segunda-feira, 30 de maio de 2016

Simões Lopes Neto, o Club Cyclista e o carnaval de rua

(parte 3)



A.F.Monquelat

A participação do Club Cyclista no carnaval de 1898

         O jornal A Opinião Pública, de 26 de fevereiro de 1898, em matéria divulgada sob o título de “A Pinhata”, noticiava que o Club Cyclista também desfilaria no carnaval de rua, com a participação, talvez, de 30 ciclistas, em sua máquinas adornadas, pretendendo abrir o corso [desfile], que se organizava para o dia seguinte.
         A reunião dos ciclistas seria em frente à Intendência [hoje Prefeitura Municipal], às 17h30.
         O corso, durante trajeto, deveria obedecer às evoluções dos ciclistas, para melhor andamento da diversão e se evitarem atropelos.
         Sabia o jornalista que algumas senhoritas, em suas máquinas, prometeram abrir a marcha do Club, a qual seria fechada por um elegante carro ornamentado.
         Seria este, possivelmente, o melhor momento naquele ano do carnaval de rua.
         Encerrando a matéria era dito que o Club Cyclista, por aquele jornal, faria em suas páginas uma declaração a propósito de sua passeata no domingo da pinhata.


A comunicação do Club Cyclista

         “O Club Cyclista no seu e em nome dos amadores que acederam ao seu convite, resolveu fazer uma passeata e, para a boa ordem e regularidade da mesma, estabeleceu o seguinte programa, que pede para ser observado:
         Os ciclistas se reunirão às 17h30 em frente à Intendência.
         O itinerário será o seguinte: da Intendência pela Rua 15 de Novembro, Voluntários, Andrade Neves, General Neto e 15 de Novembro, por onde descerá até à Intendência, onde se dissolverá o préstito.
         A distribuição dos pares e direção da marcha ficam a cargo do Club”.
         O Club dos Cyclistas convidava as famílias, que tomassem parte do corso a acompanharem o préstito, seguindo rigorosamente o movimento deste, devendo estacionar os seus carros também junto à Intendência, para dali procederem a organização da marcha, pois, assim, não só evitariam a dispersão, desordem e qualquer atropelo, como aproveitariam melhor os atrativos, pela movimentação e abundância do corso.
         O Club rogava ao público não atirar serpentinas sobre os ciclistas, a fim de evitar quaisquer embaraços.




O ciclismo visto pelo carnaval de rua

         Embora o carnaval de 1898 estivesse bastante chocho, à noite, do dia 28 de fevereiro, a coisa melhorara, com o tempo que parecia se firmar, havendo grande aglomeração de povo pelas ruas, muito especialmente à Rua 15 de Novembro, desde o Hotel Aliança [hoje Galeria Zabaleta] até a Praça da República [atual Pedro Osório], em que esteve iluminado o Café Java, a Casa Modelo, a Livraria Universal e a Notre Dame de Pariz.
         Nesse trecho, hoje Voluntários até a Marechal Floriano, entretanto, havia mais vibração, mas o jogo de confete e serpentinas fora pequeno.
         Fizera um passeio alegre um grupo de rapazes, num bonde expresso, com rodas circundadas de cordões de algodão, revelando todos, nesse cortejo burlesco, bastante espiritualidade.
         Estes rapazes distribuíram prospectos análogos à crítica que faziam.
         Junto a estes endiabrados ciclistas fritz mack vinha uma tremebunda orquestra de rufos e tambores, capaz de ensurdecer o próprio diabo.
         Os “nossos ciclistas”, que andaram em maré de contratempos, tiveram ainda uma crítica num cágado, que andava montado num pau, com duas rodas, tocando campainha como um doido...

O desfile do Club Cyclista

         Apesar da tarde chuvosa do dia 28 de fevereiro de 1898, não desanimou a “destemida e distinta mocidade” que fazia parte “deste futuroso” Club.
         Os jovens ciclistas, conforme o anunciado, levaram a efeito o tão esperado passeio em suas bicyclettes, percorrendo as Ruas 15 de Novembro, Voluntários, General Neto e voltando pela 15 de Novembro, indo, todos os seus sócios e sócias em suas “lindíssimas” máquinas, enfeitadas com tão apurado e esmerado gosto que, ousava o jornalista de A Opinião Pública afirmar, não poderiam ser excedidas.
         Após uma pequena pausa da chuva, que impertinente desafiava o entusiasmo dos ciclistas, saiu o préstito, às 20 horas, da Biblioteca Pública, rompendo uma multidão que os saudava com palmas prolongadas e ovações entusiásticas de “bravo!” que, dizia o jornalista, realmente mereciam.
         Assim desfilou o préstito: na frente, os comissários do Club, na direita, Sr. Carino de Souza, na esquerda Sr. Mirtyl Franck, logo em seguida o porta-estandarte, o jovem Bidam, depois o grande atrativo da festa, as “gentilíssimas meninas” Firmina Oliveira, filha do negociante Sr. Pompílio Oliveira, e Nilsa Pinto, filha do Sr. José Pinto, coproprietário da Livraria Americana, ocupando o centro de ambas, num ponto distanciado para a retaguarda, o ciclista Sr. Heráclito Brusque, cuja vestimenta e máquina, “incontestavelmente eram as mais belas e ornamentadas, pelo seu apurado bom gosto e extraordinária vista”.
         Descrever minuciosamente um por um todos os ciclistas e suas riquíssimas máquinas seria um trabalho longo, dizia o jornalista, limitava-se então, a citar alguns que mereceram aprovações gerais.  
         Sr. Heráclito Brusque, no qual não sabia o que admirar, se sua custosa e elegante vestimenta, de camiseta de seda, com listras de cores ouro e preta, calção preto e meias de seda, cores também iguais à camiseta, ou a sua soberba Monarch, que bem merecia figurar num desses famosos concursos que, a propósito de festas iguais, costumava-se fazer nas capitais do velho mundo.
         Além deste, havia mais as seguintes máquinas: as das meninas Firmina Oliveira, ornada de flores de seda, e Nilsa Pinto, também de flores artificiais, ambas luxuosamente vestidas de seda branca e bonés, manejando com perícia suas máquinas, dando assim a essa festa um efeito surpreendente e admirável; a do Sr. Carino de Souza, caprichosamente enfeitada com flores naturais e largas fitas de seda grená e branca e uma profusão de laços e fitas nos eixos e nos pedais de sua experimentada máquina La Française; a do jovem José Areas, com fitas e laços de seda branca e azul, vestido com iguais cores; a do Sr. João Simões Lopes Neto, salientando “a belíssima borboleta de seda na frente do guidon”; a do jovem Bidam, com flores naturais e bandeirinhas nacional e francesa; a do Sr. Fritz Boyunga com o cadre [quadro] e guarda-lama totalmente ornados; a do Sr. Mirtyl Franck, ornada de flores naturais: a do Sr. Eduardo Almeida, com muitas rosas e os raios com laços de fitas; a do Sr. Dr. Rasgado, com flores naturais pelo guidon e cadre [quadro]; as dos Srs. Tonny Costa, Dr. Ildefonso Simões e seu filho Sílvio, as dos jovens Cássio Tamborindenguy, Adolfo Maia, Lúcio Lopes Júnior; e, as dos Srs. Pompílio Oliveira, Eleutério P. Pinto e mais as dos moços Chapon, Marques, etc.
         Era de causar muita pena o tempo não ter permitido que o público melhor apreciasse essa festa, para a qual não só havia geral ansiedade, como também ser a primeira, que neste gênero se organizava nesta cidade.
         Os extraordinários esforços e grandes despesas que haviam feito aqueles moços poderiam ser mais bem recompensados, se não fosse o estado de muitas ruas, mesmo a rua principal, cuja lama e mau calçamento em muitos trechos era de lastimar, não permitindo que os ciclistas fizessem algumas evoluções, dando assim mais um atrativo à sua festa.
         As casas comerciais da Rua 15 de Novembro, à passagem dos ciclistas, acenderam suas gambiarras [luzes] e muitas senhoritas e moços empunhavam fogos de bengala, concorrendo desta maneira para maior deslumbramento do cortejo.
         Concluindo, dizia o jornalista que, com franqueza os destemidos ciclistas mereciam um “bravo!”.
        
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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen

Tratamento de imagens: Bruna Detoni

terça-feira, 24 de maio de 2016

Ciclismo: um esporte da elite pelotense (2)

       
                                                                              AF. Monquelat
 
O surgimento formal do Club Cyclista
         Aos 14 dias do mês de novembro de 1897, a diretoria provisória do Club Cyclista convidava a todos os já sócios, e também a todos aqueles que já possuíam ou tencionavam adquirir bicyclettes, para se reunirem naquele mesmo dia, domingo, às 9 horas, na loja Ao Amazonas, à Rua 15 de Novembro.
         Nesta reunião, seriam apresentados os Estatutos, e eleita a diretoria efetiva; por isso, rogavam o comparecimento de todos os ciclistas.
Transferência de passeio ao Retiro
         Aos 26 dias do mês de dezembro de 1897, o “Club Cyclista Pelotense” avisava aos Srs. sócios que, em vista do mau tempo, ficava transferido o projetado passeio de exercício ao Retiro.
         A nota divulgada estava assinada pelo secretário F. Boyunga.
 Aos “Cyclistas”
         Os Srs. Cupertino & C. informavam aos ciclistas, via imprensa, que se encarregavam de todo e qualquer conserto em bicyclettes, e que poderiam ser procurados, para tal, à Rua General Argolo nº 39.
O crescimento do uso de bicicletas
         Segundo o Diário Popular de 1º de janeiro de 1898, para que se tivesse uma ideia do desenvolvimento do ciclismo no Brasil, “nestes últimos tempos”, bastaria ver o consumo extraordinário que estava tendo as bicyclettes.
         As grandes remessas chegavam quase que diariamente à capital federal (Rio de Janeiro), e ainda há 14 dias recebera a Casa Mitchel, de lá, 150 bicicletas da marca Cleveland, vendendo-as, todas, em menos de seis dias.
         A propósito, informava o jornal: para o Bazar Musical (Pelotas) estavam já em viagem bicyclettes dos mais afamados fabricantes.
O ciclismo no final do século XIX
         Parecia não haver dúvida que o ciclismo, naquele final de século, firmaria a sua indispensabilidade como o melhor meio de condução e como o mais belo esporte.
         Em Pelotas, via-se já grande número de biciclistas, que deixavam, à tarde, os seus trabalhos e percorriam as ruas e arrabaldes da cidade; prosseguindo, dizia o jornalista em 27 de janeiro de 1898: faltava ainda ver, pelo fim da tarde, graciosas senhoras entregues àquele belo divertimento higiênico e civilizado, como já acontecia em outras cidades do Brasil.
         Brevemente, talvez nos primeiros dias do mês seguinte, as encontrássemos, em suas máquinas, formosas e encantadoras.
         Das fábricas de bicicletas conhecidas, uma que se destacara na fabricação “desse delicado aparelho” fora a The Monarch Cycle Mfg, C., de Chicago, cuja fábrica, situada às ruas Lake Halsted e Fueton, em Chicago, continha 215.000 pés quadrados de espaço, cinco acres e produzia 500 bicicletas por dia.
         A história da bicicleta Monarch despertava interesse. Era uma história de êxitos, informava o jornalista.
         Em 1891, The Monarch Cycle era um infante recém-nascido, ainda que robusto.
         Nesse ano, a fábrica empregara 35 operários e fabricara 150 bicicletas somente.
         No curto espaço de tempo, a experiência de 1891 dera certo e a fábrica crescera e se multiplicara centenas de vezes.
         No ano que passara, ano de 1897, os 35 operários e as 150 bicicletas foram aumentadas a 1.500 operários e 50.000 bicicletas de primeira ordem, as quais se venderam em todos os “países civilizados” do mundo.
                Agora, no entanto, dizia o jornalista que estavam tendo maior procura as máquinas francesas e alemãs, que, em coisa alguma eram inferiores às americanas, sendo muitas as opiniões favoráveis àquelas, principalmente das marcas Clement e Française, que se encontravam à venda no Bazar Musical.
 


 
Bicyclettes em oferta
                       O Sr, Willi Spanier anunciava à venda, pelo diminuto preço de 450$, as excelentes bicyclettes Columbia, modelo Hartford.
         Essas máquinas, que reuniam em si a superioridade do fabrico e a elegância, vinham merecendo a geral aceitação em Buenos Aires, Montevidéu e Porto Alegre, segundo o anúncio publicado em 28 de janeiro de 1898.
                       Inauguração de um velódromo em Porto Alegre


         A 30 de janeiro de 1898, em Porto Alegre, inaugurou-se o velódromo da União Velocipédica, no prado Independência, com a presença de mais de 200 ciclistas.

 
Os ciclistas foram ou não ao Capão do Leão?
         Sob o título de “Cyclismo”, o Diário Popular de 15 de fevereiro de 1898 noticiava que dois valentes ciclistas foram, domingo, dia 13 de fevereiro, em 1 hora e 20 minutos, da Praça da República [atual Pedro Osório] ao Capão do Leão.
         Apesar do mau caminho, fizeram o passeio em tão diminuto tempo.
         As máquinas, que nada haviam sofrido, eram das marcas La Française e Naumann, uma das quais fora adquirida no Bazar Musical.
         Ao que o jornalista Vitú, em sua coluna do dia seguinte ao divulgado pelo Diário Popular, disse que: “O D. Petósca [referência irônica ao Diário Popular], de ontem, empurrou nos seus diminutos leitores mais uma peta [lorota, mentira].
         E essa para reclame [propaganda]... talvez em troca de alguns saquitos de confete..
         Imaginem que ele noticiou terem ido daqui ao Capão do Leão, em uma hora e 20 minutos, em suas máquinas, dois ciclistas.
         Quem poderia engolir semelhante mentira?
         Eu não me admiraria muito se dois ciclistas fossem a um lugar tão distante como o Capão do Leão numa hora ou até em menos.
         O que eu não acredito e ninguém deve acreditar é que o caso se desse com o Capão do Leão, cuja estrada, como todas as do município, é uma sucessão de buracos e de sangas, numa das quais não pôde passar, há 3 ou 4 dias, um carro, que daqui seguira, tirado [puxado] por três cavalos.
         O autor da tremenda peta que vá dormir com os defuntos!
         E, se quiser me abichornar, que cite os nomes dos ciclistas que fizeram o celebrado tour de force.
         Cite, se é capaz!”.
         Voltando a ironizar a “notícia”, Vitú, o colunista de A Opinião Pública, em 17 de fevereiro de 1898, dizia em seu espaço diário que os dois fantásticos ciclistas que foram ao Capão do Leão em 1 hora e 20 minutos, segundo noticiara o matutino instalado na mesma rua, constava que iriam em breve fazer “uma viagem ciclópica... as gafas [bordas] da lua, até onde levariam, em triunfo, o número do pêtas-monstro [exemplar do Diário Popular] que se ocupara daquela sua excursão de estreia...
                                                                                              Segue...
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Fontes: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Tratamento de imagens: Bruna Detoni

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Encrencópolis, uma princesa desnuda ou o Café da Infância, o Antro do Mãosinha*


O Café da Infância, conhecido e denominado pela imprensa de Pelotas como o Antro do Mãosinha, é a terceira e última das bodegas, ou tascas, que escolhemos para  destacar dentre as mais afamadas da Rua Tiradentes, o Bairro Sujo ou A Encrencópolis da cidade.
Das notícias recolhidas sobre o Antro do Mãosinha, pode-se depreender que no local moravam prostitutas, a exemplo das bodegas da Rua General Osório, que era ele protegido de alguma autoridade e uma espécie de xerife da quadra. Quanto à antonomásia, acreditamos se tratasse de alguma deficiência em uma das mãos. Vejamos então:

A Rua Tiradentes em dança

Às 2 horas da madrugada do dia 28 de janeiro de 1914, na espelunca de Marcelino Vidal, vulgo Mãosinha, situada à Rua Tiradentes entre 15 de Novembro e General Vitorino [Anchieta], os desordeiros Fernandes Marques Rodrigues, Maria Emília Pereira e Cantalice Tavares dos Santos proferiram as maiores obscenidades, desrespeitando os transeuntes.
Afinal, aparecendo o rondante daquela rua, conduziu as desordeiras e o desordeiro para o 1º posto, não com muita facilidade.
A licença que esses freges [locais de má aparência] desfrutavam, de estar abertos pela noite a dentro, devia lhes ser cassada, dizia o jornalista, a bem da moral pública e da tranquilidade da cidade.

Grosso sarilho

Dia 13 de dezembro de 1914, às 17 horas, na espelunca denominada Café da Infância situada à célebre Rua Tiradentes, houve mais um grosso sarilho.
Longino Vens, sentindo a canícula [calor muito forte] reinante, foi à casa do Mãosinha desalterar-se, e lá encontrou Fernando de tal, com quem entrou a questionar.
Da discussão rompeu a luta, engalfinhando-se os dois contendores.
Chamada à polícia, compareceram os guardas 25 e 7 do 1º posto, que efetuaram a prisão de Longino e conduziram-no, abaixo de estouros, para o 1º posto.
O infeliz chegou ao xadrez em lastimável estado e deitando sangue pela boca.
Quanto a Fernando e Mãosinha foram apenas intimados.
No outro frege, à Rua Tiradentes, de propriedade de Fructuoso Alves, houve, quinta-feira, àsl9 horas, grossa baderna.
Um indivíduo, depois de beber a farta, esbofeteou a mundana Emilia Podowisky, por antonomásia “Polaca”, e em seguida manuseando um revólver, tentou alvejar o dono do frege.
Dois marinheiros que se encontravam no local desarmaram o valente e entregaram-no à polícia.
No 1º posto, o badernista não quis declarar o seu nome.

Quadros vivos: a apologia do nu, sempre a Rua Tiradentes

Na faina diária de registrar fatos passados nas ruas, o jornalista de O Rebate já se habituara a descrever as cenas havidas na célebre quadra da Rua Tiradentes, entre 15 de Novembro e General Vitorino [Anchieta].
Terríveis borracheiras, grandes badernas, ciumeiras e suicídios, punhaladas, tiros e pancadaria grossa, davam-se quase que diariamente.
O fato que ele nos narra, ocorrido dia 14 de dezembro de 1914, era inédito em Pelotas:
A meretriz Tininha, em companhia de outras hetairas, foi à espelunca denominada Café da Infância e, com as colegas, despiu os trajes, envergou roupas de renda, saindo a passeio...
Nessa exibição de plástica, se divertiram até aborrecerem-se.
Os guardas que policiavam aquele trecho, que envergonhava Pelotas, nada viram, ou, aliás, viram e... gostaram, dizia o jornalista.
Santa cegueira...

As espeluncas da célebre Rua Tiradentes

            Ontem, 13 de janeiro de 1915, às 11 horas da manhã, encontraram-se um bombeiro e outro soldado que pertenciam à nossa polícia, que deixava o jornalista de dar número por não trazê-lo, como era de obrigação, a gola do dólmã, a porta de uma das mais baixas meretrizes, em completa anarquia.
         Uma família que por aquele local passasse seria obrigada a presenciar alguma imoralidade.
         Para quem apelar?
         Ainda naquele mesmo dia e local, às 16 horas, o chauffer Barbosa, um tanto alcoolizado, foi visitar a mulher por nome Maria da Conceição Carvalho, de cor parda, que residia no afamado antro de perdição denominado Café de Infância, propriedade do alcunhado Mãosinha, e depois de uma discussão com aquela dama fez uso de um pequeno revólver, detonando-o uma vez e ferindo-a no braço esquerdo. 
         Barbosa foi preso em flagrante e conduzido ao 1º posto.
         Maria, cujo ferimento era leve não se medicou, em parte alguma.
         Apesar de várias vezes ter o jornal chamado a atenção das autoridades locais para aquele trecho escandaloso da cidade, ainda não fora tomada nenhuma providência.

Ainda o antro do Mãosinha

Dia 7 de fevereiro de 1915, os hóspedes do Café da Infância apanharam uma terrível mona [bebedeira].
Intoxicaram-se com “finos” líquidos e começaram a praticar mil badernas.
Comparecendo o guarda de serviço, na célebre quadra, foi recebido pelas Messalinas a copos e garrafas.
Afinal, o mantenedor da ordem conseguiu prender as pandegas que eram em número de quatro.



O Mãosinha

O proprietário da imunda tasca à célebre quadra da Rua Tiradentes, denominada Café da Infância, conhecido pela antonomásia de Mãosinha era o “Jesus daquela zona”.
Paschoal Bonifácio de Bonfim, cozinheiro do Hotel Portugal, foi à casa do Mãosinha dia 8 de fevereiro de 1915, e pediu 6 garrafas de cerveja, ingerindo o líquido em companhia de alguns camaradas.
Pagou a despesa, ficando os copos cheios de cerveja.
O proprietário da espelunca, possuído de fúria, quebrou copos e garrafas e quis desancar ao seu freguês.
Paschoal procurou os guardas 12 e 14 que davam serviço na quadra e lhes pôs ao corrente do sucedido.
Estes declararam que nada podiam fazer.
“Ao que nos consta o Mãosinha é acobertado por um ‘grande’ na polícia; daí a impunidade de que goza”, acrescentava o jornalista.

No Bairro Sujo

O indivíduo Mário Rieira, que há dias ferira a mulher Aracy Furtado, defronte ao Colyseu, cometeu dia 17 de março de 1915, forte desordem na Rua Tiradentes, na célebre tasca do Mãosinha, sendo preso e recolhido ao 1º posto.

 Ainda no bairro sujo

Dia 24 de abril de 1915, às 12 horas, o conhecido desordeiro Haroldo Moreira, vulgo Barbadinho, foi ao Café da Infância, situado à Rua Tiradentes e, armado de navalha, cortou a meretriz Clotilde de Faria no rosto e na mão direita.
Após o delito, Barbadinho fugou, mas foi preso e desarmado, estando com as costelas bem aquecidas pelo chanfalho, e levado ao xadrez do lº posto.
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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Revisão do texto: Jonas Tenfen

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Salão Marly: a casa do maxixe e outros maxixes*

(parte 4/4)

                                                                                                            A.F. Monquelat
 
O Marly em ação: novos maxixes
         Na famigerada espelunca que respondia ao nome de “Salão Marly” e onde se dava Rendez-Vous a ralé mais característica de Pelotas, se realizariam, hoje e amanhã, 13 e 14 de janeiro de 1917, mais dois maxixes à fantasia.         Noticiando este fato, já aqui ficava o jornal O Rebate com a certeza de que segunda-feira teria a registrar nas linhas de noticiário, esbórnias deprimentes e sarilhos grossos.
         Isso, por que, desde que fora aberto o Salão Marly, frequentado por badernistas profissionais e hetairas de beco, resultou teatro eterno de desordens.         À polícia impunha-se o dever de já ter acabado com o desclassificado antro de vagabundagem, em nome do nosso crédito de terra moralizada.         Desleixada e, por assim dizer, refratária a todo o serviço que redundasse em benefício coletivo, ela nada fizera até então.         Tomavam-se nota para a história de uma época, e de certas gentes.          Ficava ele de pena em punho, preparado para o registro das badernas que no Marly, certamente, ocorreriam.
Deprimente: os cartazes do Marly na Praça da República
            Havia para aí, encravado, como apêndice mau que era preciso extirpar ao organismo da cidade, um antro baixo de perversão, fedendo à cachaça e a umas quantas coisas mais desagradáveis.         Ali imperava, por noites de orgia arrancadas à existência dos quilombos, a bacanal da plebe que, para se divertir, chafurdava-se no lodo de todas as abjeções e de todas as vergonhas.         Ali reinava, pelas horas movimentadas em que a “zona” estava repleta, pobres mulheres, farrapentas e esquálidas, sinistras no seu horror.            E, como personagem principal, a corja de navalha ao cinto, provocadora e suja.         Isso é que era o celebrizado e repugnante “Marly”, centro de “banzés” grossos, e cujo funcionamento só uma polícia como a nossa poderia permitir, vociferava o jornalista aos 30 dias do mês de março de 1917.         Pois não era que, agora, à troca de uns pingues níqueis extorquidos, indiretamente embora, às infelizes profissionais do amor, decadentes e rotas, a subintendência permitiu que, na Praça da República, um dos títulos de orgulho de nossa cidade, sítio palmilhado e frequentado por famílias, se ostentassem imundos cartazes com a propaganda obscena da tasca infecta.         Doía dizer, mas era a verdade.         Não haveria uma autoridade, com uns restos de vergonha, que se dispusesse a proibir tamanha profanação?
 
 
Conflito e ferimento no Salão Marly
            Ontem, dia 9 de janeiro de 1918, às 16 horas mais ou menos, se achava libando entre outros convivas do Salão Marly, Pedro Faria, servente de pedreiro, preto, solteiro, de 20 anos de idade, e outro indivíduo mais conhecido pela alcunha de Escovado.         Em dado momento, suscitou-se entre eles uma acalorada discussão, que terminou por chegarem às vias de fato e, fazendo uso de armas, aquele de um cacete e este de um punhal, travaram luta, resultando sair Faria com um ferimento penetrante no pulmão direito.            Intervindo terceiros, separaram os contendores, efetuando aqueles a prisão de Escovado, que foi mais tarde entregue à polícia, a qual sendo avisada do fato, ali compareceu.        Pedro Faria, foi removido para a Santa Casa, onde, depois de receber curativos, foi internando na Enfermaria Pimenta.
Outros locais de maxixe
         Anunciava o jornal O Dia de 3 de março de 1916, que o maxixe requebrado, no reinado de Momo daquele ano, também teria o seu culto.         Pois, estupefacientes bailes se anunciavam para aquele dia e dia seguinte no elegante salão da Rua General Vitorino [atual Anchieta], esquina da Rua General Neto, bem como do Restaurant Maxim’s, onde se prometia coisas do arco da velha.
Antro de perdição
         Em 5 de julho de 1922, o jornal O Rebate publicava em suas páginas a carta de um leitor, cujo conteúdo era para chamar a atenção da polícia, se é que a polícia ignorava, para os escandalosos maxixes, abrilhantados pela Banda Musical e realizados na cãs de tavolagem de Velho Menino, situada num ponto central da cidade, à Rua Andrade Neves, esquina Tiradentes.         Dizia o leitor que sem o mínimo decoro pelas famílias que residiam no em torno, o pessoal dos tais bailes, aliás, a escória do “bairro sujo” [referência à Rua Tiradentes, entre as atuais 15de Novembro e Anchieta] e adjacências praticavam escândalos de toda laia, promoviam desordens e bebedeiras, alarmando o vizindário e ameaçando graves acontecimentos.         Já que a polícia permitia a jogatina em tais tascas imundas, deveria impedir que houvesse semelhantes maxixes, imorais e perigosos, afrontando às famílias e à cultura de Pelotas.
 
 
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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Revisão do texto: Jonas Tenfen




sexta-feira, 6 de maio de 2016

Salão Marly: a casa do maxixe e outros maxixes*

(parte 3/4)

                       
                                                                                     A.F. Monquelat





Policiais surram cidadão embriagado

Na madrugada do dia 22 de outubro de 1916, dois guardas da polícia administrativa praticaram uma violência condenável, qual seja: o bárbaro espancamento, à espada, de um cidadão que se achava em completo estado de embriaguês.
Semelhante procedimento, dizia o jornalista, não poderia merecer a aprovação das autoridades superiores, que, por certo, saberiam punir os atrabiliários policiais.
O fato se passara no já famoso Salão Marly, onde acontecia um baile, no qual se encontrava o cidadão Salvador Mendes, que, muito embriagado, portava-se de modo inconveniente, provocando os demais convivas, a ponto de ser várias vezes admoestado pela polícia que, por fim, o obrigou a sair.
Salvador, que já se encontrava na rua, desrespeitou os policiais, que o tinham posto para fora, razão pela qual lhe deram voz de prisão.
Salvador ia sendo levado por dois guardas, até que, ao chegar à Rua Marechal Deodoro esquina Tiradentes, surgiu uma alteração entre ele e os guardas.
Foi o bastante para que os furibundos mantenedores da ordem desembainhassem as suas espadas e aplicassem tremenda surra no cidadão, que apanhou bordoada de criar bicho, pela cabeça, pelo corpo, etc.
Acossado pela pancadaria, Salvador saiu em disparada pela Rua Marechal Deodoro fora, sendo perseguido pelos dois guardas que lhe desfecharam dois tiros de revólver, os quais erram o alvo.
Pouco adiante caiu ele ao solo todo pisado e, neste estado, foi levado para o 1º posto, onde ficou.
Como Salvador chamasse por alguns conhecidos seus, pedindo-lhes a intervenção em seu favor, os policiais ameaçaram os curiosos que haviam corrido, alarmados pelo tinir das espadas, de lhes fazerem o mesmo serviço.
Concluindo, dizia o jornalista não concordar com o método empregado pelos indivíduos a quem estava confiado a manutenção da ordem.


Novas atrações no Salão Marly

         Segundo o jornal O Dia de 27 de novembro de 1916, no sábado e domingo anteriores, houvera bailes no popular Salão Marly e, como de costume, desenrolaram-se ali cenas impossíveis de descrever, o que fez as famílias da vizinhança não dormirem a noite toda.
Ao iniciarem-se as danças, no sábado, uma senhorinha saiu para a rua, em trajes masculinos, o que provocou muitas e alegres gargalhadas do pessoal escorreito que frequentava o Marly.
A festa daquela noite acabou com um tiro, que o jornalista presumia ter sido o sinal para a debandada dos convivas, pois não era de crer que tivesse sido disparado por efeito de algum conflito num salão onde reinava ordem e moralidade.
Dava ele notícia daquela festa, para que a polícia fosse assistir no próximo final de semana aos bailes no Marly; mas, era conveniente que fosse uma ambulância, caso o tiro, sinal de dispersão, acertasse em alguém.




Por causa de uma mulher...

            Há muito que João Alves da Silva, de 20 anos de idade, de profissão cocheiro, empregado na Cocheira Simões, era amásio da mundana Tilinha da Silva, residente à Rua Tiradentes.
         Por motivos de ciúmes, os dois amantes se separaram.
         Anteontem, 31 de dezembro de 1916, Tilinha foi ao baile público no Salão Marly, sito à Rua 7 de Abril, com o seu novo amante, Alexandre Rodrigues Ferreira, garçom do Hotel do Comércio, sito à Rua Andrade Neves.
         Ali chegados, e na ocasião em que estes dançavam, eis que surge João Alves, ex-amante de Tilinha que agarrando esta pelo braço, convidou-a a retirar-se.
         Alexandre, tomando por uma afronta, travou-se de razões com o seu rival e, puxando de uma faca, desferiu uma certeira punhalada em João Alves, ferindo-o no vazio, no lado direito e deixando-o prostrado ao solo.
         Ato contíguo o criminoso tentou fugir, sendo, porém, em seguida preso e recolhido ao posto policial, à ordem do Sr. Delegado de polícia.
         Transportado o ferido para a Santa Casa, foi ali atendido convenientemente pelos Srs. Drs. Ariano de Carvalho e Victor Russomano, ficando em tratamento na Enfermaria Pimenta.
         O seu estado, até a hora desta notícia, era melindroso.

O guarda nº8, do 2º posto, quis virar a bicho

            O guarda nº8, do 2º posto, que era todo metido a valente foi, dia 1º de janeiro de 1917, destacado para fazer guarda a porta do Salão Marly, à Rua 7 de Abril.
         Ali, como todos sabiam, dizia o repórter de O Rebate, era um foco de desordem e perdição, juntava gente da pior espécie, havia sempre indivíduos que só queriam era fazer desordens.
         O caso é que, às 23 horas, entrou para se divertir um grupo de badernistas, fazendo grossa algazarra. O nº8, querendo deitar energia, chamou os referidos desordeiros à ordem e os quis prender; porém, eles que não estavam dispostos a serem presos, agarraram o guarda a unha e, depois de o desarmarem, deram-lhe muitas taponas.
         Aos apitos de socorro, compareceram vários guardas da polícia que prenderam os desordeiros.

Homem vilmente espancado e ferido

            Como previra o redator de O Rebate, na sua última local sobre os bailes do famigerado Salão Marly, deram-se no mesmo novas e repugnantes cenas de escândalo e selvageria promovidas pelos frequentadores da referida espelunca, e pela incorrigível polícia vernetiana, afirmava o jornalista.
         Como pano de amostra do que foram as orgias realizadas no sábado e domingo, naquele antro de devassidão, apadrinhado pelas autoridades, o jornalista iria relatar o revoltante fato ali ocorrido: pelas 3 horas da manhã de hoje, 8 de janeiro de 1917, quando estava quase a findar o maxixe desenvolto, travaram-se de razões e chegaram às vias de fato as mulheres Albertina Silva e Alice de tal.
         Fernando Marques, de profissão jornaleiro, com 20 anos de idade, solteiro, que tomava parte na farra do Marly, interviu a fim de reparar as contendoras.
         Nesse ínterim, acudiram guardas da polícia administrativa e entram a espancar as mulheres.
         Fernando protestou contra a violência, e isso tanto bastou para que o metessem num círculo de ferro, malhando-lhe espada a dizer basta!
         Os guardas nºs 2, 4, 10 e 11, do 1º posto, e o vigilante nº 3, do 3º posto, como verdadeiras feras, isolaram a vítima num pátio contíguo ao salão do maxixe e desancaram-no a estouros!
         Foi uma cena revoltante, miserável, indigna, só admissível entre bandidos.
         O infeliz homem, atingido pelo furor e pela valentia de cinco desordeiros fardados, ficou em miserável estado, apresentando, entre outros, um ferimento contuso no braço esquerdo, outro na cabeça e grande número de contusões pelo corpo.
         O local onde ocorrera o fato apresentava, pelas paredes, muitas manchas de sangue derramado pela vítima, o que também se notava da Rua 7 de Abril à Paysandu [Barão de Santa Tecla], em grande extensão.
         Depois do bárbaro espancamento, os famigerados policiais prenderam Fernando e meteram-no no xadrez do 3º posto onde se achava recolhido.
         Fernando foi medicado na Santa Casa, antes de encarcerarem-no.
         Eis aí o que era a polícia de uma terra civilizada!, exclamava o jornalista.
         Eis aí os frutos da tolerância criminosa das autoridades para com um antro imundo de perdição, que, como afronta a sociedade e aos bons costumes, funcionava impunemente numa zona habitada por famílias!
            Para quem apelar?!
            ECCO IL PROBLEMA...


                                                                                              Continua...

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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado

Revisão do texto: Jonas Tenfen