E, considerando o velho ditado: o apressado come cru, resolvi amadurecer a ideia antes de entregá-lo aos leitores. O que faço tardiamente, já que pouco ou nada acrescentaria tal texto à já consagrada, visitada, revisitada e nunca completa obra de Simões Lopes.
“Peludices
Andei por Canguçu, a ver se conseguia explorar alguma mina de ouro, azougue [o mesmo que mercúrio] ou mesmo ferro, porém, esses minérios, não querendo compartilhar da assaz decantada crise que assola esta santíssima terra, sumiram-se, aprofundaram-se, como que fugindo espavoridos da furiosa algibeirite aguda [escassez de dinheiro] que tantos males tem causado.
Não conseguindo o que almejava, vim, como “a folha que o vento da fortuna impele” [verso do poema A Judia, de Tomás Ribeiro], sondar a Princesa ... [referência à cidade de Pelotas, a princesa do sul].
E não me arrependo.
Estou, posso contar como certo, rico, muito rico, podre de rico!
Ó ventura!
Ferro, ó ferro!
Vou contar como consegui saciar a minha desmedida ambição, mas, por enquanto, peço muita reserva.
Fui convidado para assistir a uma sessão espírita; e, na sala, repimpado [bem sentado, bem acomodado], numa cadeira de pau, observei boquiaberto, o estupefaciente evento que se desenvolvia entre o meu olho (uso do singular, por ter um olho só; o outro saiu preso à catarata, quando me operaram) e fiquei gostando da sessão, de tal maneira, “que não conheço coisa que mais queira”. Permita-me o querido irmão-chefe que eu narre algumas das muitas merveilles [maravilhas] que presenciei.
Um irmão, já meio velhote, a quem os outros chamavam de seu Chico, evocou um espírito, e, entre outras amargas recriminações, censurou-o por ter andado a passear de bonde.
O espírito, que não pude distinguir se era o do Castro Malta [João Alves de Castro Malta, caso que se tornou famoso no Rio de Janeiro em meados dos anos de 80 do século XIX] ou o do Castro Urso [um dos tipos populares do Rio de Janeiro no século XIX e que foi morto por um “perverso” em 21 de setembro de 1889], desfazendo-se em pranto, “sentido e santo” [alusão a Missa de Cristo Rei], protestou que não entraria mais em bondes, indenizou o Chico da despesa, fez umas piruetas e evaporou-se.
Um outro irmão evocou um Espírito que, ao aparecer, bradou com voz de trovão:
- Vamos!
- Onde? balbuciou o pobre rapaz.
- A...
Não, não digo o nome que o invocado disse, porque é tão feio, tão feio...
Conquanto se trate de uma coisa comum ao reino animal, com exceção do carrapato, eu não devo repeti-lo, para não arranhar os delicados tímpanos de vossos mimosos ouvidos.
A base, pois, de minha próxima opulência, está firmada:
Vou abrir a concorrência pública uma agência espírita, que substitua, com vantagem, o telégrafo, a navegação aquática e aérea, telefone, etc., etc., por módico preço...
João Peludo.”
Bibliotheca
Pública de Pelotas-CDOV
Postagem:
Bruna Detoni
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