terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Eusébios: três feiticeiros da pequena África pelotense

 (parte1)

                                                                                                          A.F. Monquelat

         As manifestações religiosas de matriz africana estiveram presentes no cotidiano de Pelotas desde muito cedo, sem que tenhamos notícia ou registro de sua primeira ocorrência.Além disso, raros são os relatos, pelo menos conhecidos, sobre tal assunto e, quando existentes, são tratados de forma preconceituosa ou através de registros de ocorrências policiais.
         Com o intuito de contribuirmos de alguma forma sobre tal tema, estamos, desde há muito, coletando material para, se possível, o publicarmos em forma de livro com o título de As feiticeiras e feiticeiros da Princesa .
         O registro mais antigo que encontramos, pelo menos até agora, aconteceu quando em pesquisa feita na hemeroteca da Bibliotheca Rio-Grandense onde constatamos que o Diário do Rio Grande, de 27 de agosto de 1857, publicava uma coluna sob a denominação de Semanário, cuja função era a de informar aos seus leitores sobre os fatos ocorridos em Pelotas durante a semana. Pois, nesse dia, dia 27, era dito que constava ao Semanário que em um casebre, “perto do quartel da polícia”, morava uma preta forra, que pelos seus “feitiços” atraía todos os domingos uma quantidade de negros e negras, que iam consultar a nova Pitonisa. Alguns homens brancos, segundo o redator da coluna, também faziam ali suas visitas, atraídos talvez pelos oráculos ou efeitos mágicos da feiticeira africana. Segundo ele, seria fácil encontrar-se na mesma casa, com alguma paciência, muitas raízes, ossos, sapos, e bugigangas, indispensável arsenal de semelhantes embusteiros.
         Garantia o Semanário que se encontraria naquele local a pedra filosofal, aquela milagrosa formação que transformava as palavras em ouro e algumas bebidas perniciosas em prata. Os fregueses daquele covil deviam saber, por experiência, quanto custavam às consultas e os resultados obtidos.
         Embora fosse por gosto e vontade, que para aquele local se dirigissem, era conveniente uma rigorosa averiguação, e um exemplar castigo, se alguma coisa de suspeito fosse ali encontrada.
         E se, na ocasião dessa busca, a polícia encontrasse alguns daqueles homens brancos na cor e de sentimentos tão baixos, que não receavam pôr-se a disposição de um impostor ou impostora africano, muito apreciaria o Semanário. Tal prisão ele [o jornalista] até chegaria a ir visitar na cadeia, para conhecer tão insignes crédulos ou velhacos.
         Ao completar a notícia, o Semanário nos revela um fato anterior, sobre este assunto, na qual é dito que desde que o Sr. delegado de polícia, recebera a denúncia que havia uma casa “destes”, e, dando uma batida no local encontrou uma porção de miudezas, que foram inutilizadas, e os donos levados à cadeia onde foram castigados devidamente, não se repetira mais a experiência de enganar certa classe do povo. Como aquele fato ocorrera há muitos anos, julgavam-no caído em esquecimento, e por isso lembraram-se, considerando o presente muito pouco animador para especulações que requeressem capitais, era oportuno tentar um negócio que precisasse unicamente de astúcia e audácia, além de muita credulidade “nos fregueses que são sempre abundantes para isso”.
         Quanto ao início das manifestações religiosas de matriz africana em Pelotas, é pouco provável que venhamos a saber a partir de quando ocorreram, mas que fizeram parte do cotidiano da cidade, e principalmente dos seus arrabaldes, não resta a menor dúvida, ainda que tais manifestações se dessem de maneira oculta dada as proibições e repressões sofridas.
         Em Pelotas, dentre tantos feiticeiros, curandeiros, mandingueiros ou outra denominação qualquer que tenham tido os que aqui praticaram tal atividade, três Eusébios se tornaram bastante conhecidos, principalmente, através da imprensa pelotense. E assim, vamos encontrar nosso primeiro Eusébio, o Eusébio Silva, nas páginas do jornal Correio Mercantil de 12 de julho de 1905. Sob o título de O Lufá – Feitiçarias, somos informados que, há tempos, a polícia judiciária prendera um crioulo de nome Eusébio, e conhecido nesta cidade e no Rio Grande pela alcunha de Lufá.
         Diariamente, dizia o jornal, “esse patife” era visto entrando em uma casa à Praça Constituição [20 de Setembro], onde, de acordo com informações, havia uma moça que dele recebia benzeduras.
         A jovem, “filha de um pobre homem”, dizia entre as companheiras que ia passando bem com as benzeduras do Lufá.


         Segundo declarações do próprio Eusébio, a incauta jovem estava apaixonada e sofrendo a ausência do rapaz com quem pretendia casar-se.
         Tais informações haviam sido fornecidas à reportagem do Correio Mercantil por um “cavalheiro de inteiro crédito”.
         O jornal levava o fato ao conhecimento do Sr. subchefe interino de polícia, a autoridade que, em boa hora, prendera “esse explorador das crendices da ignorância de pobre gente”.
         Dia 15 de junho de 1905, noticiava o Correio Mercantil que o Sr. subintendente municipal, considerando o que noticiara o jornal acerca do conhecido “feiticeiro” Lufá, ordenara ao comissário do 4º posto, que investigasse a respeito das falcatruas “dessa ave”.
         Mas a “ave” batera asas e voara em direção ao Rio Grande, era o que constava ao jornal.
         Decorridos alguns anos desde a primeira notícia encontrada sobre Eusébio da Silva, voltamos a encontrá-lo, novamente envolvido em ocorrência policial nas páginas do jornal A Opinião Pública de 21 de agosto de 1911, na qual era dito que às 18 horas, do dia anterior, estiveram no 1º posto policial, duas crianças de “cor preta” e de nomes Abelardo da Silva e Brandina Silva, filhos de Cândida Silva.
         Chorando, as referidas crianças disseram aos ajudantes que ali estavam que sua mãe aparecera em casa, ensanguentada, queixando-se de que fora cruelmente maltratada por Eusébio Silva, morador à Rua Andrade Neves nº861.
         Um repórter que conversava com os ajudantes, tratou de averiguar o que havia de verdade na queixa das duas crianças, seguiu em seguida para a casa onde se encontrava Cândida Silva, localizada à Rua General Argolo nº456.
         No local residiam às mulheres América Alves dos Santos e Jovita Alves dos Santos, irmãs, que informaram ao jornalista, que às 8 horas da manhã entrara Cândida Silva com as vestes rasgadas e completamente ensanguentada, queixando-se de que fora cruelmente maltratada por Eusébio Silva, de cuja casa fugira espavorida.
         O repórter, ouvindo o relato de Cândida, ouviu desta que Eusébio depois de tê-la maltratado com palavras, deu-lhe forte bofetada, deixando-a sem sentidos.
         Acrescentou Cândida, não saber o que se passou depois, podendo, entretanto afirmar que fora muito maltratada.
         O corpo de Cândida não apresentava, porém, ferimentos, apesar de suas vestes encontrarem-se muito ensanguentadas.
         Disse ela também, que se sentia mal e, se porventura viesse a falecer, culpassem unicamente, como causa de sua morte, “o preto Eusébio”.

                                                                                              Continua...
                                                                          
        
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni



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