sábado, 13 de janeiro de 2018

A revolta dos negros Minas

(parte 3)







         Por mais que as autoridades tentassem esconder aquela agitação, aquele corre-corre, o prende-prende, o pega-pega daqueles que buscavam escapar em direção aos matos, ao campo, enfim, a algum lugar que lhes pusesse a salvo dos policiais, do chicote, do castigo, das torturas, da morte. Morte é, o que já acontecera a mais de uma dezena de homens envolvidos naquela afronta ao regime estabelecido: o crime de tentarem livrar-se do trabalho forçado, do açoite, dos maus tratos, da insalubridade daquilo que os senhores lhe davam como moradia, das correntes, das gargalheiras e outros tantos instrumentos que lhes causavam dores e cicatrizes quando punidos pelo crime de buscarem suas liberdades; era tarde demais, pois, já não se ouvia mais o barulho da água correndo pelo Santa Bárbara nem o canto das tias Minas, as roupas não mais iam de encontro as pedras do arroio, o medo tomara conta de tudo e de todos.
         Entre os revoltosos uma indagação: como teriam sido descobertos? Se traídos, quem os delatara? Se fora algum de seus irmãos de desgraça, em troca de quê?
         No tronco da charqueada, à beira do Arroio Pelotas, o pardo Vicente, recém-açoitado 50 vezes por ordem de seu Senhor, que suspeitara que aquele escravo soubesse de algo sobre o motim, via o seu sonho de liberdade desfeito. Sonho que começara a ser construído através das palavras do capataz, um castelhano, de voz mansa, que lhe falara de uma tal de Guerra Grande, que estava acontecendo não muito longe dali, uma guerra que envolvia vários países. E lá, um lugar entre as tropas do comandante Oribe lhe aguardava, onde, em troca de seus serviços, receberia sua liberdade. Quantas vezes se imaginou como soldado.Soldado das tropas da República Oriental do Uruguai, um país onde todos os homens eram livres.
         A morte em combate não lhe assustava.
         A morte, para Vicente, era algo que não temia. Muitas vezes pensara nela como uma forma de liberdade. Fazê-lo de maneira rápida, como se estivesse sangrando uma rês, uma facada rápida e segura, e pronto. Quem sabe agora, assim que se livrasse daquele tronco, daquele castigo, quem sabe...
         Enquanto isso, na vizinha cidade de Rio Grande, o delegado da cidade lia um ofício encaminhado pelo delegado de Pelotas, onde era dito que: 
 Ilmo. Sr. – Como o termo [subdivisão de um território ; comarca] em que V. S.ª exerce o emprego de delegado de polícia divide com em que eu exerço o mesmo emprego, julgo conveniente comunicar-lhe que, desde princípios do mês de janeiro último tive suspeitas e denúncias de que havia um plano entre os negros minas desta cidade, das charqueadas e olarias e de suas imediações, para uma insurreição, a qual, pela última e mais bem fundada das ditas denúncias, deveria acontecer no último domingo, 06 do corrente mês; em consequência, tomei desde o início as medidas de prevenção que julguei necessárias: no sábado, véspera da insurreição, dei as mais terminantes providências para evitar a projetada, que seria de terríveis resultados, se não a houvesse sufocado a tempo.
Têm sido presos perto de 50 escravos, todos de nação mina, que estão sendo castigados, entre os quais há somente um forro, que está igualmente preso, mas sem processo, por não ter denunciado o que depois confessou saber.
Das indagações que tenho feito pessoalmente, e de outras que tenho mandado apurar, está exuberantemente provado o plano de insurreição, que era nada menos do que matar brancos, ficarem forros e fugirem para o estado vizinho [território uruguaio].
Por ora, não há certeza em confissão de ter participado no referido plano pessoa nacional ou estrangeira, nem tampouco notícia de que ele se estendesse para além deste município; contudo, V. S.ª com a perspicácia e zelo que lhe são próprios, e que tantas vezes tem empregado a bem da tranqüilidade pública, tomará as medidas necessárias para que o contágio não se espalhe.
Nos apuros em que me vi, valeu-me a presença do sr. major Pecegueiro, com a tropa de seu comando, e a atividade do sr. comandante de  polícia que, com os seus soldados fizeram todas as prisões e desempenharam as minhas ordens; só tenho a lamentar a escassez destes recursos, para impor respeito em um município de mais de 3.000 escravos e onde, diariamente, entra grande quantidade de peões e gente de todos os pontos da campanha. Deus guarde a V. S.ª/ Pelotas, 09 de fevereiro de 1848.
Próximo à cancha, uma matilha aguardava esperançosa que lhes jogassem as vísceras ou até mesmo alguns ossos das reses, que seguiam sendo abatidas na charqueada do Sr. Chaves.
    Ao centro da cancha, pelo trilho de ferro, uma zorra conduzia os ossos e gorduras à graxeira, empurrada pelo negro Malaquias, de nação mina, 40 anos de idade, estatura baixa, e que conhecia muito bem o país vizinho, levado que fora pelos Chaves e que, com a prisão de seus companheiros naquela insurreição, via frustradas suas aspirações de voltar a ver o Cerro, em Montevidéu.
    Se, de um lado, os negros envolvidos ou não na conspiração dos negros minas de nucas rapadas debandaram aterrorizados, principalmente em direção à Serra dos Tapes, o pânico dos brancos, por outro lado, parece não ter sido menor, pois: na noite de 08 para 09 de fevereiro, na charqueada de Joaquim Faria Corrêa, subdelegado de polícia de Pelotas, o respectivo capataz, que havia proibido jogos no estabelecimento, às duas horas da madrugada, decidiu, de maneira inesperada, fazer uma ronda, que acabou surpreendendo em certo canto da propriedade alguns escravos jogando. Quando estes escravos pressentiram a inesperada chegada do capataz, imediatamente puseram-se em fuga, ficando apenas dois dos que ali estavam, os quais investiram, armados de faca, contra o capataz. Este, em defesa, disparou-lhes dois tiros. Um dos escravos morreu na hora, e o outro ficou estendido, mortalmente ferido.
Circulava também na cidade as notícias que, devido aos açoites aplicados nos envolvidos, dez deles já haviam morrido e que alguns charqueadores estavam se recusando a entregar seus escravos às autoridades, que os havia requisitado.
A polícia destacada pelo delegado Viana para retirar os negros, diziam ainda, como forma de cumprir as ordens, diante da recusa dos senhores cercou uma das charqueadas, da qual retirou cerca de 14 escravos.


                                                                               Continua...
  
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Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

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