quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Religiões de matriz africana em Pelotas (parte 4)

Religiões de matriz africana em Pelotas(parte 4)


A.F.Monquelat
Jonas Tenfen





Elvira o prato do dia da Imprensa


            Pelo visto, Elvira era um grande prato para a imprensa de sua época, uma vez que os três jornais deram destaque para o assunto: Elvira.
         O Diário de Pelotas deu a seguinte versão: Tendo o Sr. Vigésimo José da Silva participado ao delegado de polícia que há tempos andava uma sua escrava fugida, desconfiava ele de que a escrava estava acoutada em casa “da preta forra “ Elvira, moradora na Várzea.
         Naquela ocasião, o delegado foi também informado de outras passagens de Elvira pela cadeia.
         Mandou policiais, pois, à casa de Elvira e, “felizmente estava ela em sessão magna, sendo apanhada com a boca na botija”.
         Comparecendo à polícia, dizia o jornalista, que Elvira portava uma caixa onde se encontravam “grande porção de bugigangas e, entre elas, objetos que pertenceram ao espólio de Pedro Álvares Cabral”.
         Interrogada, disse Elvira que a tal preta do Sr. Vigésimo nunca esteve em sua casa e que aqueles objetos não eram mais do que para decidir pleitos entre seus constituintes.
         Foram, também, encontradas algumas cartas de pessoas que lhe enviavam consultas. Disse o jornalista que as bugigangas foram presas... pelas chamas, no quintal da polícia.
         As pessoas que assistiam a sessão de feitiçaria foram severamente admoestadas pelo Sr. delegado de polícia.
         O jornalista encerrava a notícia dizendo saber um remédio infalível contra aquela súcia de feiticeiros e, se o Delegado estivesse disposto a aplicar o tal remédio, o consultasse a tal respeito.

E por falar em Elvira, onde anda...


         O Sr. subdelegado de polícia ao dar uma batida, dia 24 de maio de 1880, em uma casa da Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes], casa esta habitada pela preta Elvira, ali encontrou vários “inocentes” que tinham ido consultar a “inspirada do Senhor”.
         A autoridade policial mandou conduzir para a secretaria de polícia as “bugigangas” que faziam as delícias dos papalvos que frequentavam aquele “templo”.
         Deu causa àquela batida, uma denúncia de que ali se encontrava acoitada uma preta fugida, a qual não foi encontrada.

Braz, um modesto Juca Rosa é descoberto em Pelotas


Dia 23 de julho de 1880, a polícia descobriu a presença de um Juca Rosa em Pelotas: esse, mais modesto que o Juca Rosa carioca, vivia num casebre da Rua Paysandu [atual Barão de Santa Tecla], fornecendo “drogas e fazendo milagres a troco dos cobres [dinheiro] dos crentes que lhe frequentavam o templo”.
Dizia a matéria jornalística que o Juca Rosa, de Pelotas, se chamava Braz e era natural da Mina, na África Ocidental. A polícia, no entanto, irreverente e cética como tinha orgulho de demonstrar, invadiu-lhe o templo, profanou-lhe os deuses e trancafiou tudo no xadrez. 
De nada valeu a Braz estar na intimidade dos seus deuses, os insensíveis policiais ensurdeceram aos seus lamentos e levaram-no para dar com os costados na cadeia.
E prossegue o repórter afirmando ser aquele o destino de todos os “Brazes” – ninguém crer neles. E que a história falava de um Braz Tizana, de um Braz Cubas e de outro que era Gil. O último dessa raça de “Brazes”, segundo o jornalista, era o mina feiticeiro que “hoje” estava engaiolado, para exemplo dos seus iguais no nome e na profissão. E encerrava a notícia lamentando: - Pobre Braz!              
O Diário de Pelotas, por sua vez, tratando da mesma notícia informava aos seus leitores que o inspetor do 27º quarteirão descobrira, dia 23 de junho, mais um Manipanso. E que o dono do pio estabelecimento era um preto forro de nome Braz, morador à Rua Paysandu [atual Barão de Santa Tecla] esquina de Santo Antônio [depois Miguel Barcelos e atualmente Senador Mendonça].
Entre outras bugigangas foram apreendidos dois gatos amarrados, um chapéu com ovos, em mau estado, e algumas tigelas contendo drogas desconhecidas. Encerrava dizendo que a autoridade policial transportara os objetos para o canal São Gonçalo e o hábil Braz para o xadrez da polícia.

Elvira volta a ser notícia


 O Subdelegado de polícia do 1º distrito fez, na noite de 25 de julho de 1880 uma surpresa na casa da “muito conhecida feiticeira” Elvira, negra forra moradora à Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes]. Depois da sessão, que terminara por volta das 11 horas da noite, formaram-se os pares e a música deu sinal para uma quadrilha. Concluída a dança, a polícia, que tinha convites para todas aquelas funções, entrou e convidou Elvira e os demais presentes para irem terminar o baile nos espaçosos salões do xadrez, porém em lugar de ser a toque de música foi a toque de caixa.
 O número de convidados era nada menos que 14 pessoas, as quais, por ordem de seus senhores (os que as tinham) foram “ontem concluir a boda no salão Mário (cadeia da cidade)”.
A noitada na casa da Elvira, segundo o preconceituoso jornalista do Correio Mercantil: com o título de “Consequências de um baile, aconteceu, no dia 25 de julho de 1880, da seguinte forma: que a noite, à Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes], a preta Elvira dava um soirée [noitada]. A casa, iluminada a giorno, achava-se repleta da aristocracia da sua raça. Os filhos de Cham [Cam] segredavam amores e deidades cor da noite. Os sons da orquestra, um berimbau e uma gaita, enchiam a sala e, no rodopiar das valsas, entre requebros e palavras entrecortadas pela emoção, “tresandava a catinga”. Era um Deus nos acuda. Ameaçava infeccionar a cidade e desenvolver a peste. A vizinhança, assustada, correu a dar parte à polícia, e esta, desembainhando os chanfalhos [espadas dos guardas municipais e dos agentes da polícia] meteu-se na dança. A presença dos filhos de Marte causou o efeito da cabeça de Medusa [espalhou gente para todos os lados]. Foi um sauve qui peut [um salve-se quem puder]... uns treparam no muro, outros engatinharam pelo telhado, houve até alguns que se sumiram debaixo das camas, dentro dos armários, e, ... quem o acreditaria? O próprio pote de água serviu de tampo a um dos mais famosos. A não ser os que escaparam, os mais foram pernoitar no xadrez de polícia, entregues à meditação sobre os efeitos das havaneiras [habaneras, ‘dança própria de Havana, que se generalizou’].

Braz volta à prisão


O Diário de Pelotas, noticiou a prisão do insigne feiticeiro Braz de quem a polícia dias atrás apreendera grande quantidade de bugigangas e, dentre elas, um inocente gato amarrado de pés e mãos. Foi  preso depois de surpreendido em sessão extraordinária. A vítima, dizia a notícia, de quem ele já tinha cobrado 30$000 (réis) por uma feitiçaria era um súdito português, que também fora levado à presença da autoridade.
 Depois de alguma discussão, o Delegado de polícia entregou o dinheiro à vítima, Braz foi parar no xadrez e os célebres cozimentos apreendidos no canal São Gonçalo.


Continua...

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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense -CDOV e Pelotas dos Excluídos

                                                                                    

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