quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Tragédia no Corredor do Pacheco


                                                            A.F.Monquelat






         Dentre os becos, corredores e cortiços que a miséria e a especulação imobiliária se encarregaram de criar em Pelotas, estava o célebre Corredor do Pacheco localizado à Praça da Constituição nº9.
         Naquele local, a tragédia vivia à espreita e à espera de um quase nada para acontecer, e, assim, quando tal acontecesse se apoderar de um, ou até de maior número de moradores.
         Dentre os inquilinos do Corredor estava o “preto” Arnaldo de Oliveira Neto, foguista da fábrica de chifres da firma Bertoni & Cia. Ltda., com sua mulher Sebastiana de Oliveira Paz, de 25 anos, e três filhos menores.
         Ao lado, em um quarto, morava o sapateiro Santos Pagno, italiano, casado, com 42 anos, e sua amásia Beatriz de Carvalho.
         Entre esses vizinhos nada de anormal se passava. No dia 8 de fevereiro de 1926, contudo, ao meio-dia, Santos, cujas grosserias eram conhecidas de todos os moradores do Corredor, pegou no braço de Arnaldo, dizendo que tinha um assunto para tratar com ele, em sua própria casa.
         Uma vez ali, no interior do pequeno quarto de Arnaldo Santos, sem demonstrar seus instintos sanguinários, sacando de uma faca nova, investiu contra Sebastiana, desferindo-lhe quatro golpes que a atingiram em ambos os braços, na cabeça e nas costas, todos de caráter leve.
         Em seguida, e de forma violenta, Santos vibra uma única punhalada no pai de Sebastiana, Antônio Ângelo Corrêa Paz, de 92 anos, branco, que estava almoçando.
         O nonagenário recebeu certeira punhalada na clavícula esquerda, atingindo o coração e provocando-lhe a morte instantânea.
         Arnaldo, vendo-se na eminência de ser morto, trava com Santos renhida luta, recebendo três ferimentos no pulso direito, vazio e costas, conseguindo, mesmo assim, subjugar o feroz adversário.
         Em seguida, Arnaldo, tomando a faca de Santos, vibrou-lhe dois golpes no abdômen, lado direito, que lhe ocasionaram a morte.
         Nesse ínterim, acudiram alguns vizinhos e transeuntes que avisaram a polícia.
         No Pacheco         compareceram os Srs. tenente Camilo Gomes, delegado de polícia, capitão Arnoldo Siqueira, subintendente, comissário Abelardo Miranda, do 1º posto, que providenciaram para remover os feridos e os mortos.
         Estes deram entrada no Necrotério e os outros na Santa Casa, onde foram atendidos pelos Drs. Victor Russomano, Ariano de Carvalho e José de Mendonça   .
         Antônio Ângelo, o nonagenário, era muito conhecido, pois há anos esmolava pelas ruas da cidade.
         Era de pequena  estatura e andava sempre com duas muletas, sendo muito estimado no comércio, pelo seu gênio alegre.
         Às 16 horas, daquele mesmo dia, no Necrotério, foi realizada a autópsia nas vítimas pelo Dr. José de Mendonça, interno da Santa Casa.
         Na delegacia de polícia, era feito o interrogatório das testemunhas arroladas.
         No dia seguinte a tragédia, a população continuava impressionada com o acontecimento.
         E a imprensa, procurando melhor informá-la, acrescentava ao já divulgado os antecedentes do crime, dizendo que, dias antes do fato, um dos filhos de Arnaldo, de 6 anos de idade, apenas por meros brinquedos de criança, provocara por parte do assassino fortes repreensões.
         A mãe, como era de se esperar, saiu em defesa da criança:
         - Não tenho medo de caras feias – exclamou Sebastiana – aos ouvir as ameaças de Santo.
         Este nada respondeu, retirando-se para o seu quarto, ruminando, durante dias, a ideia sangrenta de se vingar de uma arte de criança.

         É provável que ninguém, sequer, pudesse imaginar que o italiano Pagno desenvolvesse tamanho ódio por episódio tão banal, a ponto de se tornar o principal personagem da tragédia do Corredor do Pacheco.
         Durante toda a tarde, era grande o número de curiosos, em torno do prédio do Necrotério.
         Arnaldo Oliveira Neto, que era um robusto crioulo, de 30 anos, estava recolhido à enfermaria Pimenta, no leito de nº36.
         Apresentava Arnaldo, o foguista, um ferimento mais penetrante no tórax lado esquerdo, outro no braço do mesmo lado e um terceiro na cabeça. Entretanto, o estado do ferido não era grave.
         Sebastiana Corrêa Paz, de 25 anos, estava recolhida à enfermaria Dr. Veloso.
          Ela apresentava dois ferimentos na cabeça, sendo um até o osso do crânio, um ferimento, leve, no pulso direito, outro mais profundo no dorso da mão esquerda, que atingira os tendões, e outro ainda nas costas, o que tornava evidente o golpe traiçoeiro.
         Como se não fosse suficiente aquela desgraça, à noitinha
, o menor Antônio, de 6 anos, que já estava doente quando da ocorrência e que, sem o pretender, fora o pivô de toda aquela tragédia, que veio a abalar a cidade, veio a falecer.
         O assassino, que morrera, era como já o dissemos de profissão sapateiro e tinha maus precedentes.
         Há tempos procurara ele trabalho na fábrica de sapatos Russomano, tendo, na ocasião, dito que havia saído de Caçapava por ter matado alguém naquela cidade, e ser desde então procurado pela polícia.
         Quando caiu ferido, o sapateiro Santos Pagno ainda pediu um cigarro, que não chegou a fumá-lo por inteiro.
         Esvaindo-se em sangue, e sentindo a morte próxima antes de morrer falou:
         - Levem-me para o hospital, eu tenho dinheiro para me tratar.
         Mas, de nada valeu o dinheiro dele, pois os golpes que recebera foram mortais.


_______________        ___________________________________
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
Imagem: Acervo A.F. Monquelat


        

Nenhum comentário:

Postar um comentário