sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A Pensão Biarritz


         A.F.Monquelat




Uma mulher é quase degolada na Pensão Biarritz

         A Pensão Biarritz, situada à Praça 7 de Julho [Andrade Neves quase em frente às antigas Bancas do Peixe], foi, dia 17 de dezembro de 1935, à noite, teatro de violenta cena de sangue, que poderia ter causado a morte de uma mulher, a qual, entretanto, recebeu extenso ferimento produzido por navalha.
         Um breve romance de amor, interrompido bruscamente pela ausência da “nota” [dinheiro], foi a causa da cena que a imprensa de Pelotas narrou naquela data, baseada nas declarações da vítima prestadas, no mesmo dia, na Delegacia de Polícia.
         Silvina Garcia, de 19 anos de idade, branca, casada e residente na Pensão Biarritz, há cerca de três meses, tropeçou em seu caminho, com Santiago Pinheiro, de 22 anos de idade, branco, solteiro e de profissão chofer.
         Do acidente, resultou ambos, após a tradicional troca de olhares, seguida de melosas declarações de amor eterno, entrarem em entendimento.
         A vida seria talvez pensassem eles, dali para frente, um mar de rosas.
         E assim, construíram seu ninho de amor na cidade de Rio Grande, onde viveriam a contar estrelas, sem outras preocupações que não as de se amarem eternamente...
         Mas, e a “nota”, esse elemento indispensável para garantir a felicidade no amor?
         Dessa fundamental particularidade se esquecera completamente Santiago, e foi justamente esse esquecimento que provocou a fissura entre os amantes.
         No princípio, Silvina ia levando a vida sem o auxílio monetário do amante, mas depois essa situação tornou-se insustentável e, em consequência, seu coração congelou. Resolveu ela, então, no dia anterior ao acontecimento, retornar a Pelotas, hospedando-se na Pensão Biarritz.
         Com a decisão, porém, não se conformou Santiago, que resolveu então ir “chorar suas misérias”, ao ouvido da indiferente Silvina.
         Eram 20h30, quando ele foi bater à porta do quarto de sua ex-amante. Esta atendeu, e Santiago desfiou um enorme rosário de razões na esperança de convencer Silvina a voltar ao ninho antigo.
         Faltava-lhe, entretanto, a razão mais forte e de maior poder convincente, isto é, “a nota”.
         E, em vista disso, Silvana lhe respondeu: jamais.
         Santiago tentou outras razões que, às vezes, dão ótimos resultados nesses meios onde ele pretendia reinar: esmurrou Silvina...
         Silvina, porém, apavorada diante da perspectiva de “amar” sem dinheiro, gritou por socorro.
         O amante desprezado, vendo frustrados seus argumentos, concebeu a ideia de matá-la ou, pelo menos, deformá-la para sempre e, sacando do bolso uma navalha desferiu em Silvina violento golpe.
         Silvina, num instinto de defesa, procurou fugir, em virtude do que foi atingida na parte posterior da cabeça.
         Nesse ínterim, acorreram várias pensionistas da Pensão Biarritz, que avisaram o 1º posto policial o que estava ocorrendo.
         A polícia compareceu imediatamente, lavrando o flagrante e prendendo o criminoso.
         Silvina Garcia foi conduzida no automóvel da Assistência à Santa Casa, onde recebeu curativo.
         No mesmo dia, na Delegacia de Polícia, foram ouvidos os protagonistas da cena de sangue e testemunhas, para que fosse instaurado o competente processo.
         E teve assim um sangrento epílogo um terno romance de amor, concebido sob a frágil base: “O teu amor e uma cabana”...

Henri de Toulouse-Lautrec

Hotéis ou Pensões?

         Aos 3 dias do mês de fevereiro de 1936, o jornal A Opinião Pública publicava em suas páginas um caso que se observava nesta cidade e estava por merecer especial atenção das autoridades policiais.
         Queria o jornal se referir aos antros de lenocínio, conhecidos vulgarmente por Pensões, algumas das quais, as mais luxuosas, como se via, ostentando pomposos títulos à capa de hotéis.
         Essas últimas gozavam de inexplicável consideração das autoridades policiais, consideração essa e que se devia por imediatamente um fim.
         Eram casas localizadas nos pontos mais centrais de Pelotas e onde, até altas horas da madrugada, tocava-se, dançava-se, cantava-se e berrava-se, sem o menor respeito pelo sossego público.
         Acrescia a circunstância de que, não raras vezes, a tranquilidade da vizinhança era perturbada por badernas que cessavam apenas com a intervenção da polícia.
         Havia ainda um fato mais grave: essas casas de tolerância eram também frequentadas por menores e até por colegiais.
         E isso era simplesmente lamentável e não podia, nem deveria, continuar.
         O assunto era por demais complexo para ser tratado naquele resumido espaço, dizia o jornalista. Entretanto, o que não deixava dúvida era que essas denominadas Pensões ou deveriam ser extintas definitivamente ou ser afastadas do centro da cidade para que, desse modo, fosse a população poupada de toda a sorte de espetáculos atentatórios à moral e aos bons costumes.
         Além disso, era preciso proibir, terminantemente, a entrada de menores nesses antros.
         Isso, como medida inicial porquanto a localização do meretrício, em geral, deveria merecer, em Pelotas, o mesmo especial cuidado que estava merecendo em todos os centros civilizados como, naquele momento, em Porto Alegre.
         Mas essa localização deveria ser feita imediatamente, tratasse-se de antros limpos ou sujos, pois, no fundo eram todos iguais.



Da próxima vez, publicaremos os nomes...

         Ainda no dia anterior, segundo o jornalista, pela madrugada, verificara-se tremendo sururu na pensão denominada Hotel Biarritz, localizada à Rua Andrade Neves [Praça 7 de Julho], defronte à Banca do Peixe, no Mercado Central, o que veio ainda mais uma vez comprovar os graves inconvenientes de tais casas.
         Seriam 3 horas da madrugada, quando o Sr. tenente chefe do policiamento, após visitar os postos policiais, dirigiu-se ao Hotel Biarritz, no intuito de ver se algo ali se passava de anormal.
         Logo de chegada, esse oficial foi surpreendido pelo seguinte fato: um sargento e um policial haviam dado voz de prisão a dois rapazes que se portavam inconvenientemente.
         Esses rapazes disseram que não se entregariam à prisão e mostravam-se dispostos a resistir.
         O oficial, no propósito de evitar um conflito, mandou que seus subordinados se retirassem e convidou os dois rapazes a acompanhá-lo até o 1º posto policial.
         Os rapazes em questão, sem resistência alguma, foram até o 1º posto, onde ficaram aguardando a chegada do delegado de polícia, que fora chamado para solucionar o caso.
         O chefe do policiamento, retornou, então, ao Hotel Biarritz, pois notara que a sua presença era ali necessária, em virtude de já haverem muitos frequentadores embriagados.
         Logo que essa autoridade penetrou na Pensão, dois outros rapazes, companheiros dos dois primeiros, começaram a dirigir provocações ao oficial e, como esse retrucasse, foi por eles agredido a socos.
         O chefe do policiamento, usando de um pinguelim [espécie de chicote fino e comprido usado por cocheiros], produziu leves ferimentos em seus agressores, recebendo também dois ferimentos contusos na cabeça.
         Os agressores foram levados ao 1º posto policial.
         Dizia o jornalista que somente em consideração às famílias dos promotores dessa desordem deixava de publicar-lhes os nomes.
         Entretanto, concluía o jornalista, como tais fatos se repetiam com grave dano à tranquilidade e ao decoro social, a reincidência o faria mudar de ideia, uma vez que os autores de semelhantes cenas, eram os primeiros a menosprezar os nomes de que eram portadores.
                 
        
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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen



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