quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Automóveis e motoristas na Pelotas do século XX



         Não sou adepto de pesquisas ou apologias que contemplem pioneirismos disso, daquilo ou daquele outro, por entender sejam essas coisas de somenos importância ou relevância. No entanto, há situações ou assuntos que nos forçam a evocar alguns destes fatos, onde acabamos tendo de destacar algum primeirismo ou pioneirismo.
         Feita a ressalva, tratemos então dos primeiros automóveis que a cidade de Pelotas viu correr por suas ruas.
         É provável, segundo informações prestadas sobre tal fato pelo Sr. Manoel Etchegaray Filho, que o primeiro auto a aparecer nesta cidade tenha sido o trazido pelo Dr. Pedro Osório, no ano de 1900, quando de sua viagem pela Europa. Sendo que esse veículo, ainda de acordo com o Sr. Etchegaray, era de fabricação francesa e de porte muito pequeno.
         Quanto ao segundo veículo motorizado a circular pelas ruas de Pelotas, disse o Sr. Manoel ter sido o importado por seu pai, no ano de 1908.
         Segundo ele, por aquela época, realizava-se no Rio de Janeiro uma exposição internacional, a qual seu pai participou com um carro de tração animal, fabricado em oficinas que este possuía nesta cidade; a este veículo foi conferida medalha de ouro. O Sr. Etchegaray (pai) se impressionou ao ver exposto, naquele evento, um auto marca Unic; importou ele um chassis daquela marca com o respectivo motor, construindo então, aqui em suas oficinas, a carroceria.       


Primeiro automóvel Ford.


        Foi naquele veículo, importado por seu pai, que o Sr. Manoel Etchegaray Filho aprendeu a dirigir, tendo posteriormente ensinado a Anaurelino Pereira, que naquela época era cocheiro de carros [de tração animal] em Pelotas.
         As instruções sobre a prática de direção e trato dos motores teriam sido ministradas ao Sr. Manoel pelo Dr. Balbino Mascarenhas, que aprendera na Europa, e por um fabricante de pianos, residente em Pelotas naquele tempo, de nome Floriano Essenfeld.
         Este, ainda segundo o Sr. Etchegaray, passou logo a seguir a dirigir um automóvel marca Reo, que depois veio a ser importado pela agência Ribas, empresa existente em Pelotas.
         Ao concluir suas informações, disse o Sr. Manoel Etchegaray Filho, que além do Sr. Anaurelino Pereira Duarte, o decano dos motoristas locais, guiaram os primeiros autos em Pelotas um mecânico de embarcações marítimas apelidado “Cavação”, o Sr. Humberto Gotuzzo e o fabricante de pianos, Floriano Essenfeld.


Anaurelino, o decano dos cinesiforos pelotenses

         Anaurelino Pereira Duarte guiou, no ano de 1909, o primeiro carro em Pelotas, na condição de chofer profissional.
         O motorista, nascido em 1886, com a idade de 23 anos, dirigiu pelas ruas da cidade um auto da marca Ford, dos primeiros modelos desta fábrica aparecidos no Brasil. Com a matrícula número um (1) de motorista, dirigia ele o carro Ford, cujo proprietário, e patrão, era o Dr. J. C. Laquintinie.
         Anaurelino, conhecido nas rodas de seus companheiros de profissão como o “Velho Lino”, ao final da década de 40, ainda continuava trabalhando na profissão, mas não mais como chofer de carro particular.  

         Como na época não havia carros de praça [táxis], permaneceu ele, como motorista particular, vários anos a serviço do mesmo proprietário. Posteriormente, logo que além dos seis primeiros autos existentes em Pelotas começaram a ser importados veículos, para serem utilizados em serviço de carros de praça, passou ele a trabalhar como chofer [taxista].
         Durante a entrevista que concedeu, disse  o decano dos motoristas não se recordar com muita precisão de alguns detalhes de sua vida de chofer, mas sua esposa, que era doceira, e também ainda exercendo sua profissão, lembrava-se perfeitamente de quando o marido começara a trabalhar como motorista, guiando pelas ruas da cidade o “barulhento Ford número 1, pintado de azul escuro”.
         Naquele tempo, disse o motorista, entrar num auto para “tomar-lhe a direção” não deixava de ser qualquer coisa de emocionante, e o ritual da época exigia que o chofer se paramentasse de botas, guarda-pó, boné e óculos protetores.
         As estradas eram simples e primitivas, caminhos cheios de obstáculos, tanto que uma viagem até o Retiro demandava meio dia para ser feita.
         A ida de Pelotas a São Lourenço, por exemplo, era uma verdadeira temeridade, dada a precariedade da estrada existente, e um auto que partisse de Pelotas as 5 horas, somente atingiria São Lourenço “noite alta”, disse o motorista.
         Trabalhando como chofer de praça, Anaurelino não conseguira fazer  sua independência econômica; abandonando a funçao voltou a ser empregado, então da firma Campos Assunção, onde dirigia um caminhão de cargas.
         Certa feita, contou o Sr. Anaurelino ao jornalista, estava em uma viagem com o Ford azul para a Granja São João, próxima a Camaquã, quando foi surpreendido com a quebra da caixa de esferas do carro. Como naquele tempo não havia “como agora, peças sobressalentes”, teve ele mesmo “de matutar sobre a maneira de sair da enrascada”, e tentar por novamente seu veículo em marcha.
         Depois de refletir algum tempo, avistou ele à margem da estrada um chifre de boi, e observando sua conformação concluiu que estava ali sua solução. Não teve dúvidas, tomou o chifre “e valendo-me de uma serra que por precaução eu levava no carro, aparei-lhe uma ponta metendo-a no lugar das esferas da caixa quebrada, à guisa de ponta de eixo.”
         Não havia arranque, e deu ele à manivela. O carro roncou forte, mas não saiu do lugar. Pensou ele um pouco, dando-se conta que era preciso lubrificar “a nova peça”. Desceu do carro, lubrificou a ponta de eixo improvisada, e pronto: “o carro pegou”.
         Veio para Pelotas, tendo rodado cerca de dois dias com a ponta de chifre, servindo de ponta de eixo.
         Orgulhava-se o decano dos motoristas pelotenses de, durante todos os anos que dirigia, jamais “ter recebido uma infração da fiscalização de veículos”, pois sempre, concluía ele, fora comedido e consciente na profissão, dirigindo o seu veículo com segurança e cautela.
        
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem e tratamento de imagens: Bruna Detoni
   
 

4 comentários:

  1. Boa noite poderia me passar maiores informações sobre este senhor Anaurelino pois pela foto e sobrenome creio se tratar de um irmão de meu bisavô paterno Arnaldo Pereira Duarte.....deixo meu email para contato plduartejr@gmail.com

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    1. O dono do carro que o Dr Aurelino dirigia foi meu Bisavô b pai da minha avó Cora Laquitinie Ubatuba de Faria

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    2. Dr J C Laquitinie e Aurelino era o motorista

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  2. Cara, sensacional essa história! Parabéns Adão Monquelat pelo excelente blog! Sou pesquisador e historiador do transporte coletivo e possuo um blog também, onde periodicamente publico alguma matéria contando um pouco sobre as empresas da nossa região. Muito bacana a história do Sr. Anaurelino!

    Link do meu blog: https://clubdoonibusgaucho.blogspot.com.br/

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