terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Simões: a fuga para o pampa

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Luís Borges

                                                                                                                             “À memória de meu pai.
                                                                                                                                                             Saudade”
                                                                                                                                                                  J.S.L.N.          


“UM ESCRITOR MOVIDO A SONHOS”?

Em “Baús revelam poemas de Simões Lopes Neto”, o jornalista Klécio Santos, quando da proximidade do aniversário da morte do escritor, na Revista ZH de 26 de maio de 1996, disse que a comunidade de Pelotas estava remexendo baús, buscando novos escritos e fotos históricas para lembrar os 80 anos de morte do rapsodo bárbaro, falecido no dia 14 de junho de 1916.
Na longa e excelente matéria sobre Simões, foram republicados os poemas “Réve” e “Dúvida”, e, parcialmente, o conto urbano de Simões “Na Lagoa... do Fragata”. Dentre outras fotos que ilustraram aquela matéria, está a do casamento de Simões, em março de 1892, com Francisca Meirelles Leite, conhecida por “Dona Velha”.
A foto do casamento de Simões Lopes foi publicada pela primeira vez na imprensa no artigo “Tributo a Simões Lopes Neto” (DP, 10.06.1995, p.17), que é parte integrante do que se denominou de “Álbum Simoniano”, conforme artigo publicado no DP de 27 de Julho de 1997.
Klécio Santos, na referida matéria jornalística, disse que “Simões era um escritor movido a sonhos”. Diante disso, foi-lhe perguntado o que, exatamente, na época, quis dizer com aquilo, e, se ainda hoje, ele manteria o dito. A resposta de Klécio foi a seguinte: “Ele sempre foi um visionário com os projetos ao mesmo tempo em que produzia alta literatura. Só alguém nas nuvens, gênio, etc., é capaz de conciliar tudo”.
Voltei a indagar: O que é tudo?
Tive por resposta: “Os projetos frustrados com a produção literária...”.
O interesse nas respostas do jornalista Klécio, de imediato, sem a intenção de concordar ou discordar, foi despertado quanto ao que ele dissera sobre Simões ser um “escritor movido a sonhos”, porque entendemos, isto sim, que ele foi um escritor movido pelas frustrações.
Explicando: partindo do pressuposto de que sonhos são as manifestações de nossos desejos (serão mesmo?) e que, à noite, durante nosso sono saem da imensidão do inconsciente para povoar os invisíveis territórios de nossas mentes, podemos inferir que Simões Lopes Neto, como um frustrado homem de negócios malogrado empreendedor, ou capitão de indústria, por deslocamento transferiu sua necessidade de ser um homem bem sucedido - alguém importante dentro de seu contexto social - para a criação literária. Deste modo, é possível especular se o artista Simões não foi a resultante do malogrado empreendedor. É difícil dizer o que leva alguém à arte. Talvez todos nós no confronto com as rudezas da vida, de uma forma ou de outra, neste ou naquele momento, desejemos empreender fuga cada um ao seu próprio pampa. Teremos, os que admiram e estudam seu legado, inventado o escritor, quando o que estava diante era apenas a trágica sombra de um exilado da vida?  


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  A fuga para o pampa
É possível, então, pensar Simões Lopes Neto dentro de suas limitações históricas. Todo homem é, de alguma maneira, prisioneiro de seu tempo. Creio que quando se diz que Simões estava à frente de seu tempo, se queira apenas afirmar que ele era um visionário, como disse o Klécio. E isso ele era.
Evidentemente, considerações tão profundas quanto às motivações artísticas e as defesas psicológicas são questões deveras complexas e não podem ser simplificadas a respostas unifatoriais.  Todavia, no percurso do que disseram Ivete Massot e Hildinha Simões Lopes, respectivamente, em Simões Lopes Neto na intimidade (1974) e Entre sonhos e charqueadas (1999), que procuram explicar os “bons negócios” do Capitão, para utilizar a expressão de Guilhermino César, por meio de um mecanismo inconsciente que, na vontade de ser escritor, o “forçava” a fracassar nas atividades econômicas.
Num caso como esse, não se deve isolar uma explicação, ainda mais se circunscrita à psicologia (que acreditamos não seja suficiente para dar cabo da abrangência da questão), uma vez que se deve levar em consideração os mais diversos aspectos que envolvem o problema. Todavia, é evidente a ambivalência de Simões Lopes Neto diante de seu respeitado avô. Não conseguindo reproduzir o modelo ditado pelo visconde da Graça, ele se refugiou no pampa. Ali, numa eterna cavalgada lúdica, habitava a figura do pai, um fanfarrão cujas histórias e vivências lhe restaram como referência para, via literatura, enfim, transfigurá-lo em um tipo heroico, valente... um verdadeiro gaúcho guapo! Eis, pois, o substitutivo perfeito para os sonhos não realizados.
            Simões Lopes Neto, a exemplo de outros intelectuais que cultivaram a literatura regionalista, era homem da cidade, escritor urbano que, à exceção dos “Contos Gauchescos”, tratou em sua obra quase que inteiramente de assuntos citadinos. Aliás, essa é uma aparente contradição, primeiro porque quase não se fala nas relações entre sua alta literatura de temática rural e a obra secundária, do ponto de vista artístico, não ficcional, majoritariamente de temática urbana. Depois ainda, porque nos grotões do Brasil, onde vivia a população camponesa, retratada na literatura regionalista, a cultura letrada praticamente não havia chegado. Portanto, mesmo que ali se encontrasse alguém de talento literário e que conhecesse, pela imersão, os elementos a serem estilizados na representação de sua própria realidade; essa pessoa, ser por si só já um fato muito raro, simplesmente não dispunha dos meios mínimos necessários para cumprir a tarefa: não sabia ler nem escrever.
Outra coisa: todos os regionalistas brasileiros eram homens de cidade, apesar de terem, em geral, algumas vivências campeiras. Isso não era uma excentricidade, particularidade ou contradição de Simões Lopes Neto. O interesse desses intelectuais citadinos pelo campo era basicamente ideológico, tendo buscado no regionalismo, esse viés do Naturalismo, sua expressão político-literária.
O fato de suas crônicas e dramaturgia se aterem a temas urbanos é fruto também de um contexto socioliterário de época. O único autor teatral a dedicar-se a temas rurais foi Martins Pena, e isso, durante o Romantismo. Os autores posteriores, sob a poderosa e sedutora concepção do “Roman expérimental” (1880), de Zola, que no Brasil receberá um variado influxo de pensadores (Max Nordau, Oscar Wilde, entre outros) vão procurar descrever as mazelas da sociedade, seus vícios, enfim, o submundo.  Mas não é o que faz o Capitão na “Mandinga” (1893) ou nos “Inquéritos em Contraste” (1913), sua urbaníssima coluna?
            Do ponto de vista prático, que saibamos, Simões Lopes Neto, como homem de negócios, não praticou empreendimento algum relacionado com a vida campeira, apesar disso, tinha uma marca de gado registrada!
            A obra máxima de Simões Lopes não é, em sua essência, fruto de um homem do campo. Nem poderia ser. Os letrados eram muito poucos na sociedade de então e não estavam, evidentemente, na zona rural. De outro lado, o campo, em geral, era visto como lugar de atraso e barbárie, como se pode ver inclusive na literatura simoniana, que reproduz a violência e a fala dos incultos. A virtude que exala da idealização do universo rural está ligada à saga de valores, de algum modo, dando continuidade ao ideário político-filosófico romântico que via na natureza a pureza, o refúgio, a sinceridade – e também,  principalmente,  nos autores regionalistas, a crueza da vida, que devia ser enfrentada com audácia, coragem, honra e honestidade.
            Segundo Carlos Reverbel, Simões Lopes Neto em sua obra maior, os “Contos Gauchescos”, que o consagrou entre os grandes escritores do país, foram inspirados na figura de seu pai, cuja reconhecível representação está no personagem Tandão Lopes, do conto “Juca Guerra”.
            Acreditamos que Simões tenha ido mais longe que do desenhar Tandão Lopes para homenagear seu pai, pois Catão Bonifácio se faz presente no livro desde a dedicatória, que aqui nos serve de epígrafe. Lembremos: o nome Bonifácio também está inscrito em um de seus contos mais famosos: “O negro Bonifácio”. Nestas circunstâncias é possível conjecturar que o narrador, vaqueano Blau, seja a homenagem maior de Simões e represente o próprio Catão Bonifácio Lopes, memória querida e libertadora, contra a opressão familiar e social, associada à figura dominadora do avô, o visconde da Graça.

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Revisão do texto: Bruna Detoni

Foto: A. F. Monquelat

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Não conhcia as obras citadas sobre a vida do escritor. Gracias pela dica !

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  2. Uma excelente análise do autor, dentro de sue tempo e circunstâncias !

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