(parte 3)
Por mais que as autoridades tentassem esconder aquela
agitação, aquele corre-corre, o prende-prende, o pega-pega daqueles que buscavam
escapar em direção aos matos, ao campo, enfim, a algum lugar que lhes pusesse a
salvo dos policiais, do chicote, do castigo, das torturas, da morte. Morte é, o
que já acontecera a mais de uma dezena de homens envolvidos naquela afronta ao
regime estabelecido: o crime de tentarem livrar-se do trabalho forçado, do
açoite, dos maus tratos, da insalubridade daquilo que os senhores lhe davam
como moradia, das correntes, das gargalheiras e outros tantos instrumentos que
lhes causavam dores e cicatrizes quando punidos pelo crime de buscarem suas
liberdades; era tarde demais, pois, já não se ouvia mais o barulho da água
correndo pelo Santa Bárbara nem o canto das tias Minas, as roupas não mais iam
de encontro as pedras do arroio, o medo tomara conta de tudo e de todos.
Entre os revoltosos uma indagação: como teriam sido descobertos?
Se traídos, quem os delatara? Se fora algum de seus irmãos de desgraça, em
troca de quê?
No tronco da charqueada, à beira do Arroio Pelotas, o pardo
Vicente, recém-açoitado 50 vezes por ordem de seu Senhor, que suspeitara que
aquele escravo soubesse de algo sobre o motim, via o seu sonho de liberdade
desfeito. Sonho que começara a ser construído através das palavras do capataz,
um castelhano, de voz mansa, que lhe falara de uma tal de Guerra Grande, que
estava acontecendo não muito longe dali, uma guerra que envolvia vários países.
E lá, um lugar entre as tropas do comandante Oribe lhe aguardava, onde, em
troca de seus serviços, receberia sua liberdade. Quantas vezes se imaginou como
soldado.Soldado das tropas da República Oriental do Uruguai, um país onde todos
os homens eram livres.
A morte em combate não lhe assustava.
A morte, para Vicente, era algo que não temia. Muitas vezes
pensara nela como uma forma de liberdade. Fazê-lo de maneira rápida, como se
estivesse sangrando uma rês, uma facada rápida e segura, e pronto. Quem sabe
agora, assim que se livrasse daquele tronco, daquele castigo, quem sabe...
Enquanto isso, na vizinha cidade de Rio Grande, o delegado
da cidade lia um ofício encaminhado pelo delegado de Pelotas, onde era dito
que:
Ilmo. Sr. – Como o termo [subdivisão de um
território ; comarca] em que V. S.ª exerce o emprego de delegado de polícia
divide com em que eu exerço o mesmo emprego, julgo conveniente comunicar-lhe
que, desde princípios do mês de janeiro último tive suspeitas e denúncias de
que havia um plano entre os negros minas desta cidade, das charqueadas e
olarias e de suas imediações, para uma insurreição, a qual, pela última e mais
bem fundada das ditas denúncias, deveria acontecer no último domingo, 06 do
corrente mês; em consequência, tomei desde o início as medidas de prevenção que
julguei necessárias: no sábado, véspera da insurreição, dei as mais terminantes
providências para evitar a projetada, que seria de terríveis resultados, se não
a houvesse sufocado a tempo.
Têm sido presos perto de 50 escravos, todos de nação mina,
que estão sendo castigados, entre os quais há somente um forro, que está
igualmente preso, mas sem processo, por não ter denunciado o que depois
confessou saber.
Das indagações que tenho feito pessoalmente, e de outras que
tenho mandado apurar, está exuberantemente provado o plano de insurreição, que
era nada menos do que matar brancos, ficarem forros e fugirem para o estado
vizinho [território uruguaio].
Por ora, não há certeza em confissão de ter participado no
referido plano pessoa nacional ou estrangeira, nem tampouco notícia de que ele
se estendesse para além deste município; contudo, V. S.ª com a perspicácia e
zelo que lhe são próprios, e que tantas vezes tem empregado a bem da
tranqüilidade pública, tomará as medidas necessárias para que o contágio não se
espalhe.
Nos apuros em que me vi, valeu-me a presença do sr. major
Pecegueiro, com a tropa de seu comando, e a atividade do sr. comandante de polícia que, com os seus soldados fizeram
todas as prisões e desempenharam as minhas ordens; só tenho a lamentar a
escassez destes recursos, para impor respeito em um município de mais de 3.000
escravos e onde, diariamente, entra grande quantidade de peões e gente de todos
os pontos da campanha. Deus guarde a V. S.ª/ Pelotas, 09 de fevereiro de 1848.
Próximo
à cancha, uma matilha aguardava esperançosa que lhes jogassem as vísceras ou
até mesmo alguns ossos das reses, que seguiam sendo abatidas na charqueada do
Sr. Chaves.
Ao centro da cancha, pelo trilho de ferro,
uma zorra conduzia os ossos e gorduras à graxeira, empurrada pelo negro
Malaquias, de nação mina, 40 anos de idade, estatura baixa, e que conhecia
muito bem o país vizinho, levado que fora pelos Chaves e que, com a prisão de
seus companheiros naquela insurreição, via frustradas suas aspirações de voltar
a ver o Cerro, em Montevidéu.
Se, de um lado, os
negros envolvidos ou não na conspiração dos negros minas de nucas rapadas
debandaram aterrorizados, principalmente em direção à Serra dos Tapes, o pânico
dos brancos, por outro lado, parece não ter sido menor, pois: na noite de 08
para 09 de fevereiro, na charqueada de Joaquim Faria Corrêa, subdelegado de
polícia de Pelotas, o respectivo capataz, que havia proibido jogos no
estabelecimento, às duas horas da madrugada, decidiu, de maneira inesperada,
fazer uma ronda, que acabou surpreendendo em certo canto da propriedade alguns
escravos jogando. Quando estes escravos pressentiram a inesperada chegada do
capataz, imediatamente puseram-se em fuga, ficando apenas dois dos que ali
estavam, os quais investiram, armados de faca, contra o capataz. Este, em
defesa, disparou-lhes dois tiros. Um dos escravos morreu na hora, e o outro
ficou estendido, mortalmente ferido.
Circulava também na
cidade as notícias que, devido aos açoites aplicados nos envolvidos, dez deles
já haviam morrido e que alguns charqueadores estavam se recusando a entregar
seus escravos às autoridades, que os havia requisitado.
A polícia destacada
pelo delegado Viana para retirar os negros, diziam ainda, como forma de cumprir
as ordens, diante da recusa dos senhores cercou uma das charqueadas, da qual
retirou cerca de 14 escravos.
Continua...
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Revisão do texto: Jonas
Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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