quarta-feira, 13 de novembro de 2019

RS e Pelotas na obra de Machado de Assis Parte 02


RS e Pelotas na obra de Machado de AssisParte 02



A. F. Monquelat [revisão]
Jonas Tenfen
 

            Continuemos em 1892. Em 14 de agosto, o estado do Rio Grande do Sul é cenário, mencionando uma anedota casuística ocorrida com Honório Bicalho, engenheiro responsável, entre outras obras, pela Estrada de Ferro Pedro II. O processo mental que leva até o cenário que é indicativo das ideias que o autor possuía sobre o estado. Naquela semana, houve parte do debate no Senado Federal sobre a permissão ou não da imigração chinesa – dentre outros temas envolvendo a ocupação da terra. Os assuntos vão sendo concatenados, por fim o Rio Grande do Sul como palco para uma população que estava no Brasil, mas não eram brasileiros:

E aí estão quatro tiras escritas, e aqui vai mais uma, cujo assunto não sei bem qual seja, tantos são eles e tão opostos. Vamos ao Senado. O Senado discutiu o chim, o arroz, e o chá, e naturalmente tratou da questão da raça chinesa, que uns defendem e outros atacam. Eu não tenho opinião; mas nunca ouso falar de raças, que me não lembre do Honório Bicalho. Estava ele no Rio Grande do Sul, perto de uma cidade alemã. Iam com ele moças e homens a cavalo — viram uma flor muito bonita no alto de uma árvore, Bicalho ou outro quis colhê-la, apoiando os pés no dorso do cavalo, mas não alcançava a flor. Por fortuna, vinha da povoação um moleque, e o Bicalho foi ter com ele.

            Em 4 de dezembro, o ano se mostrava muito longe do fim. Um tema em especial deu protagonismo ao Rio Grande do Sul à pena de Machado de Assis: a Revolução Federalista (ocorrida entre 1893 – 1895). Lembrando que esta crônica é do ano anterior ao início da Revolução, vemos os desenhos dos motivos que acabariam por tornar belicoso os planos políticos. O primeiro parágrafo do texto trata de uma dúvida sobre como – ou melhor, qual – tema abordar para a crônica semana, quando o segundo:

Justamente o que ora me sucede. Toda esta semana falou-se na invasão do Rio Grande do Sul. Realmente, a notícia era grave, e, embora não se tivesse dado invasão, falou-se dela por vários modos. Alguns têm como iminente, outros provável, outros possível, e não raros a creem simples conjetura. Trouxe naturalmente sustos, ansiedade, curiosidade, e tudo o mais que aquela parte da República tem o condão de acarretar para o resto do país. Imaginei que era assunto legítimo para abrir as portas da crônica.

            Semana seguinte, a pena – que é da galhofa – volta a falar do estado, mas agora na figura de seus partidos. Depois de iniciar o texto falando do chupim (“chopim”, não grafia utilizada pelo autor), aborda

Outra questão complicada é (ornitologicamente falando) a dos pica-paus e dos vira-bostas, que são os nomes populares dos partidos do Rio Grande do Sul. Eu, quanto à política daquela região, sei unicamente um ponto, é que a Constituição política do Estado admite o livre exercício da medicina. Conquanto seja lei somente no Estado, não faltará quem deseje vê-la aplicada, quando menos ao distrito federal; eu, por exemplo. Neste caso, entendo que não se pode cumprir a notícia dada pelo Tempo de hoje, a saber, que vai ser preso um curandeiro conhecidíssimo, do qual é vítima uma pessoa de posição e popular entre nós.

            Inicia-se o ano de 1893. No dia 11 de fevereiro, debates sobre justiça, o vislumbre da pólvora que parecia querer estourar pelo Brasil, bombons de dinamite na casa do governador de São Paulo (“excelente produto da indústria local, que conseguiu reduzir um explosivo tão violento a simples doce de confeitaria.”), mas, em resumo, uma crônica sobre a paz. Várias províncias se mostravam em polvorosa, e na lista, o estado não ficaria de fora:

 Não falo de Pernambuco, nem do Rio Grande do Sul, nem das amazonas de Daomé, nem das danças de Madri, a que chamaram tumultos, por ignorância do espanhol, nem da Guaratiba, nem de tantas outras partes e artes, que são consolações da nossa humanidade triunfante.

            Em 9 de abril, uma nota sobre tentativa de lei para regulamentar o trabalho doméstico. O debate assume a direção de que a lei só terá efeito pelo medo que as pessoas terão da coerção, um tema bastante frequente nos debates ainda hoje. Falando em eficácia da lei, alguns parágrafos mais adiante:

Tudo isto quer dizer que a legislação, como a vida, é uma luta, cujo resultado obedece à influência mesológica. Oh! a influência do meio é grande. e vemos no Rio Grande do Sul? Combate-se e morre-se para derrocar e defender um governo. Venhamos a Niterói, mais próximo do teatro lírico. Trata-se de depor a intendência. Reúnem-se os autores e propugnadores da idéia, escrevem e assinam uma mensagem, nomeiam uma comissão, que sai a cumprir o mandato. A intendência, avisada a tempo, está reunida; talvez de casaca. A comissão sobe, entra, corteja, fala: [...]

            Em seguida, há algumas falas de uma cena teatral que, se não fosse tragédia, facilmente é identificável com comédia.
            Em 13 de agosto, desdobramentos da Federalista em Santa Catarina. Para ser mais exato, grande parte da crônica são as impressões da recepção de um telegrama deixado por Hercílio Luz, e amplamente divulgado por seus correligionários:

 Entre tantos sucessos desta semana, que valeu por quatro, um houve que principalmente me encheu o espírito. Foi a proclamação do ex-governador Hercílio, ao deixar o poder de algumas horas.
 Talvez o leitor nem saiba dela, tão certo é que os vencidos não merecem compaixão. Eu também não a li; não sei se é longa ou breve, nem em que língua é escrita, dado que os revolucionários fossem alemães, como disseram telegramas, — ou teuto-brasileiros, fórmula achada no Rio Grande do Sul para exprimir a dupla origem de alguns concidadãos nossos. Também ignoro se a proclamação ataca o poder federal, como fez um telegrama do próprio ex-governador. Propriamente, a minha questão não é política. A parte política só me ocupa, quando do ato ou do fato sai alguma psicologia interessante.
Talvez o leitor nem saiba dela, tão certo é que os vencidos não merecem compaixão. Eu também não a li; não sei se é longa ou breve, nem em que língua é escrita, dado que os revolucionários fossem alemães, como disseram telegramas, — ou teuto-brasileiros, fórmula achada no Rio Grande do Sul para exprimir a dupla origem de alguns concidadãos nossos. Também ignoro se a proclamação ataca o poder federal, como fez um telegrama do próprio ex-governador. Propriamente, a minha questão não é política. A parte política só me ocupa, quando do ato ou do fato sai alguma psicologia interessante.

            Chama atenção que ao cronista faltou tempo, e algum disciplina, para ler o telegrama, algo honestamente revelado nas linhas acima. Até mesmo Machado de Assis, sobre a história e política do Brasil, dedicou a alguns temas nada mais que uma orelhada.

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Fonte: há muitas obras completas de Machado de Assis disponíveis online, para este texto utilizamos o site Domínio Público (domíniopublico.gov.br). As imagens que ilustram o texto são Wikicommons.

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