parte 4 e última
Nas cozinhas senhoriais, tanto dos palacetes quanto dos
casarios, urbanos ou rurais, a preocupação das sinhazinhas era a mesma: evitar
que fossem envenenadas. Tal preocupação tinha lá os seus motivos, pois, não há
pouco uma família inteira fora envenenada.
A coisa toda se passou mais ou menos assim, conforme carta
enviada de Pelotas para um redator de um periódico da cidade de Rio Grande. Segundo
o remetente, dada a importância da família envolvida, a carta deveria ser
divulgada nas colunas daquela folha: uma comadre do Sr. José Vieira Viana,
delegado de polícia em Pelotas mandou-lhe de presente do Rio Grande um prato de
camarões, que o delegado Viana mandou temperar à sua vista. Quando
servido à mesa e logo após serem ingeridos, todos que deles comeram ficaram de
tal maneira indispostos, que logo suporam um envenenamento.
O delegado, segundo o
autor da carta, tinha a saúde demasiado débil e, em seguida lhe sobreveio uma
dejecção alvina e vômitos terríveis.
A mulher do delegado
Viana, que se achava em estado grave, fizera tanto esforço para vomitar que lhe
saíram pela boca duas bacias de sangue. Enfim, 5 foram as pessoas da família do
delegado a comerem dos “malditos camarões”, sofrendo todos de cólicas
fortíssimas, acompanhadas de sintomas de envenenamento.
Dois médicos, um de
nome Xavier, trataram dos doentes, que os considerou sem perigo.
Era ainda de ser
notado, segundo o missivista, o fato de que um fâmulo da família Viana ter
usado a mesma vasilha para nela fazer outra comida, além do uso de outros
utensílios de cozinha em que haviam servido os camarões, ficara também
gravemente indisposto.
Na confusão provocada
pelo incidente, ninguém teve a ideia de juntar algumas das matérias vomitadas,
para que fossem submetidas a uma séria análise da natureza delas; porém,
informava, isso não obstaria para que fossem empregadas as mais severas
averiguações a fim de descobrir-se o autor de tão horrível atentado.
A carta encerrava
informando que todos os amigos do delegado Viana, que era o mesmo que dizer
toda a cidade de Pelotas, receberam com extremo pesar semelhante notícia, e
davam graças a Deus por haver preservado de iminente perigo a uma família tão
digna de estima de todas as pessoas honestas, e de benevolência geral.
Os viandantes ou até
mesmo os tropeiros que chegavam à cidade eram vistos com desconfiança, tanto
pelas autoridades quanto pela população branca, pois circulava pela cidade a
informação que agentes secretos vindos do Rio da Prata estarem residindo em
muitos distritos da província.
Um tropeiro recém-chegado a Pelotas e que de lá, do Estado
Oriental, viera havia dado notícia ao delegado Viana que, passando em Arroio
Malo há poucos dias, ali lhe informaram que os escravos daquele município
haviam se insurgido, saqueando a cidade passando para o lado dos Blancos, no sobredito Estado.
Atendendo ao ofício enviado pelo delegado Viana no qual este
pedia força policial e providências com o propósito de prender um grupo de
escravos que se achavam reunidos no 2º distrito de Pelotas, mandara o
tenente-coronel Serafim Ignacio dos Anjos, chefe da legião da guarda nacional,
na mesma hora em que recebera o ofício, ordem para se reunirem os guardas
nacionais da Costa da Serra, nos pontos de Monte Bonito e Passo do Retiro, onde
amanheceram do dia 09 para 10 mais de 100 homens reunidos e bem dispostos; e
que seguira, no mesmo dia, pela costa do Arroio Pelotas acima, a perguntar onde
é que estava a reunião de escravos, mas que não lhe fora possível descobrir, e
tampouco constava tivessem se evadido escravos das charqueadas daquela Costa, e
que ali, estavam todos acautelados. Dera ele, então, as providências para que a
Costa fosse patrulhada pelos moradores da mesma, ao que todos se propuseram com
muita disposição.
No distrito do Cerro da Buena, não havia movimento algum de
escravos; à vista do que, fez retirar os guardas nacionais para que estes
voltassem para suas casas, ficando, porém, prontos para qualquer ameaça que
surgisse.
Encerrava o ofício, dizendo estar enviando um escravo de
nome João Bitencourt, apanhado no Monte Bonito Este escravo afirmava andar fugido há dois meses, e que pertencia ao grupo dos
revoltosos.
Ele, Viana, em uma de suas correspondências, dizia julgar
ter sufocado o mencionado plano de insurreição, com as providências que tomara,
e com os recursos da cidade: mas, a confirmarem-se aquelas suspeitas, eram
esses recursos demasiado pequenos para que ficasse em segurança e tranquilidade
um município em que existiam mais de 3.000 escravos, e muitos desordeiros.
Na cadeia os açoites eram em número cada vez maiores, mas
não conseguiam abafar os gritos de dor que se espalhavam pelas ruas da cidade.
Em virtude das notícias que pela campanha se espalharam,
quanto à insurreição dos escravos, o general comandante de armas Caldwel
apressou sua ida de Jaguarão para Pelotas, a fim de tomar as providências que
estivessem ao seu alcance, porém, quando em Pelotas e a par da situação, ficou
ele convencido de que o maior barulho fora devido ao susto de que foram
acometidas as autoridades policiais.
Também
sobre o episódio, recebeu o redator de certo periódico rio-grandino, alguns
ofícios que ele, prontamente, pôs à disposição dos leitores.
O
primeiro dos ofícios divulgados pelo jornalista de Rio Grande, foi o do
comandante superior interino, Sr. Thomaz José de Campos, endereçado ao sr. José
Fernandes dos Santos Pereira, brigadeiro e comandante da 1ª brigada do exército
e da fronteira do Chuí, no qual dizia o comandante Thomaz José de Campos, que
de acordo com o ofício dirigido ao brigadeiro, pelo delegado de polícia de
Pelotas, José Viana, pedindo providências
em face de haver no município de Pelotas mais de 3.000 escravos e tantos
elementos de desordem pela sua posição aberta, temendo que a tentativa de
insurreição referida fosse promovida por indivíduos do Estado vizinho, o
Uruguai, cumpria-lhe informar que, apesar de ter estado nessa cidade e, ausente
dela há 12 dias, a par agora das ocorrências e pelas ideias que já tinha a
respeito, não concordava em parte com as opiniões do delegado Viana; sendo
induzido a crer que as tentativas dos escravos abrangiam somente os da nação
mina; e que o temor de haver aliciadores do Estado vizinho, não era bem
fundado, e muito menos o da presença de elementos de desordem. Não obstante,
considerava e concordava com a opinião do delegado Viana, de que o município de
Pelotas reclamava uma força efetiva, segundo sua posição, a bem de policiá-lo
convenientemente.
Há quem diga que os insurgentes, se vitoriosos, e o seriam sem
dúvida alguma (pois a “escravatura das
xarqueadas, calejada no trabalho, endurecida na faina de matar e esfolar as
boiadas, habituada a usar e destramente, a faca, o machado, os paus do serviço;
vivendo em contato com os capatazes e os seus senhores, sem dúvida levaria de
vencida o atrevido lance”) iriam em direção ao Rio de Janeiro e contariam com a
proteção e o auxílio dos ingleses.
Dentre outros fatos é também referido, que fora oficiado ao
Dr. juiz de direito da comarca do Rio Grande, que em 14 do corrente se oficiara
sobre os acontecimentos do dia 06, dos quais nenhuma informação oficial havia
naquela data, e que o Presidente da província mandara por a disposição a
canhoneira Caçapava.
Deplorava o Presidente que, sendo do conhecimento das
autoridades, desde princípios de janeiro, a conspiração dos negros, de tão
sério acontecimento não tivessem comunicado; e, não podendo elas contar com a
solução de tão grave problema, tomassem a responsabilidade dele sobre si;
lamentava ainda mais que, depois de conhecido e manifestado o plano do dia 06
e, depois de superada a dificuldade, dissessem que era pouca a força simultânea
de 1ª linha e de polícia, e que era necessário, além disso, armar de imediato a
guarda nacional do município de Pelotas. Quanto a isso já havia ele feito de
tudo o que era possível; a comarca estava armada em parte; e novas ordens
expedira para continuar o armamento. E que, distando tão pouco de Pelotas à
cidade do Rio Grande, podiam, em caso urgente, requisitarem mais força,
inclusive à guarda nacional daquele município, que estava completamente armada.
E assim, sem sabermos exatamente como tudo se passou, pois
não conhecemos versão ampla ou contada pelo lado dos insurgentes, entendemos
ser mais lógico pensarmos que a rebelião conhecida como a insurgência dos
Nucas-Rapadas, não fosse a delação sofrida, vitoriosa iria em direção ao estado
vizinho, a República Oriental del Uruguai, onde usufruiriam da liberdade que o
império brasileiro não lhes permitia.
E pensar que o sonho de liberdade de centenas de escravos,
fossem ou não eles somente da nação Mina, deixou de se realizar por delação de
três outros escravos que resolveram denunciar a conspiração por que por seus
senhores sentiam grande amizade. Estes senhores sempre os trataram com
cordialidade, os quais, em troca de suas insignificantes liberdades,
considerado o projeto maior, não se lembraram do que aconteceria aos seus
irmãos de cativeiro, que por tal infâmia foram aprisionados, açoitados e até
mortos.
Será que o negro Procópio, de nação Mina, ao qual foi dada a
“liberdade de hoje para sempre”, - para que ele fosse tratar de sua vida como
liberto que ficava sendo, em razão de ter seu senhor, Luiz Manoel Pinto
Ribeiro, em três de março de 1848, recebido do ilustríssimo senhor José Vieira
Viana, delegado de polícia desta cidade, a quantia de noventa e sete mil réis,
que mandou agenciar pela alforria do dito escravo, por haver o mesmo denunciado
uma insurreição que estava sendo projetada entre os negros de sua nação, aos
quais denunciou e entregou àquela autoridade, que mandou prender e corrigir,
pergunto novamente, será que o negro Procópio - o faria sem lembrar o que causara
a seus irmãos?
E, por verdade do expedido, e para que o dito escravo possa
gozar de sua inteira liberdade, declaramos aqui hoje e para todo o sempre que:
Os
cães espreitavam à entrada das charqueadas
O barulho das correntes se ouvia fora e dentro
das senzalas
As
águas do Santa Bárbara corriam, lentamente, em direção ao São Gonçalo
As
tias Minas, de tantos saberes, já não entoavam seus cantos
A escravidão abortara cruelmente o grito da liberdade.
Revisão do texto: Jonas
Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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