quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Religiões de matriz africana em Pelotas (parte 1)

Religiões de matriz africana em Pelotas(parte 1)


A.F.Monquelat
Jonas Tenfen

         As manifestações religiosas de matriz africana estiveram presentes no cotidiano de Pelotas desde muito cedo sem que tenhamos notícia ou registro de sua primeira ocorrência, fato que nos obriga, dada a dificuldade de fazermos uma busca mais apurada, a considerarmos a notícia reportada no Diário do Rio Grande de 27 de agosto de 1857, na coluna Semanário Pelotense, página 3, como o primeiro registro de caráter afro religioso ocorrido nesta cidade.
         E importante salientar antes de darmos continuidade que, por se tratar de tema bastante delicado e por demais complexo, não nos julgamos com conhecimento suficiente para abordá-lo de maneira mais profunda e técnica como o tema merece ser tratado. 
   Entretanto, dada à maneira parcial, manipuladora e preconceituosa como sempre estiveram tratadas tais práticas religiosas pela imprensa pelotense, não resistimos ao apelo de, na medida do possível, apontar alguns senões, que o leitor facilmente reconhecerá no decorrer e exposição dos fatos. 
         Outro aspecto que entendemos oportuno salientar é quanto ao tratamento dado pelos jornalistas, brancos e católicos, que no nosso entender é extremamente equivocado O uso por eles da expressão feitiçaria para denunciar as práticas ritualísticas africanas. Considerando que a expressão feitiçaria não contemplava tais costumes no sentido pleno ou único, acreditamos que tais atitudes e colocações sejam fruto do temor do desconhecido, portanto, a necessidade de repreender, vigiar e punir.
    Depois de expostas tais ponderações, entendemos dar continuidade ao nosso propósito, que é o de registrar os fatos denunciados pela imprensa pelotense durante certo período dos séculos XIX e XX, iniciando pela transcrição do jornalista do Diário do Rio Grande correspondente em Pelotas:
Constava ao Semanário Pelotense que em um casebre próximo ao quartel da polícia [na época localizado junto a atual Praça Piratinino de Almeida] morava uma preta, forra, que pelos seus feitiços atraía todos os domingos uma quantidade de negros e negras, que ali iam consultar a nova Pitonisa [mulher adivinha, vidente].
         Era a tal pitonisa, segundo o autor da coluna, visitada também por alguns homens brancos atraídos, talvez, pelos oráculos ou efeitos mágicos da feiticeira africana. Seria fácil, dizia o colunista, encontrar-se no mesmo casebre, com alguma, com alguma paciência, muitas raízes, ossos, sapos e bugigangas, indispensável arsenal de semelhantes embusteiros.
        Garantia ainda o Semanário que ali se encontraria a pedra filosofal, aquela milagrosa formação que transformaria as palavras em ouro; e também algumas bebidas perniciosas em prata. Os fregueses daquele covil deviam por experiência saber quanto custavam as consultas, e os resultados obtidos. Embora ao recinto afluíssem, por gosto e vontade, era conveniente uma rigorosa averiguação e um exemplar castigo se alguma coisa suspeita fosse no local encontrada.
         E, se na ocasião da busca a polícia encontrasse algum daqueles homens brancos na cor e de sentimentos tão baixos, que não tinham receio de estar à disposição de uma impostora africana, muito gostaria o colunista que ocorresse tal prisão, dispondo-se ele a visitar na cadeia com a finalidade de conhecer tão insignes crédulos ou velhacos.
         Desde que o Sr. delegado de polícia tivera, tempos atrás,  notícia de que havia na cidade uma casa daquelas e dera uma batida, na qual surpreendeu a todos , encontrando naquela casa uma porção de miudezas, que por ele foram inutilizadas, sendo os proprietários de tais coisas presos e devidamente castigados, tal fato não voltara a ocorrer na cidade. No entanto, finalizava o colunista, tendo aquela tentativa de enganar o povo ocorrido há algum tempo, já tendo caído no esquecimento, daí, e sendo o tempo presente pouco animador para especulações que requeressem capitais, era interessante que tentassem um negócio que exigisse unicamente astúcia e audácia, além de credulidade dos fregueses, que eram sempre abundantes para tal negócio.
         Como pode se ver, anteriormente ao caso que transcrevemos houve em Pelotas pelo menos outro acontecimento, que em pesquisas posteriores tentaremos encontrar. Por ora, por falta de material nos obrigamos a descrever o primeiro que encontramos no acervo da hemeroteca de nossa Bibliotheca Pública Pelotense, que é o que denominamos aqui de:

Trinta Diabos na Serra dos Tapes

         Com a denominação de Trinta Diabos informava o jornal Correio Mercantil, de 3 de abril do ano de 1877, haver na Serra dos Tapes um preto velho e quase cego, que devido ao fanatismo da maior parte dos habitantes daquela região, conseguira ser considerado como doutor, agindo como se tal fosse e prometendo aos que o procuravam curas milagrosas.
         Constava ainda ao jornalista daquele órgão da imprensa que, devido à aplicação de medicamentos prejudiciais, o doutor africano havia alterado a saúde de alguém.
Entendia o jornal ser muito conveniente que as autoridades proibissem tal abuso. 
         Enquanto aguardamos as providências solicitadas pelo jornal, vejamos como andavam as feitiçarias na zona urbana da cidade, poucos meses depois da ocorrência do Trinta Diabos:  



Feitiçarias 

         Com a denominação acima, o referido jornal, em julho do mesmo ano, dizia que os Jucas Rosa [famoso feiticeiro do Rio de Janeiro] e os pais Paulo [que não conseguimos apurar quem era] reproduziam-se como mosquitos em tempo de verão.
         Era sexta-feira [13-07], aí pela meia noite, hora sinistra, em que o cão agoureiro late à lua, pia o mocho e a coruja, aparece o lobisomem e vaga a bruxa...
         Tudo era silêncio na terra.
         Mas, a polícia velava. 
         E, por aquela oficial curiosidade que lhe era peculiar, aproxima-se à porta de humilde tugúrio [cabana] lá pela Rua 3 de Fevereiro [atual Major Cícero], aplica o ouvido, espreita pelas frestas, e escuta...
         Escuta o crepitar de três velas e se vê alguns fervorosos crentes em mongólica devoção.
         Adoravam o sábio Manipanso [ídolo africano.Houaiss em seu dicionário, baseado em Nei Lopes, nos diz que tal palavra é formada por mani ‘senhor’ + Mpanzu designação de clã que reinou no antigo Congo; fato histórico com datação de 1881]. Ora, como nossa notícia é de 1877, é provável que Nei Lopes tenha-se equivocado, pois que aqui na afro-pelotas, o Manipanso, já era adorado], o deus poderoso de todos os destinos.
         A polícia então,  lembrou-se que a Constituição do Império permitia o culto de todas as religiões, mas  reparando ao mesmo tempo, que o templo apresentava um aspecto assustador e os fiéis não inspiravam plena confiança.
         Resolveu entrar.
         E a porta cedeu por vigoroso impulso.
         Ao estrondo, sucedeu-se a confusão e os devotos fugiram em todas as direções: uns pelos fundos da casa, outros pelo telhado e alguns pela janela, conduzindo consigo os mais preciosos objetos da sua adoração, para que não fossem profanados.
         Eram todos escravos, ou livres de medíocre condição.
         Ficou apenas um casal de confrades.
         A polícia os confiscou e, com eles, as seguintes relíquias: um crânio de criança, cabelos humanos da raça branca, umas folhas de vegetal desconhecido e outras bugigangas semelhantes.
         Tudo isto foi no dia seguinte apresentado ao Senhor delegado de polícia.
         O casal de pretos passou a habitar o palácio do cidadão Peroba [referência à cadeia civil e ao responsável por esta].
         O mais foi sem dúvida alguma parar no São Gonçalo.
         Eis aí no que davam as feitiçarias, as casas de fortuna e a veneração do Manipanso, no entender do autor da notícia.

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Continua...
Fontes: CDOV / Bibliotheca Pública Pelotense e o livro "Pelotas dos Excluídos".

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Cigana Terena, o mito pelotense


Cigana Terena, o mito pelotense

                                                                                    A.F. Monquelat
 Jonas Tenfen                




A cidade de Pelotas, quase no apagar das luzes do ano de 1882, mais precisamente aos 29 dias do mês de dezembro, não imaginou que serviria de berço para o nascimento de seu primeiro mito.
        Tampouco aqueles ou aquele que propagaram a lenda da maldição da cigana sobre esta mesma cidade tiveram conhecimento ou noção que, com essa falsa praga ou maldição jogada aos quatro ventos, germinaria e se transformaria no primeiro e popular mito da cidade.
         Um mito que, desde algum tempo, adquiriu o status de fazedor de milagres, um mito que para nascer, morreu...
         Sem que tenhamos ideia ou registro histórico do porque aquele grupo, tribo ou nação de pessoas na época tratadas como beduínos, raça arábica, bohêmios ou qualquer outra denominação que fosse, quando a eles o povo ou a imprensa se referiam, acampou na Rua Professor Araújo, proximidades da chácara do Sr. Antônio Joaquim Caetano da Silva, pouco adiante de Avenida Bento Gonçalves ali armou suas tendas, em número de sete.
         Tão logo a imprensa tomou conhecimento do fato, surge, naquele mesmo dia, o primeiro registro de suas presenças através do jornal A Discussão, cuja matéria tem por título a seguinte expressão: “Beduínos”, e, logo a seguir, a informação de que acabara de chegar a Pelotas, achando-se acampados na extremidade da hoje Avenida Bento Gonçalves, cerca de 50 pessoas de raça arábica, os quais por toda a província eram conhecidos por beduínos.
         A segunda notícia sobre a chegada dos ciganos, entre os quais estaria a cigana Terena, vem como forma de alerta, e permeada de visível preconceito, através das páginas do jornal A Nação.
         A notícia iniciava dizendo: “Beduínos”, aí os tinha a cidade, chegados de fresco. Prosseguindo, dizia o jornalista terem eles assentados os seus arraiais à Rua Professor Araújo, dispondo as sete tendas que, segundo ele, significavam os pecados mortais. Ali estavam prontos a decifrarem, no brilho das estrelas, a sina de nós outros, pobres mortais.
         Ainda, e seguindo o mesmo tom desdenhoso, dizia como seria agradável saber um homem qual o dia que haveria de fechar a mala para a sua última viagem, ou qual o número do bilhete que seria premiado na grande loteria.
         Ele, porém, que era contrário àquele comportamento com o qual tão bem se dava a natureza daquela gente, chamava a atenção da polícia para os novos visitantes.
         Dizendo já os ter visto naquele mesmo dia de saco ao ombro pedindo esmolas, o que ele bastante estranhava, pois cada beduíno daqueles era um robusto mocetão, que muito bem poderia ganhar sua vida, de maneira honrada e tranquila, empregando-se ao serviço da Estrada de ferro, ou outro trabalho qualquer que resultasse em dinheiro.
Julgava o jornalista, pois, que o Sr. delegado de polícia em exercício devia se apresentar àqueles “amáveis” hóspedes, obrigando-os ou a trabalhar ou a procurar novos ares.
E, encerrando, fazia a seguinte observação: “Depois não se queixem”.
Não muitos dias após aquela advertência, voltava o jornalista a chamar a atenção dos seus leitores dizendo que, diversos eram os comentários feitos quanto à presença dos beduínos acampados lá para os lados da Rua Professor Araújo.
Dizia ele que, para uns eles eram especuladores que andavam a explorar a credulidade de pessoas fracas, tirando-lhes o dinheiro com artimanhas e falcatruas; outros achavam que eles eram trabalhadores honestos que procuravam ganhar licitamente sua vida, empregando-se nos ofícios de caldeireiros e ferreiros; outros havia que achavam não passarem eles de uns espertalhões, que envolviam a quem lhes chegasse ao alcance das unhas.
Dizia mais o jornalista, que culpados, porém, eram aqueles que, acreditando nas teorias de Mesmer, René e Catarina de Médicis, fazendo desta maneira reviver o reinado da bruxaria, ali em suas tendas, iam consultar o oráculo, arrependendo-se depois com os resultados obtidos. Finalizando, advertia: quem não quisesse ser explorado, que não os consultasse.
Deixassem-lhes viver em paz que não haveria motivo para queixa.
      Não muito depois, outro dos jornais da cidade voltava a chamar a atenção para o grupo de ciganos acampados lá para os lados da Professor Araújo.
      Agora, indagando da câmara municipal se esta dera licença para que aqueles beduínos cercassem a área onde haviam assentado as suas tendas? Queria também saber o redator do jornal se eles pagavam impostos pelas atividades que exerciam e mais ainda, se não era próprio das posturas municipais que se trouxessem os cães amordaçados durante o dia, para não molestarem os transeuntes?
      No entanto, aqueles cães pertencentes aquela gente da raça arábica andavam ad libitum, o que era pouco conveniente, concluía o jornalista.
      E assim, de hostilidade em hostilidade por parte da imprensa, a vida na progressista cidade de Pelotas seguia em frente.

                                       
       
        E, em frente, ao que parece, seguiam também os ciganos a darem motivo para tais hostilidades, pois, nos primeiros dias do mês de fevereiro do ano de 1883, o jornal Onze de Junho, desta vez tratando os de bohêmios noticiava que, tendo o subdelegado de polícia do 2º distrito, Sr. tenente Elizeu Bazilio Ribas sabido, através de denúncia, que alguns daqueles bohêmios  acampados nas proximidades da Luz, haviam peitado um empregado da fábrica de chapéus dos Srs. Cordeiro&Wiener, para nesta penetrarem a noite, tratou logo de investigar aquela denúncia.
      Constatando ser procedente e que realmente havia a intenção de atacarem à fábrica de chapéus, de modo eficiente e rápido tratou ele logo de evitar esse atentado, intimando àquela inofensiva gente a deixar a cidade no prazo de 48 horas, atitude aquela que para o jornal era uma providência acertada, pois, assim procedendo o Sr. subdelegado Ribas estaria velando pela segurança e tranquilidade social.
      Coincidência ou não, desde o ultimato dado pelo Subdelegado de polícia Ribas aos ciganos acampados no encontro das ruas Avenida Bento Gonçalves e Professor Araújo, deles só ouviremos falar novamente, quando dos funerais de sua rainha, a cigana Terena Caldara, ocorrido em Pelotas, aos 3 dias do mês de março de 1883, enterro este que segundo alguns jornais da época teria sido o maior que Pelotas até então assistira, e que você leitor caso queira saber maiores detalhes sobre a pitonisa Terena, basta acessar os seguintes links:

                   http://pelotasdeontem.blogspot.com/2015/10/a-maldicao-da-princesa-cigana.html            
                                                             
                   http://pelotasdeontem.blogspot.com/2016/04/terena-princesa-cigana-parte12.html        



         Não muitos dias após a morte de sua rainha, os Caldaras e sua “tribo” deixaram a cidade, ao que parece em direção ao Arroio Grande.




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Fonte de pesquisa: CDOV-Bibliotheca Pública Pelotense e pelotasdeontem.blogspot.com
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Imagem: Charges extraídas do jornal Zé Povinho, ano de 1882.
Tratamento de imagens: Natália Toralles dos Santos Braga

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

RS e Pelotas na obra de Machado de Assis Parte 05 e FINAL


RS e Pelotas na obra de Machado de Assis  Parte 05 e FINAL



A. F. Monquelat [revisão]
Jonas Tenfen



         O conto “Um quarto de século” conta com três citações à cidade de Pelotas. Ambas localizadas no capítulo segundo (sim, Machado de Assis escrevia por vezes contos que recebiam subdivisões de romances ou novelas, o que dá alguma dor de cabeça aos críticos literários mais afoitos por taxonomia e classificações de gênero literário), e que tratam a cidade como forma de caracterizar as personagens. Vejamos as citações:

“Quando se afastou da Europa, tornou para o Rio de Janeiro, onde assistiu à morte do pai, que lhe deixou todos os seus bens. Tomás era filho único. Já então Raquel, tendo casado com um negociante de Pelotas, havia partido para o Sul. [...]”
“Raquel achou a nota excessiva e teve medo. A separação fez-se com dor para ele, naturalmente sem saudade para ela. Nenhum pretendente os separou. Foi só depois que apareceu o negociante de Pelotas, sem paixão, apresentado pelo pai, como moço de muito futuro, e sério. Sales tinha trinta anos. Raquel aceitou-o sem combate nem entusiasmo; casou e partiu. Já Tomás estava na Europa. […]”
“Sales, negociante de Pelotas e doutor em medicina, liquidou a casa no fim de poucos anos e veio para o Rio de Janeiro. A ideia dele era viver uma vida elegante, participar de todos os prazeres da alta roda da capital. Contava com o papel eminente que caberia à mulher, agora mais bela que nunca. Assim foi. Em poucas semanas, em três meses, o nome de Raquel andava em todas as bocas, e a pessoa em todos os bailes e teatros. [...]”

         O principal da ação do conto se passa na capital da corte. Do mesmo modo que no romance “Quincas Borba”, o casamento se mostrava como oportunidade de algum personagem nascido na cidade de Pelotas se mudar para o Rio de Janeiro. Embora a chance de viver em dois mundos, há nesses personagens uma genuína vontade de participar de um novo meio social, pagando o preço – monetariamente falando – por se relacionar em um novo meio social. Como forma de dar andamento à narrativa, quase sempre estes personagens encontram a falência: ou a fortuna era mais parca do que imaginavam, ou fizeram uma série de investimentos bastante ruins.
         Reiteramos que esta é uma estratégia narrativa de Machado de Assis e que o autor não se reduz à cidade de Pelotas para este expediente. Só para retomar o romance que trabalhamos no texto anterior, Rubião e Quincas Borba eram da cidade de Barbacena, em Minas Gerais.
         O que não se dá com o conto “Diana”, publicado pela primeira vez no “Jornal das Famílias”, no Rio de Janeiro, em 1866. Neste conto a cidade de Pelotas é cenário, também a cidade de Porto Alegre.
         Dois jovens amigos se encontram casualmente na Rua do Ouvidor. Ambos possuem criados que carregam suas malas, mas um está carregado a mais: Luís estava de partida para o Rio Grande (não a cidade, mas a província) sem dar detalhes dos motivos, pois a pressa era grande. Tempos depois, uma carta colocou o amigo a par das novidades: ia tão apressadamente à cidade de Pelotas, pois seu padrinho deixara uma herança que ele precisava ir buscar.
         O amigo, pelo bom nome da amizade e desinteressado, mal podia se conter de curiosidade. Escreveu carta em resposta pedindo mais informações. Escreveu cartas, duas, para ser mais correto: uma remetida para Pelotas e outra para Porto Alegre, origem da primeira carta enviada por Luís.
         Que estava em Porto Alegre. Resolveu adiar a caçada à herança por ter conhecido viúva (de um homem do norte) na cidade por meio de amigos em comum. Tratava muito bem à viúva e à mãe em formalidades sociais, pouco depois, começou uma série de visitas mais íntimas, repletas de declarações de amor, consolos e promessas. Sempre à luz de lua, daí o nome ao conto e à dama: Diana.
         Certo do casamento, Luís passou a frequentar mais vezes a casa das duas, até a ocasião que chegou fora do combinado e Diana não quis recebê-lo. Estava de braços com outro, fazendo os mesmos passeios e, provavelmente, ouvindo declarações semelhantes. O outro se mostrava mais bem afortunado que um advogado de província.
         Indignado, inconsolável e inconformado, Luís parte na mesma noite em busca da herança do padrinho. “Cheguei a Pelotas e fui examinar a casa que há cinco anos não recebia um bocado de ar. Foram precisos alguns dias para que pudesse deixar entrar lá alguém. // Quando ficou em estado de receber-me, lá fui com o meu criado, e preparei tudo para proceder ao exame necessário.”
         Nada de tesouro no chão, nas paredes ou no teto da casa. A casa até então abandonada começava a ganhar ares de demolida. Vazio de esperanças, mas cheio de ideias, Luís olhou para o retrato do padrinho que trouxera na viagem, e “Tomei o quadro das mãos do criado, e, com o auxílio de uma faca, destas de que usam os guascas, abri o quadro.” De dentro da moldura caiu um papel com os sóbrios dizeres: “Conselho ao meu afilhado – Nunca te fies em aparências.” Eis o tesouro deixado por herança.



         
         Devido a questão do espaço, esta série não foi um trabalho exaustivo sobre a presença do estado do Rio Grande do Sul e a cidade de Pelotas na obra de Machado de Assis. No caso do estado, nos dedicamos às crônicas; no caso da cidade, às referências diretas: como mostramos, a muitos textos que parecem fazer alusão a Pelotas, material para outras séries. Quem se interessar pelo tema, elencamos algumas obras à pesquisa, além dos dois contos citados acima: “Histórias sem data”, “Papéis avulsos”, “Páginas recolhidas”, “Relíquias de Casa Velha”, “A pianista”, “Cantiga Velha”, “Entre duas datas”, “O capitão Mendonça”, “O imortal” (com uma interessante passagem pela guerra do Paraguai), “Possível e impossível”, “Rui de Leão”, “Sem olhos”, “Troca de datas”, “Uma partida”, “Virginius”.
        Podemos, contudo, adiantar uma conclusão no que diz respeito às referências ao estado de RS e à cidade de Pelotas na obra de Machado de Assis. Quando ele trata do Rio Grande (do Sul), ou é um lugar belicoso ou não é Brasil ainda; quando ele trata de Pelotas, é um local de muito dinheiro circulando. Mas nos dois casos, são lugares muito longe da Capital.

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Fonte: há muitas obras completas de Machado de Assis disponíveis online, para este texto utilizamos o site Domínio Público (domíniopublico.gov.br). A foto de Machado de Assis (pela revista Caras y Caretas) e a imagem de Diana são Wikicommons.