(parte 1)
A Província de São Pedro depois da malograda tentativa de
alguns fazendeiros, comerciantes e charqueadores de tentarem impor seus
interesses pessoais ao império brasileiro, através de um movimento de sedição
que com o tempo passou a ser conhecido como Revolução Farroupilha, recém
retomara suas atividades.
A todos os sediciosos, exceto Neto que se retirou da
Província, foram concedidos benefícios, cargos ou patentes militares.
Aos negros sobreviventes, escravos no império escravocrata
brasileiro, restava o retorno ao desumano trabalho que os Senhores da Carne lhes
impunham.
Ao sul do sul da Província, no lugar outrora conhecido como
os campos das pelotas, alguns charqueadores que durante a revolta farroupilha
haviam deixado o lugar e se dirigido ao país vizinho, o Estado Oriental del
Uruguay, levando seus escravos e pondo-os a trabalharem em seus novos estabelecimentos
ou terceirizando-os aos saladeristas montevideanos, já haviam retornado. Isso
depois de uma enorme demonstração de desrespeito com as autoridades do país que
os recebera, ao descumprirem o compromisso de entregarem alguns de seus
escravos para se engajarem ao exército uruguaio, mesmo sendo indenizados por
aquele governo e, através de tal ato, privando homens de suas liberdades, pois
o Uruguai já abolira a escravidão, trazendo-os novamente para as insalubres
senzalas de suas charqueadas no território pelotense, onde lhes esperava o
desumano trabalho e a barbárie do chicote.
Nas ruas desta, que o viajante passara a chamar de Pérola do Sul, a um caminhante mais
atento não passaria despercebido certo ar de conspiração.
Pela Rua Augusta, ao longe, se avistava dois negros,
certamente escravos, em direção a uma das cacimbas do mato que a Câmara mandara
abrir para o abastecimento de água dos habitantes da cidade.
Quem os visse de perto, talvez notasse em suas nucas a parte
recém-raspada, muito embora não viesse, a saber, o significado daquela linha
reta de orelha a orelha.
O movimento nas ruas era ainda muito pequeno, a cidade
despertara a pouco, um que outro cavaleiro, uma carreta ou outra, talvez em
direção ao local determinado onde os colonos poderiam vender seus produtos.
Naquela mesma Rua Augusta, via-se, saindo de uma bodega,
dois tropeiros desamarrando seus cavalos com a intenção de montá-los e partirem
em direção aos seus pagos, depois de terem passado pedaço da noite anterior
bebendo, jogando e se divertindo com as pensionistas da bodega, que ali tinham
seus quartos para atenderem seus clientes.
Nas proximidades das ruas da Horta e do Padeiro, algumas
negras com pesadas trouxas de roupa na cabeça, cantarolando algo ininteligível,
se encaminhavam em direção ao arroio. Eram elas, sem dúvida, as lavadeiras do
Santa Bárbara. As negras Minas, as tias Minas, de tantos saberes e igual número
de histórias.
Caso alguém as seguisse até o arroio e ali as escutasse, ouviria,
ao som da água e a batida das roupas nas pedras, cantando enigmático verso: -Hoje lavamos para os brancos, e não tarda
que os brancos lavem pra nós.
Mas, quem as escutaria se aquele enigmático cantarolar era
abafado pelo badalar do sino da Igreja Matriz ou pelo vozerio dos negros e
negras, escravos de ganho, os já tradicionais quitandeiros e quitandeiras, que
aos brados ofereciam seus quitutes desde a Praça da Quitanda?
Adiante, quem passasse
pela Rua do Poço em direção a Rua Alegre veria, entre dois sobrados ali
existentes, um monturo de imundície.
Já na Praça do Theatro,
que não era nada além de um campo aberto, relegada ao descaso, à disposição dos
animais da vizinhança, pastavam tranquilamente algumas vacas, outras cabras e
até mesmo uma mula.
Em outro terreno, ali próximo, adquirido há pouco para a
construção de um mercado, uma pequena casa de comércio funcionava fornecendo
mercadorias aos moradores das redondezas, enquanto a Câmara da cidade
mobilizava-se em projetos e verbas que lhe permitisse a edificação do já
projetado Mercado Central.
Em casa do Sr. Luiz Manoel Pinto Ribeiro, um de seus escravos, um
negro da Nação Mina, “inquestionavelmente reconhecidos como a mais inteligente
da raça negra”, que por seu senhor sentia grande amizade, pois aquele sempre o
tratara com cordialidade, insistia em dizer-lhe que havia uma conjura em
andamento, coisa que seu senhor não achou que fosse de se levar a sério.
Soubesse o Sr. Luiz Manoel Pinto Ribeiro, que a cidade, para sua
guarnição e defesa contava apenas com um destacamento de 70 ou 90 homens do 8º
batalhão de Caçadores e uma meia dúzia de policiais, criançolas na sua quase
totalidade; além do que, em casa do Sr. Francisco Manoel dos Passos, o primeiro
que ouvira da boca de um escravo de sua propriedade, tal informação já fora
dita e com insistência, assim como também na casa do Sr. Antônio de Oliveira
Castro, outro cativo, de Nação Mina, informava haver um projetado levante de
escravos por acontecer, certamente teria dado maior atenção ao que lhe dizia
aquele escravo.
O que, em resumo, disseram
os escravos aos seus senhores foi: que eles haviam sido convocados para esse
levante; que os principais aliciadores do levante eram os escravos do Sr.
Manoel Rodrigues Valadares e, em especial os da charqueada do Sr. Manoel
Batista Teixeira, e que alguns outros escravos da cidade, inclusive um, de
certo cuteleiro e outro, de certo ferreiro, estavam também envolvidos,
inclusive se comprometendo a abrirem, na hora aprazada, as portas da casa de
seus senhores a fim de que os revoltosos se abastecessem de armas que ali houvesse
em condições para o evento. E acrescentaram que todos os negros conjurados
deviam ser conhecidos pela nuca rapada, que era o sinal distintivo que usavam
os envolvidos na rebelião.
Todas essas informações,
fornecidas pelos delatores da conspiração dos Minas aos seus senhores, foram,
dias depois de ouvidas, levadas ao conhecimento do Sr. delegado Vieira Viana
que, sem titubear, imediatamente expediu circulares a todos os charqueadores
que de imediato se puseram de sobreaviso, tratando de encerrar à noite seus
escravos, que a tal não se opuseram nem tampouco ofereceram resistência alguma.
Continua...
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Revisão do texto: Jonas
Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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