Já tinha em seu poder, sem que pudesse dar a publicidade, por incompleta. Uma lista com os nomes de diversos cadáveres da desmoralização, do vício e da jogatina, o que prometia fazer na primeira oportunidade.
            Urgia uma medida qualquer, embora violenta, que se enquadrasse nas claras, expressas e taxativas disposições do Art. 369 do código citado.
         Pois, só assim a calmaria voltaria, depois de uma ruidosa borrasca.
            Aos 5 dias do mês de fevereiro        de 1916, voltava o jornalista de O Rebate à empunhar a pena contra o cabaré da Lili, desta vez, indagando se o Sr. Pedro Osório estaria de acordo; se teria dado a competente licença e passando a palavra o Sr. João Manoel Gomes da Silva, delegado de polícia bem como vistas ao Sr. Dr. Vieira Pires ao artigo que denominou de “Seriedade postiça...”, no qual iniciava dizendo que, bem diziam os lugares-tenente da tavolagem, que o Sr. delegado de polícia nada mandava em Pelotas com relação ao exercício da jogatina e outros vícios que a acompanhavam.
         Afirmavam os profissionais do jogo que, uma vez o chefe político local consentindo, “não tinham que dar satisfações a ninguém”.
         E de fato, parecia assim ser; pois, o Sr. Pedro Osório chegara de sua viagem a porto Alegre e, tanto bastou para que a jogatina alçasse o colo, ostentando-se arrogantemente, à luz de possantes globos elétricos, num debute de luxo, de sons e de cores, prestigiada pela presença de opulentas hetairas.
         Segundo fora ele informado por um empregado da “pensão da Lili”, há pouco inaugurada com grande bombo, a jogatina entrara a fazer parte do programa da mesma casa de... diversões e comezainas, com espetáculos pelo estilo dos do Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires e Paris...
         Desde o dia 3 daquele mês o bacará reinava soberano, sobre a mesa azul onde se agrupavam numerosos notívagos, amantes da orelha da sota e outros passatempos inocentes.
         A orgia começava depois da meia-noite, quando terminavam os quadros vivos e outras representações... para inglês ver.
         A roleta ainda não entrara em ação porque a freguesia era escassa e não dava para satisfazer as necessidades desse jogo de azar.
         Dentro em breve, segundo soubera e apregoavam alguns adoradores do novo templo da moral ela, a deusa dos desocupados, dos que imolaram tudo na pira da corrupção, faria sua estreia retumbante, abocanhando o dinheiro dos incautos e despenhando vítimas no sorvedouro do mal.
         Para isso já ali se ostentava, flamante, tentando, escandalosa mesmo, a mesa verde que fizera as delícias dos frequentadores do extinto cabaré da Rua Marechal Floriano.
            Restava agora saber, dizia o jornalista, uma coisa: O Sr. João Manoel Gomes da Silva, digno delegado de polícia, estaria de acordo com aquilo? Consentiria em ser desautorado pelos jogadores ou mesmo pelas condescendências do Sr. Pedro Osório, se é que elas existiam?
         Aquela autoridade policial tinha afirmado em contrário, dizendo que tão depressa tivesse conhecimento de haver jogatina ali ou em qualquer outra parte, daria uma batida, apreendendo os petrechos de jogo, prendendo e processando os viciosos que encontrasse na ocasião.
            A oportunidade de demonstrar esses bons instintos chegara.
            Desse ele uma batida, inesperadamente, com jeito e arte, sem espalhafato, pelas 2 horas da madrugada, e “estamos certos” de que muito teria que fazer na ...”pensão” da Lili.
            A denúncia aí ficava para os necessários efeitos e com vistas também ao Sr. Dr. Vieira Pires, chefe de polícia do Estado, a quem o jornalista iria cientificar o fato, para que não se diga que a tavolagem não existe atualmente em Pelotas, como o “jogo do bicho” que se exercia às escancaras.
            Assim agindo, estaria ele cumprindo a  sua promessa de inflexível combate a todos os males que pudessem afetar a sociedade.
Comentassem agora a sua atitude como quisessem, na certeza de que ele só conhecia uma diretriz: para adiante!
         Trazia também o jornal daquele dia, sob o título de “Uma francesa exploradora, uma denúncia, cujo teor era o seguinte: “Vítima da exploração habitual da francesa Lily d’Or ou Elizabeth de tal (nomes que usa alternadamente), julgo oportuno vir desmascará-la, para que os incautos se previnam e evitem cair nas garras de tal sanguessuga.
            Como se sabe, a ave de arribação montou, a título de Pensão, uma casa de tolerância e jogatina onde se reúnem várias pessoas atraídas pelas MERCADORIAS oferecidas ao consumo e as quais têm sido esfoladas vivas, quando vão ao sacrifício do pagamento das despesas feitas; só falta, para completar a obra, tirar-lhes os olhos da cara!
            Pois as carteiras entram cheias e saem vazias, graças às exorbitâncias dos preços mantidos para qualquer iguaria ou bebida servida.
         Como houvesse reclamações contra tamanhas extorsões, Lily d’Or ou Elisabeth de tal entrou a atirar a responsabilidade destes fatos para os garçons.
         Eu não aguentei a falsa imputação e protestei, despedindo-me e pedindo prestação de contas.
         A francesa-águia quis pagar (9) nove dias de trabalho com a esmola de dois mil e quinhentos réis (2.500$).
         Boa para extorquir o suor alheio em tudo!...
Justamente indignado atirei aos pés da megera, a esmola que me queria fazer e saí dali repugnado e disposto a por a calva a mostra a semelhante máquina pneumática, que há de acabar por absorver as últimas economias dos papalvos que lá correm, para comer e beber ou para jogar o “bacarat” e a roleta, que ali estão funcionando despudoradamente, de 1 hora da madrugada em diante, todas as noites. Aí fica o aviso aos incautos.
Pelotas, 5 de fevereiro de 1916. João Batista Aranalde”.

                                                                                              Continua...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni