quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O centenário do Chove não Molha - Pelotas


A.F. Monquelat




         A título de informação, gostaríamos de registrar o surgimento do possível primeiro cordão carnavalesco em Pelotas. O referido, ocorreu aos 19 dias do mês de fevereiro de 1917, carnaval, quando então a banda musical União Democrata tocaria em um dos coretos armados à rua Sete de Setembro, esquina 15 de Novembro.
         Naquela tarde, uma chuva torrencial impediu tal apresentação e os integrantes da União Democrata, de volta à sua sede, resolveram organizar um bloco carnavalesco. Depois de conversarem a respeito, foi aprovada, por unanimidade, a denominação do bloco: Depois da Chuva. Este sairia tão logo cessasse o aguaceiro.
         Formado o bloco, este percorreu diversas ruas da cidade, levando à frente uma enorme bandeira verde como estandarte. Acompanhado por bem afinada orquestra, o bloco ia despertando a atenção do público que aplaudia freneticamente sua passagem.
         Às 23 horas, de volta à sede da Democrata, em rápida sessão, ficou definitivamente fundado o C.C. Depois da Chuva, por entre entusiasmados vivas dos presentes.
         Foram fundadores os Srs. Normílio Fagundes de Oliveira, Aristides Martins, João Gomes, Artur Chagas, Adauto Marques, Cirilo Carvalho, Lúcio Casiniro da Silva Nazario, Armando Vargas e outros.
         Aclamada a sua primeira diretoria, o presidente nomeado foi o Sr. Armando Vargas.
         Logo depois, surgiu o C.C. Chove não Molha, o Fica Ahi
 e outros.

Letra de samba do cordão Chove não Molha


Breve histórico do Chove não Molha, segundo declarações do Sr. Mário de Lima, à imprensa, por ocasião da comemoração dos 60 anos da instituição, e outras fontes
         Fundado em 26 de fevereiro de 1919, o Chove não Molha instalou-se, à rua Dr. Cassiano, entre as ruas Anchieta e Felix da Cunha, em prédio alugado.
         De acordo com as professoras Lorena Almeida Gill e Beatriz Loner em seu trabalho, Os clubes carnavalescos negros de Pelotas, a ideia de fundação do Clube teria nascido na alfaiataria de Otacílio Borges Pereira, que reunido com os Srs. Antônio Silveira Falcão, Henrique Cancio de Paula, Pedro Vargas e Antenor Vieira, tiveram a ideia de organizar um grupo, com o intuito, e tão somente, de festejar o carnaval daquele ano. Dada a integração e entusiasmo, os componentes resolveram então criar o Chove não Molha, sendo o Cordão Carnavalesco formado por uma parcela muito pobre da etnia negra, ocupando uma posição intermediária, possivelmente por ter profissões regulares, em especial vinculadas a prestação de serviços, como os alfaiates, empregadas domésticas, cozinheiros entre outras, passando no decorrer dos anos a ter outras finalidades associativas.
         Diz-nos ainda o Sr. Mário de Lima que, em meados de 1955, tendo sido vendido o prédio em que o Chove não Molha estava instalado, teve este de desocupar as dependências.
         Em face do ocorrido, a diretoria da instituição procurou de forma incansável um terreno para comprar, com o firme propósito de erguer a sede do bloco.
         O terreno adquirido, dentro das possibilidades financeiras do Clube, foi o da rua Benjamim Constant, nº 2118. A partir da compra deste terreno, foram dedicados três anos à construção da nova sede, inaugurada no ano de 1958.
         Inaugurada a sede, o Chove não Molha organizou o ritmo choviano, através de uma escola de samba que desfilou nos carnavais do final da década de 50 e primórdios dos anos 60.
         Até que, em face das despesas cada vez mais elevadas, o Clube decidiu encerrar sua participação no carnaval de rua.

Em busca de recursos         Aos 9 de julho de 1921, era anunciado pela imprensa que um grupo de influentes sócios daquele bem organizado clube carnavalesco, o Chove não Molha, nomeados em comissão pela respectiva diretoria, promoveria no mês de agosto uma série de atraentes serões quermesse, cujo produto reverteria em benefício de seus cofres sociais.
         A comissão organizadora, segundo a mesma notícia, aceitava qualquer brinde para aquele fim, podendo os mesmos ser enviados para a rua Andrade Neves 676.
         Em 17 de fevereiro de 1930, o jornal O Libertador divulgava em sua coluna sobre o carnaval daquele ano: Na noite anterior, fizera uma passeata por diversas ruas da cidade, o popular cordão carnavalesco Chove não Molha, obtendo muitos aplausos e fartos níqueis.

O Chove não Molha e os carros alegóricos
         É também do Sr. Mário de Lima a afirmação de que, desde o ano de 1939, ano da Jardineira [alusão a marchinha de carnaval composta por Benedito Lacerda e Humberto Porto], que o clube não colocava carros alegóricos com rainha e corte para desfilar na passarela de Carnaval de rua.
         Contudo, no ano do sexagésimo aniversário do Chove não Molha, em homenagem à data, o clube fez desfilar dois carros, no primeiro e último dia de carnaval: um com rainhas e clube e outro com duquesa, duque, bonecas chovianas e a corte da soberana.

1939, o ano do carnaval de sangue
         1939 foi o ano em que a barbárie e a prepotência, de forma clara e covarde demonstrou o que é capaz de promover um regime de exceção em uma sociedade, por mais culta e ordeira que esta se tenha. Foi o caso do carnaval de sangue ocorrido no dia 21 de fevereiro desse mesmo ano, onde um grupo de civis, tendo entre si pessoas de responsabilidade pelos cargos que exerciam, acabou dissolvendo, com uma patrulha e a golpes de sabre, o ordeiro e tradicional Cordão Carnavalesco Chove não Molha, que ia em passeata por uma das principais ruas da cidade de Pelotas.

A tragédia, como ocorrida
         O estimado Cordão pelotense, conhecido e admirado pela sua compostura e sua tradicional seriedade, transitava pela rua Andrade Neves, sob costumeiras aclamações. Segundo centenas de declarações de populares, um grupo de pessoas, em traje civil, penetrou na formatura, tentando agarrar, de forma obscena, as jovens que faziam parte do cortejo. As autoridades prometeram identificar estas pessoas, mas não o fizeram.
         Em defesas das jovens e da moral pública, que até então jamais assistira cenas daquela natureza, os integrantes do Chove não Molha, num revide justo, expulsaram do seu meio o grupo de desordeiros.
         Pondo-se em marcha, sob aplausos, o simpático e querido cordão entrou na rua 15 de Novembro, a principal artéria da cidade, onde um povo inteiro, principalmente mulheres e crianças, assistia ao desfile carnavalesco.
         Quando já em frente da Confeitaria Gaspar [que ficava entre as ruas General Neto e Sete de Setembro], desenrolou-se a tragédia, surgindo, de repente, um grupo de soldados, sem que se soubesse por ordem de quem, e dissolve a golpes de sabre o cordão em marcha.
         Imaginemos uma batalha em plena rua 15 de Novembro, onde estavam talvez trinta mil pessoas, se terá ideia do que foi aquela carnificina.
         Mulheres feridas, crianças aos gritos, casas invadidas, cadeiras quebradas, a confusão, a dor, o sangue...
         Diversas pessoas, inclusive mulheres, receberam curativos na Santa Casa.
         Houve uma sombra de tristeza envolvendo a cidade em luto.
         A imprensa, “que é uma auxiliar da ordem”, não pode silenciar diante daquele fato inominável, que constituía uma lamentável diminuição do Carnaval antigo, que sempre fora uma gloriosa tradição do povo pelotense, dizia o jornalista. Atender aos pedidos, e silenciar sobre o episódio, seria a conivência com os perturbadores em seu entender.
         O jornalista e a sociedade pelotense confiavam na ação do Delegado de Polícia, e na do Sr. major comandante do 9º R.I., que saberiam, por certo, punir os culpados.
         O primeiro Cordão a levar a sua solidariedade ao Chove não Molha foi o “Fica Ahi”.
         Sabia o repórter, que todas as sociedades locais, num gesto de confraternização, iriam levar ao presidente Getúlio Vargas, em memorial telegráfico, o seu protesto contra a selvageria do dia 21 de fevereiro de 1939.




Sede atual do C. C. Chove não Molha



        
Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Revisão de texto e postagem: Bruna Detoni      


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