terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Devaneios (1)

O banco do Capitão e a família Marimbondo

                                                                                    
                                                                                     A.F. Monquelat

         Em princípio, relutei bastante para tomar aquela decisão. Achava-a irrelevante. Ou melhor, totalmente desnecessária. Mas depois, e refletindo sobre, decidi que não. Ou, pelo menos é o que eu pensava.
         É verdade que eu andava calvo de ideias porém era necessário que eu me decidisse quanto a ir ou não, afinal, embora eu não tivesse dito que sim, estava implícito que o faria.
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         Passando pela praça central, que desde muito cedo chamava de praça do Deixa que eu pago, devido ao fato do homenageado estar irreversivelmente com a mão no bolso em um gesto característico de quem vai pegar o dinheiro para pagar algo, pedi ao Jonas, que juntamente com o Arthur me acompanhavam em direção ao Café, que tomasse uma foto minha ao lado do Capitão, este recentemente havia sido entronizado na galeria dos vultos ilustres da cidade, com direito a estátua na praça central. O autor dos Contos Gauchescos diferia, e muito, dos demais monumentos ali residentes. Era uma estátua à la Carlos Drummond, cujo escultor, o Santana,  mineiro também, viera para acompanhar a instalação e o ato de inauguração do monumento.

Minha neta, Celina, posando com Simões.
 
Antes da tomada da foto, aconteceu algo que eu ainda não vira, e que decerto já havia acontecido antes e deverá ainda acontecer outras vezes, um casal acompanhado de uma menina estava a observar o bronze, o homem levou a mão em direção ao peito do Simões e bateu com o nó dos dedos no Capitão como se fora uma porta, que se abriria depois daquele toc-toc e, quase que simultaneamente, a menina estendeu a mão em direção ao livro, que jaz no colo do homenageado, como se pudesse pegá-lo.  
        Nosso hábito de sair ao final do expediente da Livraria, todas as quartas-feiras, em comitiva maior do que aquela - pois não estaria presente a Condessa, apelido que eu dera há bastante tempo para a Bruna, tampouco o Leonardo e a Marília - vinha desde muito. Decidimos, então,  ir ao Café no sábado, pois na quarta-feira seguinte não o faríamos, tendo em vista a viagem de parte do grupo. 
         Ao passarmos em direção à praça, cujo habitual trajeto mudou para que os dois vissem o banco do Capitão, nos detivemos para uma inspeção e tomada de fotos tendo Simões como companhia.
         Bem, voltando então aos meus devaneios, dali seguimos nossa caminhada em direção ao nosso objetivo, que chamamos de o último cafezinho do ano.
         Após o cafezinho deixei-os na porta do Café e fui em direção ao Mercado Central, lugar onde costumo embarcar no ônibus que dali sai, as 12h15, em direção ao Laranjal.
         Depois do almoço, e da tradicional séstea dos sábados, preparei o meu mate e resolvi passar as fotos tiradas com o Simões para a respectiva pasta, que inaugurei antes da inauguração da estátua, bem como enviar ao Jonas algumas delas, conforme prometera a ele. Ao ver a única que tirei, sentado ao lado do Capitão, resolvi usá-la para atualizar a foto do meu perfil no Facebook, o que ao mesmo tempo me oportunizaria ver a reação dos que a vissem, e porventura fizessem algum comentário.


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         Eu, ainda que não procure por Simões em minhas pesquisas, sou vez que outra por ele procurado. Nossos encontros, não por obra do acaso como pensam alguns, são acidentais. Simões Lopes Neto na minha caminhada é desvio de percurso, não o caminho principal.
         Nossos encontros começaram na década de oitenta do século vinte quando da elaboração, de parceria, da obra ainda inédita, concluída em 1985 que é Coletânea e notas biobibliográficas de poetas pelotenses, obra que reúne 122 poetas nascidos em Pelotas, inclusive Simões Lopes Neto, que ali se encontra, desde então, com o poema Réve.
         O encontro deste poema, bem como a recolha de outros textos que fiz e venho fazendo de lá para cá, não é obra do acaso repito, acontecida no “revirar” velhos jornais da nossa Bibliotheca Pública Pelotense, e sim ocorrências acidentais, que são inevitáveis por uma série de motivos. Dentre estes destaco o fato da Bibliotheca Pública abrigar, se não todos, quase todos os jornais da época de Simões Lopes e, dentre estes os que ele trabalhou, ou simplesmente colaborou. Encontrar textos de Simões, alguns até então pouco conhecidos, ou desconhecidos por seus biógrafos e estudiosos, não é e nem será surpresa alguma já que ali estiveram e estão, à espera de alguém que os resgate, como foi o caso de A Família Marimbondo, assinado por um dos seus pseudônimos, em especial nos textos teatrais, que é o de Serafim Bemol.
         Gostem ou não de Simões Lopes Neto,  é hoje e cada vez mais um fato irrelevante, pois o autor de Lendas do Sul há muito ocupa lugar de destaque, não só na literatura do Rio Grande do Sul, mas, e também na literatura brasileira.
         Em Novos textos simonianos (1991) chamei Simões de multifacetado, e tal expressão usei para denominar o autor dos Casos do Romualdo e demais escritos, tão somente para o literato Simões. Quanto aos “negócios do Capitão”, tema que suscita muitas interrogações e bastantes disparates a respeito, me reservo o direito de aqui não opinar.
         Minhas ressalvas quanto ao homem Simões Lopes Neto são quase as mesmas que tenho quanto ao poeta Francisco Lobo da Costa e, grosso modo, podem ser resumidas a uma única e importante questão, tanto Simões quanto Lobo da Costa foram omissos quanto a não terem traçado através de textos (ensaio, artigos, depoimentos ou memórias) a Pelotas escravocrata de suas épocas.
         Qual o motivo que os teria levado a silenciar sobre o que seus olhos e ouvidos viram e escutaram?
         Quanto ao que ambos não nos legaram, não me venham, por exemplo, com textos tipo Inquéritos em Contraste (arremedo de jornalismo reportagem, à moda João do Rio) ou poemas, e poucos são, tidos como de cunho social, deixados por Lobo da Costa, os quais  não passam de registros de fatos, e não denúncias quanto as barbáries e injustiças praticadas na Princesa do Sul.
         A pergunta que devemos nos fazer é: quais os motivos que levaram Lobo da Costa e Simões, dois expoentes das letras pelotenses, a silenciarem sobre tão relevante assunto?
         Quanto a minha dúvida inicial, que era a de ir ou não ao lançamento do livro A família Marimbondo, resolvi que sim, na expectativa de não ter de falar sobre Simões Lopes Neto, e sim sobre a minha atividade de pesquisador, que encontrara pelo caminho mais um texto do Capitão.

         

Silvia e Nóris, posando com o capitão e o livro A Família Marimbondo 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O pecado (parte 12)






Distúrbio em baile à Rua do Imperador

Diz o Onze de Junho de 17 de abril de 1888 que, sábado, em uma casa à Rua do Imperador [atual Felix da Cunha], onde funcionara a loja maçônica Rio Branco, estavam entregues aos prazeres da dança diversos indivíduos, sendo a maior parte deles vagabundos de profissão e muitas damas de baixa hierarquia.
Eles e elas dançavam desassombradamente, levados nas asas do prazer, sem temor de que a polícia os fosse incomodar porque, segundo o jornalista, apresentavam orgulhosos, a licença que a autoridade policial lhes havia concedido.
No auge do maior entusiasmo, porém, uma nota destoou em meio à harmonia que reinava e formou-se um grosso rolo.
O cacete imperou; as facas brilharam à luz das velas de sebo; os revolveres saíram dos bolsos; uma gritaria infernal ergueu-se e os contendores saindo da sala do baile, foram terminar a tremenda contenda à Rua Santa Cruz, onde os ânimos acalmaram-se talvez pela influência da fresca viração que então ocorria.
Durante o distúrbio os apitos soaram desesperadamente, os vizinhos acudiram e a polícia do Sr. capitão Casado deixou-se ficar no quartel ou nas esquinas, muito quieta, sem preocupar-se com coisa alguma.
Pois se eles, os bailarinos, tinham licença para divertir-se..

Menor é deflorada com auxílio de cafetina

Pelo Sr. subdelegado do 1º distrito foi, dia 25 de novembro de 1888, encontrada, em casa da “preta” cafetina Eva da Costa, a menor Silvéria, filha do “preto” João de Oliveira.
Silvéria fora raptada da casa de seu pai, com o auxílio daquela cafetina, que já se encontrava presa e recolhida à cadeia civil.
Dia 26, daquele mesmo mês, o Sr. subdelegado de polícia mandou proceder o exame na referida menor, sendo peritos os Drs. Raymundo da Silva e José Brusque, que declararam ter sido recente o defloramento.
No dia 27 deveria ser aberto o respectivo inquérito.

Morto por ter defendido bofetada em meretriz
Por volta das 22 horas do dia 27 de dezembro de 1888, foi barbaramente assassinado, no porto da cidade, Antônio Cordeiro, tripulante do patacho [embarcação antiga de dois mastros, tendo a cela de proa redonda e a de ré, latina] Pelotense III, pelo indivíduo Cincinato Ignacio Duarte, tripulante do iate José I.
O fato passou-se da seguinte maneira:
Encontravam-se conversando à porta do botequim do Sr. Domingos Leite Marinho, à Rua Conde de Porto Alegre, Antônio Cordeiro, Augusto José Maria, também tripulante do Pelotense III, o proprietário do botequim e Cincinato.
Conversavam sobre a agressão que, por parte de um indivíduo conhecido por Camões, acabava de ser vítima uma meretriz de nome Sophia.
Em meio da conversa, Cordeiro disse, entre outras palavras, as seguintes: “A bofetada que aquele sujeito deu naquela mulher foi muito bem empregada”.
Cincinato, que um pouco afastado ouvira aquelas palavras, precipitou-se bruscamente sobre Cordeiro e, dando-lhe certeira punhalada no coração exclamou: “Estou vingado!”. Pondo-se em seguida a correr em direção à Praça Domingos Rodrigues.
As pessoas que presenciaram aquela cena inesperada, achando que Cordeiro tivesse recebido apenas um murro, correram em seu auxílio, fazendo-lhe algumas perguntas.
Cordeiro respondeu que não era nada, caindo logo após, morto sobre as lajes do passeio.
O Sr. Marinho apitou imediatamente, comparecendo dois praças da polícia particular que, tendo conhecimento do ocorrido, trataram de perseguir o criminoso.
Tendo conhecimento do fato, o Sr. subdelegado do 2º distrito, o comunicou ao Sr. delegado de polícia e ao Sr. subdelegado do 1º distrito, seguindo aquelas autoridades para o porto, acompanhadas pelo Dr. José Brusque.
O Sr. delegado de polícia tratou de proceder a auto de corpo de delito no cadáver, sendo peritos os Drs. José Brusque e Requião, e os Srs. subdelegados trataram de dar providências para a captura do assassino dando buscas em diversos iates atracados no cais, sem obterem resultado.
Nessa ocasião, foram informados, pelo patrão do iate José I, que o assassino se lançara ao São Gonçalo, o que foi confirmado pelo proprietário do lanchão Jovem Pelotense, que vira um vulto nadando em direção àquela embarcação.
Em vista dessas informações, as autoridades mandaram uma força guarnecer o porto, em diversos pontos, e moveram dois praças para o Passo dos Negros a fim de evitarem a fuga do criminoso.
Às 4 horas da manhã, o patrão do iate José I gritou para os praças, que ali estavam, que acudissem que o assassino estava a bordo.
Estes acudiram, sendo logo preso Cincinato, que se entregou sem resistência.
Sendo-lhe perguntado como se achava naquela embarcação, que já tinha sido vistoriada, respondeu que havia se escondido junto à retranca, cobrindo-se com uma vela do iate.
Cincinato confessou o crime com o maior sangue frio.
O indivíduo que se atirara a água, como acima referido, foi o mesmo que pouco antes do assassinato havia dado uma bofetada na meretriz Sophia, predileta do criminoso, cujo fato a vítima aplaudira, originando-se o acontecimento.
Antônio Cordeiro era natural de Paranaguá, o assassino era de Porto Alegre e filho do Sr. Thomaz Inácio Duarte.

Cadetes espancam meretrizes
Às 21h30 do dia 28 de março de 1889, à Rua 16 de Julho [atual Dr. Cassiano], seis cadetes que se achavam de passagem por esta cidade, invadiram a casa de algumas meretrizes e espancaram algumas provocando verdadeira celeuma.
Aos gritos das vítimas, que pediam socorro, os desordeiros fugiram em direção ao hotel São Pedro.
Nessa ocasião, diversas pessoas começaram a apitar, comparecendo os Srs. Rodrigues de Souza, su sargento da mesma seção Sr. Rocha e alguns praças que, à Rua Andrade Neves, encontraram os desordeiros que já vinham ao encontro da polícia, travando-se então um sério conflito entre eles e os praças.
Graças, porém, a atitude calma e prudente assumida por aquela autoridade, coadjuvada pelo Sr. alferes Ribeiro, o conflito não assumiu maiores proporções.
Acalmados os ânimos, os referidos cadetes foram acompanhados pelo Sr. subdelegado do 1º distrito até o quartel da polícia, onde permaneceram alguns instantes, retirando-se depois para o quartel do destacamento de linha, depois de terem prometido ao Sr. Eduardo Moreira, delegado de polícia, que ali se encontrava, que não perturbariam mais a ordem pública.

                                                                                                                                 
                                                                    Continua...                          
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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Postagem: Bruna Detoni
Seleção de imagem: Janaína Vergas Rangel

Revisão do texto: Jonas Tenfen       

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O pecado (parte 11)




Queixas contra a meretriz Joaquina
Diversos moradores da Rua General Osório, quadra entre Conde d’Eu [Avenida Bento Gonçalves] e General Argolo, queixaram-se, dia 13 de outubro de 1887, da meretriz Joaquina Merencia da Silva, pelo seu péssimo comportamento.
Joaquina era acusada de perturbar o sossego público e insultar a vizinhança.
Convidada a comparecer na Secretaria de polícia, bem como os queixosos, Joaquina justificou-se dos motivos das denúncias e foi mandada embora.

Meretrizes liberam o vocabulário
À 1 hora da noite do dia 14 de dezembro de 1887, algumas meretrizes moradoras à Rua Voluntários, entre as ruas Imperador [Felix da Cunha] e Gonçalves Chaves, travaram-se de razões.
Como de costume, disse o jornalista, veio à frente o seu vocabulário de palavras obscenas, não sendo sequer respeitadas as famílias que tinham a infelicidade de residirem próximas às casas das tais cortesãs.
O Sr. Moncorvo Júnior, subdelegado de polícia do 2º distrito que por ali passava na ocasião em que a contenda era mais calorosa, pôs termo à mesma mandando conduzir as contendoras para o palacete do Braga [Cadeia].

Porta arrombada
Na manhã de 23 de dezembro de 1887, foi encontrada arrombada a porta de uma casa situada à Rua Santo Antônio [Senador Mendonça] quadra entre as ruas São Miguel [15 de Novembro] e Andrade Neves, na qual, segundo o jornal Diário de Pelotas, habitava uma dessas mulheres que constituíam o demi-monde.
Apareceram completamente desordenados vários móveis da casa, com indícios de terem sido revistados. Ignorava “por enquanto”, se houve roubo, em consequência de achar-se no Rio Grande a moradora da casa, única pessoa que poderia saber se faltava ou não alguma coisa.

Filho de meretriz rapta filha de alfaiate
Dia 7 de janeiro de 1888 segundo o jornal Rio-Grandense, às 20h 30, Otacílio de tal, filho de uma meretriz conhecida por Bahiana, dirigiu-se de carro, acompanhado de duas mulheres, à casa do Sr. Jacob Bohn, estabelecido com alfaiataria à Rua São Miguel [atual 15 de Novembro].
Ali chegando, Otacílio escondeu-se em uma sapataria próxima, enquanto as duas “megeras” penetravam na casa do Sr. Bohn, saindo logo após, apressadamente, em companhia de uma filha, menor de idade, do alfaiate.
Reunidos, embarcaram novamente no carro que os aguardava e que partiu à desfilada pela Rua São Miguel, ignorado o destino que tomara.
O Sr. Bohn e sua família estavam jantando quando se deu o fato.
O Sr. subdelegado do 2º distrito, Sr. Moncorvo Júnior, logo que teve conhecimento do ocorrido e, a pedido do pai da raptada, saiu em perseguição aos fugitivos.
Depois de minuciosas investigações, o subdelegado Moncorvo Júnior conseguiu descobrir os fugitivos em uma casa localizada na Várzea.
O raptor chamava-se Otacílio da Costa Freire e a raptada, que era maior de 17 anos, chamava-se Marieta.
Aquela autoridade mandou “depositar” Marieta em uma casa de família, sendo Otacílio conduzido para o quartel da polícia, onde ficou detido.
Marieta, no dia seguinte, depois de examinada e verificado não ter havido “violência alguma contra o seu pudor”, foi entregue ao pai, Sr. Bohn, que declarou opor-se ao casamento de Marieta com Otacílio, “visto a desigualdade de condições existente entre ambos”.
Sendo o raptor considerado vagabundo, o Sr. Moncorvo Júnior deu-lhe o prazo de três dias para retirar-se desta cidade.
Mas, contrariando a determinação do Sr. subdelegado Moncorvo, no dia seguinte, às 17 horas, casou-se a menor Marieta Bohn com seu noivo, o filho da meretriz, Otacílio da Costa Freire preso na cadeia civil e posto em liberdade à hora de ir à igreja “cumprir os votos que prometera àquela que subtraíra de casa de seus pais”.
Segundo o jornalista, teve, pois, um fecho moral o ato irrefletido dos dois moços. “Hoje pertencem a comunhão da família e nada mais há que se lhes diga sobre a leviandade que a inexperiência lhes fez praticar”.
Marieta Bohn trocara a religião de seus pais pela “nossa”, disse o jornalista, para realizar o matrimônio.
Dali em diante, a sociedade tinha a esperar dela uma esposa fiel e uma exemplar mãe de família.

Espancamento da meretriz Sofia
Aos dezessete dias do mês de janeiro de 1888, por volta das 6 horas da manhã, os indivíduos Serafim Duarte e Joaquim Amaro Cardoso, este proprietário de uma bodega ou café situado na Rua General Osório, armados de facão e cacete espancaram, covarde e brutalmente, a meretriz de nome Sofia, deixando-a sem sentidos e em deplorável estado.
A infeliz vítima da sanha feroz dos covardes agressores apresentava diversas contusões no corpo, um ferimento na cabeça e uma luxação no braço direito.
Ao tomar conhecimento do fato, compareceu no local do crime o Sr. Moncorvo Júnior acompanhado do médico Dr. Raimundo Vieira, que prestou os primeiros socorros à vítima.
O Subdelegado mandou conduzi-la em seguida para a Santa Casa, onde procederam ao auto de corpo de delito.
O indivíduo Duarte, após ter cometido o crime, conseguiu evadir-se, e não foi possível capturá-lo apesar dos esforços empregados para aquele fim.
Joaquim Cardoso foi preso e recolhido à cadeia civil.

Uma bodega de menos
      Aos 3 dias do mês de fevereiro de 1888, o Rio-Grandense noticiava que o Sr. major Delegado de polícia, atendendo as reclamações dos moradores da Rua São Domingos [atual Benjamim Constant], imediações do porto da cidade, mandou fechar a bodega que ali existia.
Aquela bodega era um foco de desordens e o ponto de reunião de mulheres da vida airada [prostitutas], marinheiros e vagabundos que se entregavam constantemente a prática de ações que “a moral reprova”.
                                                                                       
                                                                                        Continua...


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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Postagem: Bruna Detoni
Seleção de imagem: Janaína Vergas Rangel

Revisão do texto: Jonas Tenfen       

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O pecado (parte 10)










Assassinato por causa da Generosa

O Diário Comercial, em sua edição de 14 de janeiro de 1887, registrava mais um crime, onde figurava um agente da força pública.
O fato ocorrera no dia 13, por volta das 23 horas, mais ou menos, num bordel à Rua São Domingos [hoje Benjamim Constant] nº 4, pertencente a Augusto Martins, couto de mulheres “de vida equívoca, onde se joga e bebe, e se leva o tempo na prática de todos os atos reprováveis”, local em que se achava presente o cabo de polícia Demétrio dos Santos Cruz, comandante da guarda da Mesa de Rendas provinciais.
Por motivo de ciúme provocado entre o referido cabo e Ignacio Alves de Campos, e depois de uma acalorada discussão, em que trocaram insultos de lado a lado, o cabo Demétrio fazendo uso de uma pistola de dois canos, a qual estava de posse, disparou quase a queima roupa sobre Ignacio, varando-lhe o pescoço de lado a lado e cortando-lhe a traqueia.
A morte de Ignacio foi instantânea.
Do alarido que tal acontecimento provocou, acudiram algumas praças da polícia particular bem como o subdelegado de polícia Sr. Manoel da Rosa, que conseguiram a muito custo efetuar a prisão do assassino.
Foram ainda recolhidos à detenção o sócio do estabelecimento onde o crime ocorrera, e a mulher que provocara o ciúme, por nome Generosa.
No momento da prisão de Demétrio a quantidade de pessoas ali presente quiseram fazer justiça por suas próprias mãos, sendo necessário toda a “energia” do Sr. subdelegado Rosa para evitar aquele ato de justiça pública.
Ignacio era natural de Pelotas e de profissão carpinteiro.
Demétrio era natural de Santa Vitória, onde tinha família.

O Café do Ramiro
O Sr. Ramiro Monteiro de Aguiar tinha um Café, ou coisa que o valha, ali pela Rua General Osório.
Café tal era o Café do Ramiro, que atraía freguesia imensa e de todos os sexos, cores e condições, freguesia que não se desprendia facilmente dos prazeres que encontrava e prolongava até altas horas da noite, sempre debaixo de um vozerio infernal e de uma permanente ameaça à ordem pública.
A polícia procurou por diversas vezes impedir aquela “reunião prejudicial”, obrigando o Café a cessar à hora em que as portas do comércio se fechavam [o horário era determinado pela câmara municipal].
Foi em vão.
O Café fechava assim que avistava a polícia, e era reaberto logo que ela se afastava.
Dia 8 de fevereiro de 1887, porém, o sistema produziu efeito contrário.
A polícia foi, saiu, mas voltou às 2 horas da madrugada.
Havia, segundo o jornalista, uma perfeita bacanal.
Mulheres embriagadas, vagabundos, escravos, tudo em completa libação e em desenfreada orgia.
Não houve protestos nem juras.
Foi tudo parar à correção.
Eis aqui, dizia o jornalista, seus nomes por extenso para exemplo de outros e castigo daqueles que se desmandavam nos preceitos estabelecidos pela sociedade: Ramiro Monteiro de Aguiar, proprietário do tal Café, Henriqueta, escrava de Serafim José Rodrigues de Araújo, Simplício de Lima, a parda livre, Manoela, Arcanjo Garcez, Manoel Fernandes, Cândido Mendes da Silva, Gabriel Pereira da Silva e outro.

A Despacho de Madame em novo local, mas às voltas com a polícia
Na noite do dia 8 de abril de 1887, em uma “espelunca” que existia à Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes] e denominada Despacho de Madame, agora em novo endereço, encontravam-se em infernal vozeria e em desordem uns dez ou doze indivíduos ébrios.
A polícia, chamando a atenção da proprietária da bodega para que esta restabelecesse a ordem, foi insolentemente recebida.
Compareceu então o subdelegado Sr. Manoel da Silva Rosa, a fim de conter os desordeiros.
Estes, porém, entenderam melhor esgueirarem-se pelos fundos; mas, sete deles, talvez os mais azarados, caíram em poder da polícia que os conduziu à prisão, onde permaneceram até o dia seguinte.
Esses indivíduos chamavam-se: Pedro Zona, Ricardo Balduce, Zancto Francisco, Pencor Josephe, Benedicto Frederico, Victorio Pegoral e Segundo Labina.
Encerrando a notícia, informava o jornalista que há muito que o tal Despacho de Madame estava sob a mira da polícia.

Meretriz e criada furtam súdito alemão
O súdito alemão Frederico Poreppe, estabelecido com ferraria nas colônias do Sr. Manoel da Fontoura Lopes, que ficavam do outro lado do Retiro, tendo vindo dia 3 de junho de 1887 à cidade comprar alguns objetos que lhe eram necessários, demorou-se até tarde da noite e, não tendo onde dormir, dirigiu-se ao botequim denominado Despacho de Madame, situado à Rua 24 de Outubro [Tiradentes].
Ali se encontrou com o célebre vagabundo Alfredo Marcelino de Souza, que logo procurou com ele travar relações.
No mesmo botequim encontrava-se a meretriz Etelvina com sua criada, a parda Virgínia, a quem Frederico obsequiou com duas garrafas de vinho, tomando também parte na libação o indivíduo Alfredo.
Dali saíram os quatro e dirigiram-se ao Café do Mercado, onde tomaram mais uma garrafa de vinho.
Ao saírem, Alfredo disse a Frederico que não tendo ele onde dormir o aconselhava que acompanhasse Etelvina, ao que Frederico concordou.
Em caminho, a polícia particular, conhecendo Alfredo e vendo-o com Frederico, desconfiou logo de suas intenções e o prendeu.
Frederico seguiu com Etelvina e sua criada, para a casa onde estas moravam e, chegando ali, despiu o casaco, deitou-se, adormecendo em seguida.
Acordando-se às 5 horas da manhã, Frederico levantou-se e saiu.
Na rua, tirou do bolso do casaco a carteira dando pela falta de 40$000 que tinha na mesma.
Às 8 horas, apresentou-se ao subdelegado Sr. Moncorvo Júnior, a quem narrou o fato, declarando não conhecer as pessoas com quem andara, nem seus nomes.
O Sr. Moncorvo, dando as providências que o caso requeria, mandou chamar a sua presença Etelvina e sua criada, conseguindo descobrir que a principal autora do furto de 40$000 réis havia sido aquela, que se encontrava presa com a sua conivente, a parda Virgínia.


                   Continua...



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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Postagem: Bruna Detoni
Seleção de imagem: Janaína Vergas Rangel

Revisão do texto: Jonas Tenfen