quarta-feira, 6 de novembro de 2019

RS e Pelotas na obra de Machado de Assis Parte 01

RS e Pelotas na obra de Machado de Assis
Parte 01

A. F. Monquelat [revisão]
Jonas Tenfen

Gumercindo e Aparício Saraiva ao centro da foto

         
         Machado de Assis dedicou sua pena da galhofa aos mais variados gêneros literários, em especial ao conto, crítica literária, crônicas, poesia, romance e teatro. Debate longo se tradução seria ou não um gênero literário, contudo, o autor também ensaiara traduções (além do famoso “O Corvo”, de Edgar Alan Poe, também “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo, e “Oliver Twist” de Charles Dickens, citando apenas dois). Nas obras completas, sempre incompletas, de Machado de Assis, costuma aparecer uma categoria no mínimo curiosa onde se põe tudo o que ele escreveu que não se classifica em gêneros propriamente ditos: miscelânea.
         Desenvolvemos mais um pouco a ideia de que as obras completas são sempre incompletas. Consta que o primeiro problema de xadrez escrito por um brasileiro tenha sido ideado por Machado de Assis, que apreciava muito a contenda de cavalos e bispos (da mesma forma que apreciava o jogo do bicho). O problema, publicado originalmente pela “Ilustração Brasileira”, foi compilado por Arthur Napoleão em sua “Caissana brasileira” (1898). Hoje há especulação sobre a personalidade – e sempre a genialidade – do Bruxo do Cosme Velho a partir de uma abordagem de um aspecto à margem de suas atividades.
            Parece que esta é a abordagem que se pode fazer atualmente à obra do autor escapando dos grandes temas, como se traiu ou não traiu. Como escreveu bastante – a coleção completa de sua obra pela Editora do Globo tem 31 volumes – é comum aos leitores e aos críticos se concentrarem em obras-chave, como a Trilogia Realista, para se relacionarem com o autor. Há muito, porém, que desse modo fica de lado.
           Quanto às menções ao Rio Grande do Sul, abordaremos aqui as 14 vezes que o estado é mencionado nas crônicas “A Semana”, publicadas pela Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, de 1892 a 1897, depois em 1900. Rio Grande do Sul figura quase sempre com belicosidade  afinal, as crônicas estão às voltas com a Revolução Federalista  e como não integrando totalmente o Brasil, em especial pela expressiva presença de imigrantes europeus que não falavam a língua portuguesa.
           As crônicas, quase sempre escritas em primeira pessoa, dão muito a entender do método de trabalho utilizado. São comentários de notícias que chegam ao autor por meio de telegrama. Por isso, há assuntos tão variados como o suicídio de uma bailarina russa ou o espanto de achar um esqueleto com algemas durante a demolição de uma casa. A ideia inicial é a de escolher um telegrama e dele fazer uma crônica, mas, rapidamente, tem-se um telegrama inicial – que é o mote do texto – para depois nos últimos parágrafos encontrarmos miscelânea de notícias que chegaram naquela semana, que dariam um texto, mas que acabaram no cesto do lixo por causa do espaço. O tempo, cronologicamente falando, se mostra algoz da musa, pois as notícias, com o advento do telegrama, envelheciam rápido.
          Comecemos por 1892. Em 26 de julho, a crônica é iniciada falando da demissão de um ministro grego, mote incontornável para se falar da literatura clássica e de seus desdobramentos e influências antes de chegar ao Brasil, onde há bulícios de revolução também na Bahia. 
Outro telegrama conta-nos que alguns clavinoteiros de Canavieiras (Bahia) foram a uma vila próxima e arrebataram duas moças. A gente da vila ia armar-se e assaltar Canavieiras. Parece nada, e é Homero; é ainda mais que Homero, que só contou o rapto de uma Helena: aqui são duas. Essa luta obscura, escondida no interior da Bahia, foi singular contraste com a outra que se trava no Rio Grande do Sul, onde a causa não é uma, nem duas Helenas, mas um só governo político. Apuradas as contas, vem a dar nesta velha verdade que o amor e o poder são as duas forças principais da Terra. Duas vilas disputam a posse de duas moças; Bagé luta com Porto Alegre pelo direito do mando. É a mesma Ilíada.
     Em 3 de julho, sobre as vésperas do dia de São Pedro, digressões sobre sinos das igrejas e carrilhões. É crônica de especial interesse para quem gosta de assuntos religiosos, pois é feita uma abordagem machadiana do espiritismo e da transmigração. Por mais que ocorram digressões 
voltemos ao carrilhão. Já referi que entrara na igreja, não contei; mas entende-se, que na igreja não entram revoluções, por isso não falo do Rio Grande do Sul.
Machado de Assis por Henrique Bernadeli, 1905
      
      Em 31 de julho, a crônica disserta sobre uma senhora que teve suas debêntures (espécie de título público) furtadas da bolsa. Machado acha interessante especular com títulos e monta uma estratégia de investimentos, sem esquecer a parte do santo em velas. Ao fim da crônica, uma nota sobre as constituições provinciais e a abordagem conhecida ao chimarrão: 
A rigor, devia acabar aqui; mas a notícia que acaba de chegar do Amazonas obriga-me a algumas linhas, três ou quatro. Promulgou-se a Constituição, e, por ela, o governador passa-se a chamar presidente do Estado. Com exceção do Pará e Rio Grande do Sul, creio que não falta nenhum. Sono tutti fattimarchesi. Eu, se fosse presidente da República, promovia a reforma da Constituição, para o único fim de chamar-me governador. Ficava assim um governador cercado de presidentes, ao contrário dos Estados Unidos da América, e fazendo lembrar o imperador Napoleão, vestido com a modesta farda lendária, no meio dos seus marechais em grande uniforme.
 Outra notícia que me obriga a não acabar aqui, é a de estarem os rapazes do comércio de São Paulo fazendo reuniões para se alistarem na guarda nacional, em desacordo com os daqui, que acabam de pedir dispensa de tal serviço. Questão de meio; o meio é tudo. Não há exaltação para uns nem depressão para outros. Duas coisas contrárias podem ser verdadeiras e até legítimas conforme a zona. Eu, por exemplo, execro o mate chimarrão, os nossos irmãos do Rio Grande do Sul acham que não há bebida mais saborosa neste mundo. Segue-se que o mate deve ser sempre uma ou outra coisa? Não; segue-se o meio; o meio é tudo.


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Fonte: há muitas obras completas de Machado de Assis disponíveis online, para este texto utilizamos o site Domínio Público (domíniopublico.gov.br). As imagens que ilustram o texto são Wikicommons.

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