“Entrou em cena a roleta!” Era o que anunciava
O Rebate do dia 7 de fevereiro de 1916
Por ordem ou com licença dos Srs. Pedro
Osório e João Manoel Gomes e Silva , conforme murmuravam os viciosos, continua
funcionando abertamente a tavolagem, na suposta “pensão de artistas” de Lili de
tal.
Ontem, 6 de fevereiro de 1916, com todas as honras do
estilo, foi inaugurado o jogo da roleta,
que funcionou até as barras do dia de hoje,7 de fevereiro.
Como era de ver, não faltaram incautos,
que se deixaram depenar. Um viajante, que se hospedava no Hotel Aliança, perdeu em três tempos a “bolada” de trezentos mil
réis.
Outros lhe seguiram as pegadas, queixando-se depois do momento
em que penetraram naquele “templo de moralidade”.
Escusava dizer que a autoridade policial não fez caso,
absolutamente, da denúncia do jornal, fazendo “ouvidos de mercador”, a tudo
quanto dissera.
Lamentava o jornalista que isso sucedesse; pois o Sr.
delegado de polícia prometera, sob palavra de honra, que, em sabendo do
funcionamento de qualquer casa de jogo, daria uma batida, prenderia os
jogadores, submetendo-os a processo e apreenderia os petrechos da “inocente”
diversão.
Tudo fora conversa fiada, confirmando-se assim as
declarações dos jogadores de que o Sr. João Manoel Gomes e Silva não mandava
nada em questões dessa ordem e sim, o chefe político local, o Sr. Pedro Osório.
O jornal, porém, cumpriria o seu dever, verberando-o ao
conhecimento das autoridades superiores, como já o fizera.
Sem que as autoridades policiais
adotassem as providências que eram lícitas esperar, dado o mentiroso pregão de
combate à jogatina, continuavam a funcionar francamente, na casa de tolerância
de Lili de tal, a Roleta e o Bacarat.
Esses jogos de azar,
segundo antecipadamente proclamaram os viciosos, foram permitidos e autorizados
pelo chefe político local, Sr. Pedro Osório, a troco, naturalmente, de
dedicações partidárias, dizia o jornalista
Alguns incautos já tinham pagado o seu tributo, deixando nos
panos verde e azul o produto de muitas economias, quiçá o fruto de laborioso
trabalho.
Em tudo isto, quem estava fazendo uma triste figura,
perdoasse-lhe a franqueza o Sr. delegado de polícia, era o Sr. João Manoel
Gomes e Silva, cuja palavra de honra fora agora posta à prova e escarnecida
pelos jogadores, os mesmos que diziam que a autoridade não mandava nada em
questões de jogo e sim, o Sr. Pedro Osório...
Lamentando sinceramente, o “fiasco” que
o Sr. delegado de polícia estava fazendo, e mais uma vez “nos capacitamos” de
que não havia seriedade alguma em ato algum do governo que tanto o infelicitava.
Uma
miséria!
O Rebate,
porém, cumpriria o seu dever, houvesse o que houvesse, acontecesse o que
acontecesse.
Moulin Rouge - Paris |
Segue
a farra!...
Continuou à noite passada, 8 de
fevereiro de 1916, na casa de tolerância de Lili de tal, o funcionamento dos
inocentes JOGUINHOS da Roleta e do Bacarat.
A afluência ia aumentando graças à frouxidão ou
condescendência do Sr. João Manoel Gomes e Silva, delegado de polícia, que
absolutamente não tinha, porque não queria, prestar ouvido às fundamentadas
denúncias do jornal.
Sabia ele de várias pessoas que deixaram quantias bastante
regulares, no pano verde da Roleta.
Aquele antro do vício, da perdição e do impudor, apresentava
à noite feérico aspecto, como que a desafiar as iras e os adormentados
estímulos morais nossa polícia. Luz a jorros, sons de orquestra, flores,
mulheres e champanhe se consignavam num consórcio híbrido de libertinagem.
Até ao amanhecer, as fichas cantavam sobre as mesas da
jogatina, enquanto que as algibeiras dos muitos iam ficando aliviadas do peso
que traziam...
Era de ver-se, à luz do dia, irem saindo pouco a pouco os
notívagos, com as feições alteradas, macilentos, a caminho de suas casas, em
troca do dia pela noite e vice-versa.
Toda a gente via
isso. Só o Sr. delegado de polícia não o enxergava.
Mísera miopia ou... injunção partidária?
Era ou não permitida à jogatina?!
Pelo
visto sim, pois, dia 8 daquele mês, o redator de O Rebate recebeu uma carta, a
qual deu publicidade, com o seguinte teor:
“Ilmo. Sr. Redator d’O Rebate. Muito saudar.
Admirando a campanha moralizadora, que vindes fazendo
contra a jogatina, não nos furtamos aos aplausos de que é merecedor, pela
elevada atitude assumida neste caso escandaloso do jogo entre nós! È de fato
uma vergonha o que se está passando em Pelotas, sem que para corrigir tais
abusos tome uma providência o Sr. Delegado de Polícia, que, para honra de seu
nome, já devia ter deixado o lugar que ocupa. E, para que não se diga que são
EXAGEROS os fatos apontados pelo O Rebate, adiantamos também que até na própria
Catedral com o consentimento de D. Francisco, os sócios da “União Pelotense”,
fazem também as suas BANCADINHAS, a título de passatempo!...
Isto, Sr. Redator, é o cúmulo dos cúmulos, o maior
atentado contra o brio e dignidade das
Famílias que frequentam aquele lugar! E, é assim que se procura incutir no
espírito dos fiéis os sagrados princípios da Religião de Cristo.
É assim que o moralizado D. Francisco quer ensinar ao seu
rebanho!...
Chamamos a atenção da Polícia para mais esta casa de jogo
que, à sombra da religião e da pobreza vai corrompendo grande número de
pessoas. Contamos com o apoio de O Rebate, para o esclarecimento deste caso
mais que vergonhoso.
Com elevada estima e consideração, subscrevo
atenciosamente, obrigado.
Olegário
Junqueiro”.
A
jogatina em Rio Grande
No Rio Grande, como aqui, a jogatina
descarada e audaciosa estava alçando o colo e afrontando a moral social.
Pelo estilo da célebre “pensão de artistas” aqui instalada
luxuosamente pela francesa Lili de tal (como se aqui aportassem artistas em
número tal, que permitissem o funcionamento de uma casa de tal ordem), se
cogitava fundar, na cidade vizinha, segundo denúncia recebida pelo jornal Tempo, uma casa de jogatina, no sobrado
à esquina das Ruas Marechal Floriano e Benjamim Constant.
Esse estabelecimento seria em grande escala.
A propósito diz o redator do citado
jornal:
“Íamos escrever – com vista ao Sr. subdelegado, mas desistimos, por ignorarmos ainda quais as ideias de S.S. em relação ao jogo, que o chefe de polícia está mandando perseguir em toda a parte. Está o Sr. Matta Bacelar no exercício da delegacia de polícia, e se é que não lê pela mesma cartilha da autoridade, a quem substituiu, não carece que lhe digam qual é o seu dever.
“Íamos escrever – com vista ao Sr. subdelegado, mas desistimos, por ignorarmos ainda quais as ideias de S.S. em relação ao jogo, que o chefe de polícia está mandando perseguir em toda a parte. Está o Sr. Matta Bacelar no exercício da delegacia de polícia, e se é que não lê pela mesma cartilha da autoridade, a quem substituiu, não carece que lhe digam qual é o seu dever.
Entretanto, a jogatina em todas as suas manifestações,
continua a campear livremente, quer aqui quer no Cassino, onde a roleta
protegida funciona, dia e noite, sem o mínimo embaraço, antes amparada pelo
absurdo de constituírem as praias de banhos uma zona a parte, privilegiada,
onde é dado atentar impunemente contra a lei.
Verdade é que, fora do nosso país, há quem explore
oficialmente o jogo, nas estâncias balneárias, e ainda há pouco líamos a
notícia da renda fabulosa que na municipalidade do Rio da Prata auferira dessa
exploração desonesta.
Nós, porém, não chegamos ainda à perfeição do Estado
converter o vício em fonte de renda, de sorte que os jogos proibidos por lei em
toda a parte o são, não se admitindo que se os puna num sítio e se os permita
noutro.
De resto, bem pode ser que a nossa polícia entenda lá
para si – e não deixaria de ter razão – que sendo livre, como é a jogatina na
cidade, inçada de casa de tavolagem, vem a tornar-se perfeitamente lícito o
funcionamento da roleta no Cassino.
Tem a palavra o Sr. subdelegado de polícia para dizer
como pensa a respeito”.
VOX CLAMANTIS IN DESERTO. A do colega
rio-grandino, afirmava o redator de O Rebate.
Continua...
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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