quarta-feira, 11 de julho de 2018

Peludiando com Simões Lopes Neto






        
         Quando, às 12h53min do dia 21 de novembro de 2014, me deparei no jornal A Opinião Pública com o texto denominado de “Peludices”, não tive dúvida alguma tratar-se de mais um dos Joões postos em cena por Simões Lopes Neto.

         Neste texto, ainda que não sejamos especialistas da obra do autor de A família Marimbondo, notam-se muitos sinais que nos levam a crer que tal pseudônimo trata-se de mais um João a engrossar as fileiras da Companhia de Joões, que Simões Lopes Neto fez desfilar pelas páginas dos jornais da cidade, qual seja: o de João Peludo.

         E, considerando o velho ditado: o apressado come cru, resolvi amadurecer a ideia antes de entregá-lo aos leitores. O que faço tardiamente, já que pouco ou nada acrescentaria tal texto à já consagrada, visitada, revisitada e nunca completa obra de Simões Lopes.

          

 
“Peludices


         Andei por Canguçu, a ver se conseguia explorar alguma mina de ouro, azougue [o mesmo que mercúrio] ou mesmo ferro, porém, esses minérios, não querendo compartilhar da assaz decantada crise que assola esta santíssima terra, sumiram-se, aprofundaram-se, como que fugindo espavoridos da furiosa algibeirite aguda [escassez de dinheiro] que tantos males tem causado.

         Não conseguindo o que almejava, vim, como “a folha que o vento da fortuna impele” [verso do poema A Judia, de Tomás Ribeiro], sondar a Princesa ... [referência à cidade de Pelotas, a princesa do sul].

         E não me arrependo.

         Estou, posso contar como certo, rico, muito rico, podre de rico!

         Ó ventura!

         Ferro, ó ferro!

                   Vou contar como consegui saciar a minha desmedida ambição, mas, por enquanto, peço muita reserva.

         Fui convidado para assistir a uma sessão espírita; e, na sala, repimpado [bem sentado, bem acomodado], numa cadeira de pau, observei boquiaberto, o estupefaciente evento que se desenvolvia entre o meu olho (uso do singular, por ter um olho só; o outro saiu preso à catarata, quando me operaram) e fiquei gostando da sessão, de tal maneira, “que não conheço coisa que mais queira”. Permita-me o querido irmão-chefe que eu narre algumas das muitas merveilles [maravilhas] que presenciei.

         Um irmão, já meio velhote, a quem os outros chamavam de seu Chico, evocou um espírito, e, entre outras amargas recriminações, censurou-o por ter andado a passear de bonde.

         O espírito, que não pude distinguir se era o do Castro Malta [João Alves de Castro Malta, caso que se tornou famoso no Rio de Janeiro em meados dos anos de 80 do século XIX] ou o do Castro Urso [um dos tipos populares do Rio de Janeiro no século XIX e que foi morto por um “perverso” em 21 de setembro de 1889], desfazendo-se em pranto, “sentido e santo” [alusão a Missa de Cristo Rei], protestou que não entraria mais em bondes, indenizou o Chico da despesa, fez umas piruetas e evaporou-se.

         Um outro irmão evocou um Espírito que, ao aparecer, bradou com voz de trovão:

         - Vamos!

         - Onde? balbuciou o pobre rapaz.

         - A...

         Não, não digo o nome que o invocado disse, porque é tão feio, tão feio...

         Conquanto se trate de uma coisa comum ao reino animal, com exceção do carrapato, eu não devo repeti-lo, para não arranhar os delicados tímpanos de vossos mimosos ouvidos.

         A base, pois, de minha próxima opulência, está firmada:

         Vou abrir a concorrência pública uma agência espírita, que substitua, com vantagem, o telégrafo, a navegação aquática e aérea, telefone, etc., etc., por módico preço...

                                                                     
      João Peludo.”


 Nota: As informações contidas dentro de colchetes são explicações do pesquisador. 
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Fontes de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas-CDOV
Acervo documental e iconográfico de A.F. Monquelat
Postagem: Bruna Detoni