quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Por que do apelido Xavante?


(parte 2 e final)



                                                                                    A.F. Monquelat

 
Os primeiros indícios do apelido “xavante”, e a origem deste

         Em matéria veiculada pelo jornal A Opinião Pública, de 27 de outubro de 1950, é provável que tenha sido, onde, por primeira vez tenha surgido a palavra xavante, na imprensa, relacionando-a ao torcedor rubro-negro.

         O conteúdo daquela reportagem versava sobre o último encontro que ocorreria pelo campeonato pelotense de futebol, entre as equipes do G. E. Brasil e a do E. C. Pelotas – “os tradicionais adversários de todos os tempos” - que se realizaria no gramado da “Baixada”.
         Embora a partida não tivesse caráter decisivo, tendo em vista que o time rubro-negro jogaria o Bra-Pel já ostentando as faixas de tri-campeão, como sempre acontecia, este encontro polarizava o mundo esportivo da cidade.
         Os dois times, segundo o colunista esportivo, desfrutavam excelente forma e estavam em condições de proporcionar ao público uma jornada das mais interessantes e emocionantes.


         O mais interessante, porém, é a foto que ilustra a matéria: vê-se em primeira plana, na arquibancada do estádio, uma torcedora do clube rubro-negro, vestindo a camisa de seu time, tendo um cocar sobre a cabeça.
         Na legenda da referida foto, lê-se que: “O torcedor do Brasil é o mais alegre e entusiasmado. Pelo seu clube ele é capaz de tudo. Brinca como ninguém, vaia sem propriedade e grita de doer os pulmões”.
         A frase final, que fazemos questão de ressaltar em negrito, acreditamos ser o registro de nascimento do uso da palavra xavante associada ao torcedor do Grêmio Esportivo Brasil: “E QUANDO É PRECISO, VESTE-SE DE XAVANTE LEGÍTIMO”.

A passeata da festa xavante pelas ruas da cidade, e o registro desta
        Dia 30 de outubro, ainda de 1950, o jornal A Opinião Pública, jornal responsável e, certamente, a quem se deve o apelido de xavante ao torcedor rubro-negro, estampava em suas páginas um flagrante da passeata do Grêmio Esportivo       Brasil, ocorrida na noite de 29, com a chamada de “Comemoração dos xavantes. A passeata de ontem à noite”.

         Neste registro, feito por A Opinião Pública, lê-se também que durante o trajeto percorrido pelo magnífico carro alegórico alusivo ao grande feito [conquista do tricampeonato citadino] e com interessante homenagem aos outros clubes de Pelotas, a massa popular vivava seu quadro, exaltando àqueles que objetivaram a extraordinária vitória.


A primeira charge em que aparece a figura do índio representando o Grêmio Esportivo Brasil, e o autor desta
Quinta-feira, 8 de maio de 1952, é a data que acreditamos tenha surgido a primeira charge em que o rubro-negro é representado por um indígena.
         Esta charge, de autoria do Aldyr Garcia Schlee, traz além da assinatura, que é a letra A circundando o nome Schlee , o ano: 52.

         No desenho, ou charge, lê-se que “Amabilidade não faz mal a ninguém”; trata-se de uma ironia do autor, pois de um lado está a figura de um aristocrata, vestindo traje de gala, cartola e com um charuto na boca, apertando a mão direita do seu adversário, enquanto que na mão esquerda, nas costas, está um tacape, uma banana de dinamite acesa e uma arma no bolso do paletó. Esta é a forma que o chargista representou o  time áureo-cerúleo.
         Já o clube rubro-negro, está representado por um avantajado indígena, de tanga, olhar desconfiado, também com a mão esquerda voltada às costas, tendo nesta mão uma quantidade de flechas, arco e uma machadinha.
         Abaixo dessas figuras, há a seguinte legenda: “Alô! Que feliz encontro!”.
         A matéria indagava sobre quem seria o vencedor do clássico Bra-Pel, que ocorreria naquele domingo, 11 de maio de 1952, se os “xavantes”, para seus torcedores fazerem aqueles carnavais, que costumavam fazer, deixando muita gente “boa de cabeça inchada”.  Ou os áureo-cerúleos seriam os vencedores daquela magna jornada?
         O resultado daquele clássico foi publicado no A Opinião Pública, de segunda-feira, dia 12, tendo em destaque o “Categórico triunfo rubro-negro por 3 x 0”.

         Seara e Mortozinha, haviam marcado os golos do primeiro tempo, e Joãozinho consolidara a “vitória xavante” (sic) marcando aos 5 minutos do segundo tempo, o terceiro golo.
         Ilustrando aquela notícia, vê-se novamente em ação o chargista Aldyr Schlee, que através de um desenho mostra ao leitor o tempo de marcação de cada golo, o autor e a movimentação do goleiro adversário tentando defender seu posto.
         Em resumo: é ao jornal A Opinião Pública  a quem devemos a origem do apelido desde a publicação da foto com a torcedora rubro-negra, 27 de outubro de 1950, consolidando-se tal, ainda pelo mesmo jornal, a partir do ano de 1954, onde as chamadas se referiam aos “xavantes” e não mais rubro-negros ou Grêmio Esportivo Brasil, não havendo distinções entre o clube, o time ou torcedores. E, bem assim, podemos atribuir a Aldyr Schlee a criação do índio xavante como representação do time rubro-negro.

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 Fontes de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV e acervo particular de Douglas Almeida.Postagem e tratamento de imagem: Bruna Detoni.Revisão do texto: Jonas Tenfen      

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Por que do apelido Xavante?


                                                                                     A.F.Monquelat


         Uma das versões que se inscreve há tempos para ser a versão oficial da origem da expressão Xavante, para denominar o torcedor do Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas, é a de que um dirigente do Esporte Clube Pelotas, no Bra-Pel de nº 102, realizado no reduto dos áureo-cerúleos aos 28 de julho de 1946, depois de um incidente provocado pela torcida dos rubro-negros, teria a eles se referido como se fossem “uns bárbaros”. Acrescentam ainda que, por coincidência, naquela época um dos cinemas da cidade exibia o filme intitulado Invasão dos Xavantes e que, por analogia com os protagonistas, os torcedores do time rival passaram a chamar os torcedores rubro-negros desta forma.     
  


         Próximo àquele clássico Bra-Pel, embora sete anos antes, sob o título de No Reinado dos Xavantes, também denominado de Bandeira Piratininga, fora exibido na sala Alhambra, em São Paulo, aos 10 dias do mês de fevereiro de 1939, este documentário, sob a direção de Wili Aurelli, produção da Americam Films, fotografia de José Carrari, sonografia de Aurélio Aurelli e montagem de Achille Tartari; segundo nos consta, tal documentário não foi exibido em outras salas de cinema do território nacional.
         Posteriormente a produção e exibição daquele documentário, o que houve foi uma matéria veiculada no Diário Popular, desta cidade, em 12 de setembro de 1946, com o seguinte título: “Impressionantes episódios do encontro com os chavantes [sic]”, onde se pode ler que continuavam despertando curiosidade as revelações que estavam sendo feitas pelo funcionário do Serviço de Proteção aos Índios, Sr. Francisco Soares Furtado de Meireles, que chefiara a turma “que teve o primeiro contato com os índios chavantes [sic]” [destaque nosso].

         Considerando as datas, tanto a do documentário (10-02-1939) quanto a da matéria veiculada na imprensa local, via Diário Popular de 12 de setembro de 1946, resta-nos pouca ou quase probabilidade alguma de associarmos o apelido de “xavante” dado ao torcedor rubro-negro, a partir de episódio ocorrido na tarde de 28 de julho de 1946, tarde em que o time do Grêmio Esportivo Brasil venceu ao Esporte Clube Pelotas pelo placar de 5 x 3.
         Diante disto podemos deduzir que a origem do apelido “xavante” não está naquele Bra-Pel, ocorrido na tarde de 28 de julho de 1946; mas, antes de nos debruçarmos em busca da provável motivo desse, vamos repassar alguns aspectos do ocorrido naquele encontro entre os dois times naquela tarde de domingo, reproduzindo alguns detalhes daquele jogo, segundo palavras de um cronista esportivo, que ao famoso Bra-Pel dos 5 x 3 assistiu:
         “Inicia-se o segundo período de jogo, com os ânimos altamente exaltados por força da atuação vacilante do árbitro.
         
           “Aos seis minutos, os protestos da torcida atingem um grau de excitação tal, que

se tornou franco o desentendimento entre juiz e jogadores, tendo aquele adotado a resolução que a todos afigurou absurda, de expulsar do campo, o capitão [Chico Fuleiro] do esquadrão de Teté [técnico do Grêmio Esportivo Brasil].



         “Justamente alarmado em face da perspectiva de passar a atuar desfalcado de um dos seus mais valiosos elementos, o onze rubro-negro procura inutilmente se rearticular. Finalmente, atendendo ao que parece, a determinação de um dos seus dirigentes, e mais do que isso, ao incentivo da torcida decepcionada pela aparente supremacia, até ali demonstrada pelo adversário, tomaram a resolução de abandonar o gramado.
         “Entrementes, o técnico Teté, prevendo em tempo, as consequências desastrosas de semelhante deliberação reconduz seus pupilos ao teatro da luta, exortando-os a prosseguirem nela até o fim. A assistência prorrompe então, em aplausos calorosos a atitude sensata do técnico rubro-negro e a partida se reinicia depois de uma interrupção de alguns minutos”.
         E assim se deu a caminhada, de uma virada histórica, em uma partida que parecia que iria terminar, com a vitória dos áureo-cerúleos, pelo escore de 3 x 1.

Palavras do cronista esportivo de A Opinião Publica sobre o final da partida

         “Clube eminentemente popular, conta o rubro-negro com um núcleo de torcedores verdadeiramente enorme, e foi essa massa vibrando de justo entusiasmo que ao terminar o memorável prélio, invadiu o gramado com o objetivo sadiamente esportivo de expressar aos seus craques a sua gratidão pelo espetáculo sem par com que haviam brindado a assistência” [público] (destaque nosso).  

         E assim concluiu o jornalista: “Carregados em triunfo pela massa de simpatizantes sequiosos de dar expansão ao seu contentamento, o esquadrão de Tefé, recebeu naquele instante como merecido premio a sua atuação sem precedentes, a mais empolgante manifestação que uma torcida pode fazer aos componentes do seu quadro. Enchendo por completo o gramado que fora teatro da peleja, os manifestantes extravasaram assim, a sua alegria tão contagiante, que se apossou e emocionou profundamente a todos quanto a presenciaram, mesmo aqueles que nutriam simpatia pelo outro bando, tal era a sinceridade e a patente espontaneidade da sua exteriorização [destaque nosso].
         “Fundamente sincera, essa manifestação assumiu aspectos de autêntica apoteose”.
         E agora nos cabe perguntar: foram estes os bárbaros? O espetáculo descrito pelo cronista esportivo revela em algum momento atitudes ou comportamento de bárbaros? Não. Se algo de revelador há nessa versão, que não se sustenta é, acima de tudo, o preconceito contra a cultura de um povo indígena...

A provável origem do glorioso apelido

         Meu interesse em buscar a origem desse apelido, xavante, nasceu de um conversa com dois amigos, também rubro-negros, na qual prometi a eles averiguar se as versões que eles conheciam se aproximavam ou tinham algo realmente comprovável.
         A partir de então, resolvi verificar nas notícias, quase diárias na imprensa de Pelotas, se encontrava algo verossímil. Percorrendo jornais existentes na hemeroteca de nossa Bibliotheca Pública, vasculhei duas décadas dos jornais existentes no período de meados dos anos 40 até o final dos anos 50.
                                                                 
                                                                                              Continua...



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 Fontes de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV e acervo particular de Douglas Almeida

Revisão do texto e tratamento de imagem: Jonas Tenfen      

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Automóveis e motoristas na Pelotas do século XX



         Não sou adepto de pesquisas ou apologias que contemplem pioneirismos disso, daquilo ou daquele outro, por entender sejam essas coisas de somenos importância ou relevância. No entanto, há situações ou assuntos que nos forçam a evocar alguns destes fatos, onde acabamos tendo de destacar algum primeirismo ou pioneirismo.
         Feita a ressalva, tratemos então dos primeiros automóveis que a cidade de Pelotas viu correr por suas ruas.
         É provável, segundo informações prestadas sobre tal fato pelo Sr. Manoel Etchegaray Filho, que o primeiro auto a aparecer nesta cidade tenha sido o trazido pelo Dr. Pedro Osório, no ano de 1900, quando de sua viagem pela Europa. Sendo que esse veículo, ainda de acordo com o Sr. Etchegaray, era de fabricação francesa e de porte muito pequeno.
         Quanto ao segundo veículo motorizado a circular pelas ruas de Pelotas, disse o Sr. Manoel ter sido o importado por seu pai, no ano de 1908.
         Segundo ele, por aquela época, realizava-se no Rio de Janeiro uma exposição internacional, a qual seu pai participou com um carro de tração animal, fabricado em oficinas que este possuía nesta cidade; a este veículo foi conferida medalha de ouro. O Sr. Etchegaray (pai) se impressionou ao ver exposto, naquele evento, um auto marca Unic; importou ele um chassis daquela marca com o respectivo motor, construindo então, aqui em suas oficinas, a carroceria.       


Primeiro automóvel Ford.


        Foi naquele veículo, importado por seu pai, que o Sr. Manoel Etchegaray Filho aprendeu a dirigir, tendo posteriormente ensinado a Anaurelino Pereira, que naquela época era cocheiro de carros [de tração animal] em Pelotas.
         As instruções sobre a prática de direção e trato dos motores teriam sido ministradas ao Sr. Manoel pelo Dr. Balbino Mascarenhas, que aprendera na Europa, e por um fabricante de pianos, residente em Pelotas naquele tempo, de nome Floriano Essenfeld.
         Este, ainda segundo o Sr. Etchegaray, passou logo a seguir a dirigir um automóvel marca Reo, que depois veio a ser importado pela agência Ribas, empresa existente em Pelotas.
         Ao concluir suas informações, disse o Sr. Manoel Etchegaray Filho, que além do Sr. Anaurelino Pereira Duarte, o decano dos motoristas locais, guiaram os primeiros autos em Pelotas um mecânico de embarcações marítimas apelidado “Cavação”, o Sr. Humberto Gotuzzo e o fabricante de pianos, Floriano Essenfeld.


Anaurelino, o decano dos cinesiforos pelotenses

         Anaurelino Pereira Duarte guiou, no ano de 1909, o primeiro carro em Pelotas, na condição de chofer profissional.
         O motorista, nascido em 1886, com a idade de 23 anos, dirigiu pelas ruas da cidade um auto da marca Ford, dos primeiros modelos desta fábrica aparecidos no Brasil. Com a matrícula número um (1) de motorista, dirigia ele o carro Ford, cujo proprietário, e patrão, era o Dr. J. C. Laquintinie.
         Anaurelino, conhecido nas rodas de seus companheiros de profissão como o “Velho Lino”, ao final da década de 40, ainda continuava trabalhando na profissão, mas não mais como chofer de carro particular.  

         Como na época não havia carros de praça [táxis], permaneceu ele, como motorista particular, vários anos a serviço do mesmo proprietário. Posteriormente, logo que além dos seis primeiros autos existentes em Pelotas começaram a ser importados veículos, para serem utilizados em serviço de carros de praça, passou ele a trabalhar como chofer [taxista].
         Durante a entrevista que concedeu, disse  o decano dos motoristas não se recordar com muita precisão de alguns detalhes de sua vida de chofer, mas sua esposa, que era doceira, e também ainda exercendo sua profissão, lembrava-se perfeitamente de quando o marido começara a trabalhar como motorista, guiando pelas ruas da cidade o “barulhento Ford número 1, pintado de azul escuro”.
         Naquele tempo, disse o motorista, entrar num auto para “tomar-lhe a direção” não deixava de ser qualquer coisa de emocionante, e o ritual da época exigia que o chofer se paramentasse de botas, guarda-pó, boné e óculos protetores.
         As estradas eram simples e primitivas, caminhos cheios de obstáculos, tanto que uma viagem até o Retiro demandava meio dia para ser feita.
         A ida de Pelotas a São Lourenço, por exemplo, era uma verdadeira temeridade, dada a precariedade da estrada existente, e um auto que partisse de Pelotas as 5 horas, somente atingiria São Lourenço “noite alta”, disse o motorista.
         Trabalhando como chofer de praça, Anaurelino não conseguira fazer  sua independência econômica; abandonando a funçao voltou a ser empregado, então da firma Campos Assunção, onde dirigia um caminhão de cargas.
         Certa feita, contou o Sr. Anaurelino ao jornalista, estava em uma viagem com o Ford azul para a Granja São João, próxima a Camaquã, quando foi surpreendido com a quebra da caixa de esferas do carro. Como naquele tempo não havia “como agora, peças sobressalentes”, teve ele mesmo “de matutar sobre a maneira de sair da enrascada”, e tentar por novamente seu veículo em marcha.
         Depois de refletir algum tempo, avistou ele à margem da estrada um chifre de boi, e observando sua conformação concluiu que estava ali sua solução. Não teve dúvidas, tomou o chifre “e valendo-me de uma serra que por precaução eu levava no carro, aparei-lhe uma ponta metendo-a no lugar das esferas da caixa quebrada, à guisa de ponta de eixo.”
         Não havia arranque, e deu ele à manivela. O carro roncou forte, mas não saiu do lugar. Pensou ele um pouco, dando-se conta que era preciso lubrificar “a nova peça”. Desceu do carro, lubrificou a ponta de eixo improvisada, e pronto: “o carro pegou”.
         Veio para Pelotas, tendo rodado cerca de dois dias com a ponta de chifre, servindo de ponta de eixo.
         Orgulhava-se o decano dos motoristas pelotenses de, durante todos os anos que dirigia, jamais “ter recebido uma infração da fiscalização de veículos”, pois sempre, concluía ele, fora comedido e consciente na profissão, dirigindo o seu veículo com segurança e cautela.
        
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem e tratamento de imagens: Bruna Detoni
   
 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016


O  pecado (parte 9)*

pelotasdeontem.blogspot.com.br

                                                                                                         

            A.F. Monquelat

 

Polícia de heróis

Disse o redator do Diário de Pelotas de 16 de março de 1886 que a polícia da cidade era uma polícia de heróis.

Não havia dia em que a imprensa, aquela moralizada e honesta        , não registrasse um fato que pusesse em relevo a energia e grande devotamento consagrado à causa pública pelas autoridades ordeiras e sensatas da situação.

Ainda no domingo, dia 13, praticaram elas mais uma das suas heroicas façanhas.

Eis o caso, como foi relatado ao jornalista, sem acréscimo algum.

Por volta das 17 horas daquele domingo, foi à redação do Diário de Pelotas, com o braço todo cortado e vertendo grande quantidade de sangue, o Sr. Marcelino de Souza, e contou ao jornalista que, estando ele conversando com uma dessas Dulcineias do demi-monde, à janela, chegou-se a ele o soldado Elpídio, que começou a injuriar-lhe, querendo proibir a tal conversação.

Alfredo, porém, não fez caso das ameaças do tal soldado e continuou a conversação, sendo novamente insultado, pois dizia Elpídio, que aquela mulher era sua amásia e, portanto, usando de seus direitos, não tolerava que conversasse com semelhante indivíduo.

Então, o soldado, vendo o pouco caso que Alfredo dava às suas ordens, puxou enfurecido do chanfalho e, sem mais nem menos, começou a desferir pranchadas no indefeso Alfredo deixando-lhe o braço em frangalhos.

Nesse ínterim, Bernardino Lemos Xavier, que estava numa taverna próxima, foi em socorro do seu amigo, outra vítima do furor bélico do soldado, saindo também esse com alguns talhos na cabeça.

Saindo dali, Alfredo foi à casa do Sr. delegado major Macedo queixar-se da arbitrariedade cometida por um representante da ordem.

O Sr. major Macedo, porém, a nada atendeu, e disse textualmente; “que era pouco, deviam ter-lhe quebrado a cabeça”.

À vista disto, Alfredo retirou-se pacificamente e foi pedir ao jornalista que publicasse aquele ato de bravura das autoridades, que ele jornalista, evitava comentar.
 

Ferimento grave em casa de meretriz

Foi recolhido à cadeia civil José Maria Ribeiro, acusado como autor de ferimentos graves feitos no bolieiro Alfredo Camilo Moreira.

Sabedor de diversas versões quanto ao ocorrido, o jornalista optou por duas: a primeira era a de que o agressor agira em legítima defesa; a outra dizia que Camilo fora provocado por José Maria.

O fato dera-se em casa da meretriz Filomena, mulher de Camilo, moradora à Rua l6 de Julho [Dr. Cassiano], onde Camilo, apesar de separado dela, ia frequentemente.

José Maria achava-se armado de uma faca, com a qual fez os ferimentos em Camilo, enquanto este portava um arreador [espécie de chicote comprido para tocar os animais].

Os ferimentos foram considerados graves, pois um deles atingira o pulmão direito e outro um dos braços.

No dia 20 de abril, começaria o inquérito policial, assistido pelo Dr. Francisco de Paulo Azevedo e Souza como advogado, e Serafim Antônio Alves como procurador do acusado.


Boletim policial

Lê-se no “Boletim Policial”, publicado pelo Diário de Pelotas em 1º de maio de 1886, que haviam chegado a alguns dias de Taquarembó (Uruguai) e alojado-se, no Hotel São Pedro, “três filhas de Jerusalém” [acreditamos que o jornalista tenha usado num sentido figurado, como sinônimo de prostitutas].

Uma italiana de avançada idade, e as duas outras, ainda moças, de boa aparência.

A polícia, porém, percebendo tratar-se de uma cafetina, dia 30 de abril, à noite, através do Sr. subdelegado de polícia, dirigiu-se ao referido hotel e intimou-as a mudarem de terra.

Ficou, entretanto, uma delas depositada em casa do Sr. Manuel Joaquim Dias Coelho, a qual disse chamar-se Maria Mendá, sendo natural de Taquarembó, de onde viera, a pouco de mês e meio como servente da cafetina, recebendo 3 pesos por mês.

Era a menina, presumia o jornalista, uma inocente prestes a ser arrastada ao abismo da prostituição.

Resultado: as três “filhas de Jerusalém” embarcaram no trem e seguiram viagem em direção à Bagé.

E assim, a autoridade policial, “desafrontou a sociedade”.

A autoridade de Bagé foi comunicada, para que, por sua vez repelisse de lá tais “agentes da corrupção e imoralidade”.
 

Os “maléficos” bailes públicos

Apenas começados os bailes públicos, o Diário de Pelotas já chamava a atenção para os resultados maléficos que estavam acontecendo no salão da Rua São Miguel [15 de Novembro].

No domingo último, por motivos que a decência mandava calar, disse o jornalista ter acontecido naquele salão uma grande discórdia onde foram desembainhados facões, adagas e outras armas proibidas, cujo resultado foi o de saírem ferido um filho do Sr. Francisco José Dias e o filho de Manoel Soveral.

Se a polícia, em vez de andar tratando de aberturas de casas de jogo, para de elas tirarem proveito nas lutas eleitorais, pro a criar amor ao vício e ao ócio, prestaria um grande serviço à humanidade que tinha, com aqueles bailes públicos, perturbados seu sossego e a sua tranquilidade.
 

Entretenimento de vagabundos

À porta da casa da meretriz Paulina de tal, à Rua Marquês de Caxias [atual Santos Dumont], foram presos cinco vagabundos que se entretinham agredindo e espancando a quem por ali passasse.

Na cadeia, foram acalmar o furor.
 

Por causa dos cabelos da china

Às 21 horas do dia cinco de dezembro de 1886, na casa de negócio do Sr. Anacleto Ferreira, do outro lado do arroio Santa Bárbara, deu-se uma desordem.

Achava-se ali a china Angelina, amante do negro Serafim Durão, a qual foi por este inesperadamente agarrada pelos cabelos e jogada ao chão.

Tão brutal procedimento chamou a atenção e intervenção de outras pessoas ali presentes; porém, Francisco de tal, filho de Evaristo, tomou a defesa de Serafim e, de facão em punho, fez dois ferimentos no braço esquerdo de Manoel Fernandes Louro, caixeiro de Anacleto.

Compareceu ao local o subdelegado de polícia Moncorvo Júnior que, coadjuvado pela polícia particular, conseguiu apenas prender o negro Serafim.

O ferido recebeu os primeiros socorros do Sr. João da Silva Silveira, proprietário da Farmácia Popular.

O Sr. Dr. Rasgado também compareceu ao local e, examinando os ferimentos, a um deles julgou bastante grave.
 

Uma cafetina na área

Chegou ao conhecimento do Diário de Pelotas, dia 13 de janeiro de 1887, que à Rua General Osório, uma mulher que se empregava em seduzir meninas de menor idade, com o criminoso fim de tirar delas proveito em seu benefício.

Em sua companhia, denunciava o jornal, estava uma dessas infelizes que pela sua pouca experiência, caíra em poder daquela cafetina.

Às autoridades, o Diário de Pelotas recomendava o fato.

 


                   Continua...

 

 

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Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado

Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV

Postagem: Bruna Detoni

Seleção de imagem: Janaína Vergas Rangel

Revisão do texto: Jonas Tenfen      

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Simões Lopes Neto no cinema, e em outras homenagens?


                                                                                     A.F.Monquelat





         Em 27 de novembro de 1949, a imprensa de Pelotas divulgava que seria vertido para a tela “o famoso conto Manantial”; isso porque a viúva do “extraordinário” regionalista, João Simões Lopes Neto recebera a visita do diretor de cinema Alberto Ruschel, o qual depois de ler o Contos Gauchescos, tomou o avião e veio parar aqui, em Pelotas.
         Em rápidas palavras, disse o diretor de cinema que viera à cidade conhecer a viúva de Simões Lopes Neto, “Vamos filmar Manantial, extraordinário conto do maior regionalista rio-grandense”.
         Alberto Ruschel, naquela ocasião, era um dos diretores da Horizonte Produções Cinematográficas Limitada, empresa que, nos primeiros meses do ano seguinte ao daquela visita, estaria realizando este projeto, com material importado da Inglaterra, diretamente dos famosos estúdios de J. Arthur Rank, “o magnata do celuloide britânico”.
         Ruschel contou seus planos, mostrou ao jornalista a adaptação do conto, que na tela teria o nome de A Rosa e o Pântano e fez, ainda, uma série de revelações que o jornalista prometeu divulgar “brevemente”.
         Durante a visita, Alberto Ruschel colheu “preciosos elementos” para o filme, que deveria rodar depois de março, deixando em Pelotas, segundo o jornalista que o entrevistara, interessantes dados que seriam divulgados em reportagens a serem publicadas “por estes dias”.
         Dias depois da visita do diretor de cinema, pela manhã Alberto Ruschel, esteve novamente, segundo a reportagem, com a viúva do “grande escritor”. Foi uma palestra que durou mais de duas horas, toda com recordações, com “Dona Velha”, lembrando o passado do companheiro, mostrando manuscritos, narrando fatos. O “magnífico artigo” de Mozart Victor Russomano esteve em pauta, principalmente o trecho em que o articulista afirmava que Simões Lopes Neto nunca fora tão falado “como nos últimos tempos”.
         Considerando o fato da visita do cineasta ter ocorrido em novembro de 1949, é provável que o conto escolhido, Manantial, tenha sido selecionado por Ruschel após a leitura da edição crítica dos Contos Gauchescos e Lendas do Sul, publicada naquele mesmo ano, 1949, pela Editora Globo.
         Tenha ou não tal escolha ocorrido em consequência da leitura daquela reedição dos Contos Gauchescos e Lendas do Sul, é preciso levar em consideração que o nome e a memória de João Simões Lopes Neto, tanto antes, bem como depois de sua morte, nunca deixou de ser reverenciada, tanto em sua terra natal, Pelotas, como em outras cidades do Rio Grande do Sul, para tanto basta folharmos os jornais de então para constatarmos tal fato.
         Pegamos, aleatoriamente, um dos inúmeros jornais de Pelotas, que provariam a afirmação que ora fazemos, o Folha do Povo, edição de 13 de junho de 1939, onde podemos ler o seguinte: “Na data de amanhã, em 1916, nesta cidade, falecia o ilustre pelotense cujo nome, caro a todos nós, encima estas linhas.
         João Simões Lopes Neto, de tradicional família desta terra [Pelotas], foi um escritor que muito fez, com talento e dedicação, pela grandeza e pela glória da terra do seu berço.
         Espírito culto, grandemente investigador, jornalista de mérito, patriota ardente, ele criou entre nós a Semana Centenária, instituição de alto civismo, para que as gerações novas pudessem ir cultuando, através as etapas dos anos, as tradições do seu ninho e da sua gente.
         Redigiu, com carinho, a Revista do 1º Centenário, publicação farta das mais preciosas achegas, históricas e sociais, para a festa secular da sua amada terra.
         Escreveu Lendas do Sul e Contos Gauchescos, duas Bíblias imortais do Pampa, que fazem de João Simões Lopes Neto o maior regionalista, sem emulo, do nosso pago.
         A evocação do seu nome, passantes vinte e três anos sobre sua morte, é um imperativo da nossa admiração e da nossa saudade.
         Que ele cante entre nós, pela garganta de Blau, como o rapsodo eterno do seu estilo imortal – a plena aleluia olímpica e sagrada, da nossa literatura, da nossa tradição e da nossa saudade”.
         Dois outros fatos vêm ao nosso encontro, com o propósito de reforçar o prestígio do qual gozava João Simões Lopes Neto, não somente em sua terra natal, mas em todo o Rio Grande do Sul. O primeiro deles, fomos encontrar no jornal A Opinião Pública de 24 de junho de 1939, sob o título de “Ereção de herma Simões Lopes Neto”, que a família do saudoso pelotense Simões Lopes Neto recebera, naquele dia, o seguinte telegrama: “Exma. Família Simões Lopes Neto. Pelotas. Tenho honra levar conhecimento vossencias proposta Dr. Faria Corrêa, Academia de Letras do Rio Grande do Sul deliberou ereção em Pelotas herma inesquecível Simões Lopes Neto tanto honrou terra natal. João C. de Freitas – Presidente”.
         Em resposta ao telegrama recebido, foi expedido o seguinte despacho: “Exmo. Sr. João C. de Freitas – Presidente Academia Letras Rio Grande – Porto Alegre. Família saudoso João Simões Lopes Neto representada pessoas viúva e irmãs acusa recebimento honrosa comunicação ereção Pelotas herma memória pranteado extinto, sob patrocínio dessa emérita Academia virtude proposta Dr. Faria Corrêa, sensibilizada profundamente externa sentimentos gratidão imorredoura, nobre gesto. Saudações respeitosas – Francisca Meirelles Simões Lopes, Silvana Lopes Mendes, Maria Izabel Lopes Barcelos”.   
         O segundo fato pode ser visto através das páginas do Diário Popular de 1943 com a chamada de: “Monumento a João Simões Lopes Neto”, onde é dito que, há muito tempo, cogitava-se em Pelotas render uma homenagem à memória de um dos mais destacados vultos da literatura gaúcha, que muito colaborara para o progresso de Pelotas através de sua dedicação e valor.
         Tratava-se do pelotense João Simões Lopes Neto a quem os seus conterrâneos cumprindo os seus deveres de gratidão pela maneira digna com que elevara o nome de sua terra natal, há vários anos, tencionavam erguer um monumento, perpetuando o “seu nome ilustre”.     



   
     
“Por ser conhecido em todo o Brasil” [destaque nosso] como homem de cultura e talento literário, a homenagem que lhe seria prestada, “talvez dentro de poucos dias”, não seria somente uma demonstração sincera do reconhecimento do povo de Pelotas, mas também uma distinção que traduziria o pensamento de todos os brasileiros que o conheceram “por intermédio de suas obras”.
         Prosseguindo, dizia a matéria que naquele sentido, o Diretório Regional da Liga de Defesa Nacional sediado em Porto Alegre, dirigira ao núcleo de Pelotas um fonograma redigido nos termos seguintes: “Tomando conhecimento do fonograma recebido, a diretoria da Liga de Defesa Nacional, núcleo de Pelotas, tomou as devidas providências para que seja concretizada essa velha e justa aspiração”.
         Ao que parece, e considerando a não existência, pelo menos até os dias de hoje, da herma ou de outro qualquer monumento em memória de João Simões Lopes Neto, nos resta voltarmos ao filme cujo nome, segundo Ruschel, seria A Rosa e o Pântano. Desta forma, encontramos em uma revista de distribuição nacional, A Cena Muda, nº 2, de 10 de janeiro de 1950, pg. 10, a seguinte informação: “Alberto Ruschel adaptou para o cinema, o conto de Simões Lopes Neto, o Manantial, numa versão cem por cento cinematográfica, dentro de um clima de intensidade dramática que virá a converter o argumento numa produção de primeira ordem. O “script” leva o nome de “A Rosa e o Pântano.”
         Acreditamos que o projeto não tenha passado do roteiro para a tela, pois tampouco encontramos outra referência que não a da revista A Cena Muda.




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 Fontes de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV e Biblioteca Nacional- RJ
Imagens: Biblioteca Nacional- Rio de Janeiro, e Arquivo digital do autor
Postagem e tratamento de imagem: Bruna Detoni

Revisão do texto: Jonas Tenfen